quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Dois

Um.
Guardei dinheiro no bolso da calça, um jeans velho e desbotado.
Dois.
Desci do segundo ônibus com vontade de correr, atropelando as próprias canelas enquanto, afinal, corria mais do que podia.
Cheguei até ela ofegante, suado, esperando pegá-la de surpresa e receber um sorriso tão único quanto o último.
Três.
O mundo girou com seus ginetes inconscientes, ao mesmo tempo vítimas e cúmplices.
Voltei querendo ficar, odiando amargamente as janelas que me acompanhavam e que, inevitavelmente, deixariam de mostrar-me o seu aceno.
Embrulhei e guardei cada momento no canto mais quente e aconchegante da memória, para nunca esquecer.
Um-dois-três.
Ao final, a contagem se torna regressiva, esperando um novo reencontro;
No fim, eu diria que toda história é uma história de amor;
Diria que cada história traz consigo as suas saudades.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Jaime e a Fórmula da Perturbação

Falo sobre Jaime, o aprendiz, e a Fórmula da Perturbação.
A tal fórmula não foi descoberta por ele. Não foi estudada por ele. No fim, fim de quê, não sei, ele encontrou sem saber uma fatalidade natural inerente ao seu ofício de cientista astral. Jaime, o aprendiz, ficou perturbado, mais do que se poderia imaginar, ao descobrir a fórmula da perturbação. A exata fórmula que ele nunca estudou. Não saberia lê-la, apesar de ser letrado, Jaime, o letrado, não sabia ler a fórmula que nunca estudou. A fórmula que o perturbou. Jaime, o perturbado, sabia cantar, não era cantor, cantava o quê, não sei, cantava canções, que tipo, roquenrou, e blus, não sei, Jaime, o cantor sabia cantar muito bem mas desaprendeu grande parte da sua técnica de contraalgo, que ele era sempre contra algo, principalmente depois de perturbado e de não mais cantar como cantor, esse Jaime deixou de ser aprendiz quando descobriu a fórmula da perturbação, ele não a conheceu em teoria, não a compreendeu de verdade, apenas foi perturbado por ela, Jaime, o perturbado, ele queria ser grande, um grande cantor, um grande cientista, não um grande aprendiz, porque aprendiz não é grande, mestre é grande, queria ser Jaime, o mestre, mas nunca chegou a não saber o suficiente a ponto de ser sábio, pois foi perturbado pela fórmula que descobriu, Jaime, o descobridor, Jaime o contraditório, estava confuso, na verdade, fora ele perturbado pela fórmula ou a fórmula perturbada por ele, ou foi a fórmula que o permitiu perturbar, quem, não sei, perturbar a todos, seu irmão, seu João, seu Vagem, Pedro Turvo, Pietr Dúbio, Jaime, o sem título, já não era mais nada, Jaime, o insignificante, nem cantor nem jogador nem professor nem presidente nem assessor assassinante nem mestre de obras nem mestre de nada nem nada de nada, apenas uma penosa pessoa perturbada, Jaime, o não; Jaime Lão.
THE FACE IN THE MIRROR WON'T STOP

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Lá estava eu: bem aqui.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Niels Coelho, Paulo Bohr e a aristocracia do pistolão


É cult colocar a palavra "quântico" entremeio a teorias místicas. Acreditar em multicórnios também.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O que é que há, meu amigo?

O que há nesse lugar,
inferno,
que causa tanto interesse?

O que há no teu livro,
palavra,
que expressa tanto ódio?

Haveria alguma falta:
de explicação,
de algo para aquietar-te à noite;
ou há algum problema insolúvel,
um erro incorrigível,
um segredo perdido naquilo que deixaste de lado dia-a-dia para dedicar-te ao amanhã;

o que é que há, meu amigo?

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Vi-te a me ver

Eu vi a mágica nos teus olhos. Vi, como um solitário vagalume em meio a imensidão de morcegos, o profundo pesar de uma alma que passa. Perfeita trilha sonora seria o apito de partida de um navio, naquele momento. Oh, triste olhar lançado sem vigor, morrendo a cada passo em frente. Havia, ali, de tudo que pode ser belo: tristeza, mistério, reflexão; saudade, misericórdia e esperança; havia um fogo frio do mundo espectral, lumiando a mão do fantasma que se arrasta fora da tumba buscando vingança, buscando alívio, seu relógio de bolso, o fim que lhe negaram.
Esta noite eu vi a mágica única que emana de um ser: frágil, humano, perdido num mundo, não, não basta; num universo que não tem a decência de explicar seus motivos. Ver-te assim foi contar-me uma história. No cabelo que cresceu desde a última vez; a barba que brota tímida, pouco a pouco; os olhos que piscam apagando a luz do mundo.
Grato, se tivesse a quem agradecer, eu estaria pela possibilidade do movimento, por não ver sempre a mesma resposta para a pergunta Como estás. Mesmo assim, de alguma forma, há pesar. Eu te vi amargamente, lamentando cada furo que fiz na parede para te ter em minha frente.

Folhinhas Numeradas

Incineradas, não me contam mais nada.
Anos se empilham num passado que desconheço
pois do que aprendo, tanto esqueço.
Nas folhinhas numeradas morrem os dias
Nas manhãs abandonadas
descobri o que já sabias
Somos universo inevitável
um sopro; numa bolha, num instante
A roda gira
A vida flui
A bolha explode
Somos início, fim
E as folhinhas numeradas
elas são apenas: nada.

Constelação

Vi sagitário em forma de nuvem; as ordens celestes mudaram, constelações agora se manifestam agoldoadas pelas manhãs que jamais voltam? Ou mudou minha vista, que capturou a imagem que vi de um ponto único, inédito e irreproduzível? Não sei, nem ouso adivinhar quantas pessoas viram esta nuvem. Mas quem viu aquela que eu vi... bem, só eu, e ocorre que meu olho esquerdo discordou do direito e, sem saber qual, escolhi uma das versões por oficial e nela acredito. Agora ali está um centauro em chamas sendo empalado pelos galhos, vibrantes, que espetam o céu sem piedade.
Quanto mudou minha paisagem com alguns instantes de vento; quanto terei mudado eu, em alguns instantes vivendo.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Quarta-feira

Aqui perto não passa trem. Por falta de costume, por falta de romantismo, falta essa graça. Não posso pegar o trem e ir embora, porque ele não passa por aqui. Ele não passa de ilusão.
Train roll on...
Aqui não passa trem, porque isso nos faz consumir o caríssimo petróleo dos bigodudos empoados. Não posso partir numa linha sem fim, porque a linha não existe. Ela é o desejo de me distanciar dessa estação cheia de gente pintada, decorada e com prática nas milhares de interações sociais possíveis ao longo de uma tarde que não passa, malpassante.
Não existiria a paçoca do vendedor de paçoquinha da estação se não fosse pelo dinheiro que ele recebe em troca. Nem a passagem se daria por nada. Não existiriam essas pessoas fingindo tão mal se elas não precisassem fingir; fugir.
Tuesday is gone with the wind...
Esta é uma quarta-feira múltipla, como todas as outras. Vontade de ficar e de ir, de fugir sem abandonar quem não merece. Partir num trem com um assento a mais.
Para mim e para nós.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

José

Seu José havia matado.

Mas matou antes de ser culpado.

Teve sua casa invadida seu quarto queimado, sua memória ferida.
Atirou nos policiais, derrubou dois ou três, e atirou mais uma vez.
Seu ódio estampado, do descaso escancarado, da obra municipal.
Na vila da liberdade, na cidade prosperidade, nem paz nem amizade encontram igualdade.
Seu José saiu da casa, contou as balas do revólver que havia tomado do policial tombado.
As pessoas corriam em volta mas José nada via lá. Não havia escolta. Nem amiga nem armada. Que dirá amada.

Seu José desconheceu o amor, largou a paixão e a esperança em um grande caixão chamado dor.
Seu José não foi trabalhar, pois não havia trabalho para ele, havia uma arma e uma boa dose de ardência, da sua permanência ainda fora de casa, olhando os corpos descarnados.

Seu José era agora culpado.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Eis uma tarde malpassante.
Malpasságio.

Crônica de uma manhã que não volta

Saí para trabalhar e nunca mais voltei como era antes.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

baboíno sedentário

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

onda

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Escrevi psicodelias. Li meu nome nessa palavra. Tem algo estranho nesse mundo.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Shuffle

next
next
next
next
next
Wishbone Ash - Time Was
Touché

Oh, balões

Cae cae, balão.
Caíste em contra... mão, não, oh pae!.
Me dê uma pílula frívola de passagem temporânea
duma eternidade instantânea
vitimar-me-ei no teu encalce
por perseguir um chamado insone-e-insípido
por culpa não minha mas tua,
que tenta-me a: buscar, probar, failhar
Cae; caeo.

Oh, balão, por que me aflutuaste?
Eis uma tarde malpassante.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Oh, pae

Pai, por que me amafagaste?
Dameriste-me um sentido inefável
Oh, bolhas da mão, pronde vão?
Pombas, pombas brancas, donde vem?
É tarde demais pra caféfracos, gentingrata e baixastrais
A tarde passou mas não passava, malpassante
Não troco o rock'n roll por quase nada
Mas cá entre nós,
Que fique acordado
Que falta atroz
Que faz um sentido.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Pretérito Imperfeito Que No Futuro (que é o presente) Tornou-se Contraditório

"Bla, bla, bla... naquele tempo em que éramos... bla, bla, bla... e já não mais... bla, bla, bla... do mesmo modo que eu via.... bla, bla, bla... já foi...  bla, bla, bla... agora apenas... bla, bla, bla... não há... bla, bla, bla... sinto falta de mais bla, bla, bla. Fazia, era, ouvia, cantava, sentia... BLA, BLA, BLA."

Torna a satisfação um verbo e sempre o conjuga no pretérito imperfeito (com o perdão do trocadilho). Tudo porque esse ar melancólico é interessante - é assim que pensa? - ou porque se apegou a conceitos inúteis ou porque, na verdade, não se sente assim mas ouve tanta merda nesse sentido que na hora pareceu bonito passar a idéia adiante. Talvez, por puro modismo - mas nunca admitiria isso.


E pensa nesse bla bla bla todo enquanto busca pelas novidades que são diferentes do que as pessoas comuns apreciam. Tudo porque para elas, o comum é interessante - é assim que pensam? - ou porque se apegaram a conceitos inúteis ou porque, na verdade, não gostam tanto disso mas a TV mostrou tanta coisa nesse sentido que na hora pareceu bonito comprar a idéia. Talvez, por puro modismo - mas nunca admitem isso.


...mas todos vivem presos pela gravidade à uma bola que, enquanto bola, sempre será redonda - fato esse que perpetua parte do passado mas é despercebido pelo cara que está no futuro (que é o presente), lamentando a falta do passado que é imperfeito por não ter sido eterno por culpa das novidades. Na verdade, ele também precisa de tempo para se preocupar com - e buscar - outros bla bla blas.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Até a gaivota que voa já tem seu caminho no ar

Será que há tantos caminhos assim, ein? Existe algum outro caminho além desse, esse que eu sigo sem conhecer o que não descobri? Será que não seriam os caminhos, estes, todos um só?

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Can you hear me major Tom?

Como é bonito aqui em cima. Não sei bem como eu cheguei aqui: não faço ideia de que tipo de propulsão, ou foi uma expulsão, é, fui expulso lá de baixo, daquele mundo que eu queria evitar? Talvez eu tenha sido arremessado cá pra cima, para esse lugar maravilhosamente calmo, cômodo, essa surpresa que me esperava depois da curva do vento.
Não lembro bem quem era a torre de comando. Nem se era uma torre, nem qual fora o comando. Descumpri as ordens de voltar. Mas oh!, me falta uma sombra fresca onde beber água; compartilho paz numa mesa para dois. E a paz de espírito? Hm, essa deve ser só minha, essa eu encontro num canto onde as paredes não se encontram, eu descubro numa rota que leva para minha própria consciência, que leva para um ponto final.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Uh iê!

Dormi muito bem. Acordei ótimo. A tarde passou, pulei num trem que nunca para. E por que pararia?

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

É bucha

Chega. Vontade de cuspir uns adeus. Chega.
Cadê a compaixão dos cristãos, nesses velhos doentes que se aproveitam da minha nobreza?
Devem tê-la tragado e combatido com algum dos seus caros remédios, confundindo com a peste, com a miséria que habita suas consciências, os seus dias.
Pulhas. Minha vontade era de deixar uma pontinha da cortina se queimando, antes de sair.
Não voltar. Não voltar.
O tempo voa, as tardes não passam, e algumas pessoas tem a eternidade para definhar em sua própria mesquinhez.
Que pena que é assim.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Ligeiramente lento

Os minutos vão se empilhando, tais moscas numa praia de azametifo.
Eviscerou-se a gramática e entre o tic e o tac nasceu um hiato; séculos sucederam-se em silêncio, rios esquecidos transbordaram pelas barragens do presente. Pouco havia que eu pudesse fazer: esperar. Pouco adiantava esperar.
Céus, que exagero.

Para não

Para num ponto intransponível: relógio.
Sacolejam com o pouco vento que entra: cortinas.
Espera ansiosamente pelo momento de partir: eu.
Eu transfiro o olhar do relógio para as cortinas e de volta para o relógio.
A tarde não passa.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Ela

Ela era linda e eu ainda iria perceber isso. Um dia ela entrou na minha vida, e isso eu também não percebi na hora. Ficou num cantinho, com aquele olhar viajante, sem se preocupar nem esperar por nada. Levou tempo para que eu percebesse que ela esteve lá este tempo todo.
Outro dia eu a achei, ou ela me achou, e percebemo-nos de outras formas. Passos a mais foram dados; casamo-nos sob um belo sol poente, num templo natural que a peste agora se atreve a tocar. Mas aquele santuário será eterno. Em breve, habitaremos uma pequena bolha confortável, perto deste templo.
Ela entrou na minha vida e dela tomou parte para si; deu-me da sua a mim. Compartilhamos o pouco, o tudo, a falta - um do outro.
Ah, meu amigo, o amor existe e tudo que falei aqui traduz-se nele. Ele foi a resposta de cada dúvida que um dia eu tive.
Ela é linda - cada vez mais.
Me sinto feliz.


sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Poema oblíquo sobre a tarde que pretendia ser chuvosa e que ainda tem tempo para isso

O gato saltou no vácuo
Buscava uma borboleta a mil'asas
Almejava mostrar-se ao solo
Que invejaria sua capacidade de voar por breves períodos

O gato mirou o helicóptero
Que vigiava mil casas
Olhou de longe, gaiato, o gato
Dizendo 'te vás, que aqui não és quisto'
Mas ele, na verdade, invejava a capacidade que o helicóptero tinha de voar por longos períodos

Mas ei, uma explosão!
O helicóptero cai, sem vida - opa! ele já não era sem vida antes, tipo objeto inanimado?
O gato salta, assustado solta miado
- Crédo!, traduzir-se-lo-ia para a língua dos humanos, tipo aqueles que pilotavam o helicóptero; ah, eram eles que tinham vida e agora deixaram de ter, né?
É.
Enfim, o gato salta e cai, de novo, no chão, sem conseguir escapar da fatal explosão que lhe oblitera o frágil, ex-ágil e recém morto corpo
E o chão, ali, quietinho, sem invejar ninguém.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Movimento

Arejar e refazer.
Ouvir. Torcer para que esta ainda seja a penúltima vez.
Passos largos.
Mover-se sem agredir ao chão que pisa.
Aceitar-se no fluxo mutante de tudo que varia ao teu redor.
Movimento é algo sobre estar vivo.

terça-feira, 30 de julho de 2013

KISS

Aqui estou eu, com muitos pensamentos por segundo, tentando entender o que se passa neste receptáculo.

Lendo essa frase parece tão incoerente tentar entender os outros, mesmo assim, de tempos em tempos, essa fome reaparece.

Todos os dias olhando para trás, tentando coletar dentre os inúmeros dias os que tiveram algum acontecimento que pudesse dizer quem sou.

Tantos anos aqui como um coletivo e ainda corremos atrás do próprio rabo.

Joseph Stalin, Friedrich Nietzsche, Karl Marx, Platão, Sócrates, Adolf Hitler, Max Weber...

Algumas dentre as muitas figuras mundialmente conhecidas. Pra que entendê-los? Precisamos dos seus pensamentos pra viver? Podemos nos agarrar a um ideal?

A Wikipedia me diz que existem mais de 4 milhões de artigos. Precisamos disso?

Quantas palavras, quantos significados diferentes para a mesma palavra. Precisamos disso?


E aqui estou eu, pensando como poderia continuar ou até concluir este texto, pois assim fui ensinado a fazer, mas a única palavra que me bate repetidamente é: simplicidade.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Escrever por escrever...

Escrever já foi uma tarefa mais fácil. Bem mais fácil.
Veja bem, pois eu falei escrever, e não escrever bem. Há uma grande diferença entre estas duas coisas.
Agora, por exemplo, apenas escrevo. Por escrever. Para ver o que consigo fazer. Para ver se ainda consigo me expressar.
Sem me preocupar com o que o Elias vai achar quando eu mandar o texto pra ele, pois é quase certo que vou fazer isso.
E também... porque fiquei com raiva de mim mesmo, depois de ter escrito mais de 20 vezes, contadinhas, a mesma linha, tentando, inutilmente, falar sobre minhas decepções com algumas dessas pessoas que chamamos de amigos. Mas não, não vou falar delas agora. Isso, e todo o resto que pensei, será dito noutra ocasião.
Já que comecei esse texto somente para escrever, é isso que farei. Vou escrever para mim mesmo, e postar naquele blog meio abandonado onde sempre coloco meus clichês, e onde muitas vezes vou, na esperança de matar aquela fome que tem dentro da minha cabeça, procurar por qualquer texto novo, qualquer coisa que me traga de volta os tempos (nem tão) antigos. Tempos onde os textos e as histórias surgiam no trabalho, nas conversas, no barzinho perto da faculdade, que na época era muito mais legal, ou só era melhor frequentado, ou ainda, e sempre considero essa possibilidade, quem tenha mudado seja eu, e seja a falta de pessoas que sejam marcantes em minha vida, que faça daquele barzinho um lugar tão mais simples e sem aquele calor dos tempos antigos.
Mas não me entenda mal, ainda há amigos lá, muitos deles, alguns muito bons. O que não há, ao menos para mim, é alguém que me sirva como fonte de inspiração. Não necessariamente uma paixão, antes que seja interpretado dessa forma, mas alguém que me incentive a fazer algo novo, algo que eu goste ou admire, mas não faça por qualquer motivo idiota.
De épocas em épocas há alguém assim, sabe?
Não que essas pessoas vão embora, até porque acho que nem tem como ir. Depois do que fazem, chegam a se tornar uma parte de ti mesmo, ou tu delas, não sei bem. O fato é que elas ficam. E todas as (inclusive pequenas) coisas que a gente faz, tem toques daquelas gentes, de sentimentos daquelas gentes, do gostinho que elas deixaram na vida.
Os pequenos toques que deixo até neste texto.
E por que eu falei de tudo isso? Porque é assim que minha cabeça funciona. Eu misturo as coisas em um fluxo inconstante e atemporal, onde o passado, o presente e o futuro se misturam, e universos paralelos são criados. Onde eu, parado atrás de mim mesmo, me vejo escrevendo.
E voltando pra ler tudo que escrevi, até que escrevi bastante sobre minha incapacidade de escrever.
Acho que tenho que ficar mais vezes com raiva, ou escutar algum tipo de música que me inspire a escrever, ou só cuspir as coisas sem me preocupar em estabelecer uma conexão entre tudo, exatamente como fiz aqui.
E aí poderei ser um escritor melhor, ou pior, ou só um escritor.
Alguém que sabe colocar palavras em ordem, para que elas façam sentido, e que no final, todos entendam que tudo acerola.
Ou não.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Sobre olhar pela janela

Queria saber lidar com essa sensação de esmagamento que fica após algumas coisas; ouvir uma música mais bonita do que deveria, olhar pela janela e ver as árvores desfolhadas sendo vigiadas pelo sol escondidinho atrás do morro lá longe, estar aqui vendo isso e pensar num lugar distante, numa pessoa que agora caminha n'outra direção. Ah, isso me deixa um rastro no espírito, abre sulcos, ara-me a alma. Não, não condeno esta sensação e nem pretendo dela me desfazer. Na verdade, tento extrair daí algo de bom, germinar alguma ideia sobre a vida, sobre amor, sobre sentir e estar aqui num momento improvável e quase que inaceitável. Tento aprender e quase consigo, consigo balbuciar alguma coisa. Pensar é mais fácil que escrever; escrito se lê, tal pensamento é ilegível. Vai ver por isso tenho tanta dificuldade em traduzir o que essa mente me conta, me revela nesse céu que ficou tão bonito depois que abriram essa persiana, tirana, que ainda voltará a me esconder essa mesma paisagem que se recorta agora a minha frente. A mesma, mesma, não. Aquela é a árvore que eu vi ontem, suponho, mas apenas isso: suposição. Ah, quantas folhas perdi de ontem pra hoje? Aliás, quando foi ontem, para ela? Ah, como eu queria saber lidar com essa sensação de transição infinita, eterna transformação, que vinga numa falha tentativa de interpretar o que eu vejo daqui para lá. Como dizer o que ocorre? Como cuspir essa percepção que nem bem consigo compreender? Talvez eu devesse tentar um poema.

Sobre algo em que eu deveria ter pensado

Eu entrei em acordo com alguma entidade que controla os dedos dessa mão que aqui escreve; num acordo sobre achar que a vida ainda não me foi explicada. É um acordo antigo, este, sacramentado há tempos em escrituras profanas - que de sagradas já estou farto. Enfim, mesmo este acordo sendo tão antigo, e as coisas antigas tendem a serem deixadas de lado, sabe-se lá porque, bem, as vezes me pego a revisá-lo, a fim compreender seus pormenores. Começo, as vezes, a pensar sobre a manifestação física da minha pessoa. Minha?
Seria eu apenas um veículo? E ainda, sendo apenas parte de uma ferramenta, homem-ferramenta, qual parte é minha, sou eu, e o que veio do além, veio controlar essa estranha máquina que eu ouso chamar de lar? Será que foi um empréstimo, um contrato de aluguel, uma ocupação, uma visita sem convite, como foi que se chegou a conclusão de que algo ou alguém deveria habitar esse composto de carne, cartilagens e entranhas, essa casca que envolve... envolve o quê, mesmo? Não sei como é o centro do meu mundo, do meu ser. Conheço apenas essa forma barriguda, este corpo celeste mundano, que vagueia e cantarola por calçadas acidentadas, terreno insaturado; que troca de pele e muda de forma: pouco a pouco. Qual é o propósito - e será de propósito? - em tratar este filhote de hipopótamo, que ocupa tanto espaço? É curioso pensar em si mesmo como um livro não lido, uma carta num envelope fechado.
Ouvi há pouco uma música que falava sobre um navio de tolos, e me senti navegando em algo semelhante. Prefiro, na verdade, traduzir como ingênuo. Implica inocência. Mas pensando bem, talvez isso revele alguma neglicência, ao concluir que posso ser culpado da minha própria inocência, em não descobrir explicações para as confusas ideias que transitam entre o início e o fim destas questões: quais eram mesmo? Eis uma delas:
Sobre isso que aqui escrevo, serei apenas cúmplice ou culpado?


sábado, 20 de julho de 2013

Ah!

Se eu pudesse retroceder...
E então, ceder.
E aí, se dar.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Diga ao povo que fico

A minha rotina insignificante tem um tênue agravante: estou ciente de ser corriqueiro ao extremo, extraordinariamente mediano. Sou cúmplice meu, nessa cuidadosamente neglicenciada vivência, no me entregar de lambuja ao passar das horas, que cravejam dias a mais debaixo das minhas pálpebras. Sou culpado não por parar, mas por permanecer.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Insana e Insone Seguia Sem Guia

Ora, eu tenho desde o dia em que, inesperadamente, pelo menos para mim, que nesse ocorrido sou dos mais inocentes, nasci, uma alma de ser humano, pois a única possibilidade de alma é a humana, isso aprendi anos depois do mesmo dia ao qual me referi há pouco. Pois tendo essa tal alma e sendo, talvez por obrigatoriedade, humano, coube a mim uma responsabilidade intransferível, o papel de negociador entre um corpo de carne, uma mente de animal e uma suposta consciência de ser humano.
Ao ser-me transferida, ou informada, de forma não devidamente instrutiva, esta incubência, em momento algum foi esclarecido qual destas três partes eu deveria chamar de guia. Também não pude descobrir, fosse por leitura de escrituras sacras, ou por descoberta própria, qual destas três partes era eu, se é que era alguma delas, se é que eu era alguma coisa.
Pois, analisemos a relação do suposto eu com cada um.
Ao meu corpo não sabia dominar em funções, em forças, em resistências, senão debilmente. Não tínhamos a afinidade própria de quem foi concebido em conjunto, de quem foi feito para conviver em harmonia. Fiz e faço uso dele, instrumento que é para as básicas tarefas e subordinações das quais aprendi a depender. Porém, falta nesta relação algum alcance, a capacidade do meu corpo levar-me a lugares que outras partes de mim desejam ver, ter, penetrar. Não pode ser este, portanto, a responder pelo meu eu.
À minha mente não sabia controlar e direcionar em ímpetos, vontades e desejos. As satisfações de que necessitava, conquanto as tentasse obter com o uso do corpo, não as obtinha de todo, e nisso faltava a mim ser um apenas com a suposta mente. Servia-me, ainda que não de forma totalmente precisa ou incontestável, para me informar sobre o entorno em que me encontrava em dados momentos em que a minha consciência pudesse estar desperta.
Eis, então, que falo aqui sobre a terceira das partes que julguei existirem compondo o meu ser. Ora, esta foi, durante muito tempo, aquela que pensei devesse ser a ponta onde se encontrava a tal alma de que há muito falei aqui, por mais difícil que fosse separar ou pensar separadamente sobre ela e a mente de que falei antes. Pois no raio que explode um pensamento dentro da cabeça de um ser humano, ou seja, parte de seu corpo de carne que vive e morre, tomaria papel nesta explosão uma mente que sente e reflete o que ocorre em volta deste corpo, e combusta esta e outras percepções num suposto pensamento que ocorre então num ponto imperceptível da mente e que vem, agora ou depois, se é que vem, a ser recordado, interpretado, em vezes negado, pela consciência, que habita um lugar que não sei dizer qual é, se é que habita, e pela qual passam apenas algumas das sensações, ideias ou percepções da mente, ou interpretações feitas a partir do que recebe o corpo, também são poucos que são pegos pela consciência. Pois, incapaz que é a suposta consciência de estar ciente do que ocorre a meu corpo, minha mente, acima de tudo, a mim, seria ela então mais uma impossível eleita para chamar-se de eu. 
Posto que não me encontro, pelo menos não de forma garantida e aceitável, em nenhuma destas três partes, que não sei se deveriam ser contadas em três, se é que deveriam ser contadas, caminho então em direção a uma questão que vem a ser a impossibilidade de reconhecer-se-me caso tivesse a oportunidade. Ora, nunca tendo visto antes o seu reflexo, qual animal, ao entrar numa casa de espelhos, saberia que aquelas lá são diversas cópias suas?
Ora, falo em animal pensando, e isso faço por ser mais que meramente um deles, pensando, pois, em que existem animais que não são humanos e animais que são humanos, e qual me foi ensinada a diferença entre estes dois? Supostamente uns, nós, teríamos a nossa consciência, n'outra explicação a razão, raciocínio, digo, e, n'outra ainda, pasmo, uma alma. Pois, cheguei por conta de reflexões que, pela própria forma de chamá-las percebe-se, não passam de resultados de ideias que foram atirados pra dentro desta cabeça, ou mente, ou consciência que eu julgo ter, cheguei há pouco a conclusão de que não me encontro plenamente em nenhuma das partes definidas para o meu ser humano habitar, ou o espaço que me deram para ser humano.
Dentre alma, mente, consciência ou capacidade racional, pouco se elucida neste simples ato de tentar entrar em algum canto do cérebro, único lugar onde isso tudo pode existir, se é que existe, abrir uma janela, uma fresta que seja e iluminar, arejar um pouco esse lugar tão peculiar que trazemos para lá e para cá. Sequer consigo chegar a um culpado pelo fracasso nas relações de raciocínio e conclusões espirituais que almejava um dia, quando aqui comecei a escrever. E eu que sou, que não consigo chegar onde queria ir?

terça-feira, 9 de julho de 2013

Assim como...

Eu sentei, bebi uma ou duas doses.
Esqueci o que eu tanto queria dizer.
Assim como, talvez, não poderei ter opinião daqui pra frente.
Assim como não poderei não gostar de gatos, bacon, cachorros...
Não poderei mais ser heterossexual, pois seria proibido e estaria ofendendo a quem não fosse. Assim como não posso pensar que talvez deus não exista ou está morto... pois estarei ofendendo a quem acredite.
Ironicamente tudo que nunca tive foi intenção de ofender. Você também não teve... eu sei. Ou penso saber.
Nunca tive intenção, assim como nunca me imaginei frio. Frio é o vazio. Eu não sou o vazio, apenas vim dele.
Aí alguns que acreditam em deus me falaram que o mundo está ruim porque satanás está no 'poder'. O vosso orifício está no poder.
Acho que a alta valorização da miséria é que está no poder.
Há uma campanha de ódio meu amigo... Mais uma.
Mas não é o ódio pelo inimigo. É o ódio de você contra mim e de eu contra você.
O ódio que alimenta a certeza, que faz você se voltar contra mim, por eu não tê-la...

Não sei mais o que escrever... faz tanto tempo que não escrevo.
E eis que a cana continua sendo doce.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Somos todos em mim

-- III --

  Percebi, antes dos demais, o que estava acontecendo, no momento em que finalmente parei. E nós, que me seguiam, pudemos ver meus ombros relaxarem, as mãos abrirem, enquanto eu desabava de joelhos no chão. Ficamos todos ali, parados, aguardando que me levantasse, esperando que mais uma vez me erguesse com a perna esquerda, como tantas vezes o fizera.
  Mas não desta vez.
  Observamos atentamente, todos nós, enquanto minhas mãos deslizavam até os coldres e sacavam os antigos revólveres - um para mim, um para o outro, dissera o mais velho - e, após um breve movimento do olhar entre as armas e o horizonte, jogavam ambos ao chão, levantando pequenas nuvens de poeira, sinais a serem levadas pelo vento para algum lugar distante.
  Mas o vento de repente parou, percebemos todos menos eu, que com o olhar muito além do que era visível, desfiz-me também da adaga que, já com marcas de ferrugem, carregava em minha cintura.
  Queria que me deixassem só por um momento, queria parar e finalmente descansar, deitar-me ali e aguardar o que quer que viesse em seguida, o fim, o começo, o infinito, o vazio.
  E assim me permiti tombar, sem que pudéssemos impedir, sem me proteger sequer do impacto no chão duro e seco do deserto, sentindo o gosto salgado da poeira, do sangue.
  Declarei, assim, a derrota.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Povo em Pé


   O tempo decorrido deixou ali a farta bandeja de frutos copiosamente cultivados. Foi necessário plantar, adubar, prover. Sobretudo soterrar. Ao findar os questionamentos sobrou espaço para a contemplação e dentre outros ali estava o fruto da meia-alma. 
   Foi trabalhando que teve a epifania: a outra - e nova - metade da alma lhe dizia que bastava um olhar diferente. Pois bem, como poderia antes ter visto um mesmo aspecto sob duas formas se possuía apenas um olho? 
   Agora anseia por ver além das sombras alegóricas de Platão. A resposta está nas profundezas, sugere a intrigante carta xamânica.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Uma estranha dança se desenvolve entre as peças nos quadrados pretos contra os brancos

Há pouco eu fui convidado
Para o baile do certo ou errado
Mas não poderei comparecer;
Ora, ainda tenho as minhas dúvidas

terça-feira, 14 de maio de 2013

Sois

Traço de pincel sutil
Extrato da infinita astúcia dos deuses
Sois ciência e arte de um poeta ausente
Somos chaminés de aroma pão-de-ló
Cumes enevoados de montanhas que não choram
Sois vós tesouro sem dono
A metade de um caminho sem fim

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Atítulo

Um dia, numa conversa sobre nada, tu percebe uma verdade pontiaguda. O caso é: perceber que uma década, década, aquela medida de anos que a gente ouvia dizer-se de coisas demoradas, de pessoas que viveram bastante e que jogam essa medida na nossa cara e pesa mais que um coturno, enfim, uma década passou desde o dia em que tu, no caso eu, com seus incontáveis quinze anos de idade decide que já é crescido o suficiente para contrariar quase tudo que queiram ensinar, recusar conselho e palpite; o dia em que tu sabe que sabe das coisas e que qualquer crítica que vier é porque te subestimaram ou interpretaram errado. Dez anos passaram, se foram.
Dez anos com aquela miopia de todo dia, anos de ouvir música velha e de esperar pel'outro dia.
Tu percebe que naquela época não conseguia se imaginar com vinte e cinco, e de repente ter vinte e cinco é tão real quanto pensar que falta décadas pra chegar nos trinta e cinco, e tu ainda nem te acostumou com vinte e dois.
[...] aqui, acabei desistindo de chegar a algum lugar com um raciocínio que eu não sabia bem que estava fazendo. Quando parei pra pensar, cometi um erro e perdi o fio; de qualquer forma, escrito está o que eu pude escrever, pois ousei palavrear.
Talvez em breve eu continue a falar sobre isso sem saber, num outro texto qualquer sob algum outro pretexto.
Que chegue logo o dia em que meus pensamentos não esconderão mais as minhas ideias.

domingo, 5 de maio de 2013

Teach me...

...tell me, will I live forever?

terça-feira, 23 de abril de 2013

Pois

    Tempos faz que não sou tomado de assalto, vitimado por aquela agressão que atropela o sujeito que sente e que sabe; que joga ao chão o ser vivente; arranca carne; ceifa razão. Tempos foram em que me vi de abrir braços frente a ataques repentinos nunca explicados.
    Há tempos que palavreio e que no palavrear me perco; mergulho no que digo e no que não digo volto a superfície turbulenta que tanto quis exilar.
    Há poucos que sei dizer me entendem, há pouco eu diria entender.
    Que gosto bom tem lembrar de uma ideia que só se viu passar; colhê-la de volta nos teus braços, sentir o peso que tu mesmo nela cresceu.
    O que já interpretei como fuga, hoje descobri uma descoberta:
    Entupir as narinas e rasgar a pele; chafurdar nos pensamentos desordenados e abrir os olhos encharcados de novidade, condenados a perder um mundo inteiro no seu próximo piscar. Sair, pois, a saracotear.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Que se cumpram os propósitos.
Que se atendam os anúncios.
Que expressem apenas por expressar.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Inotória notícia

No cardápio de quinta passada, um prato refinado: metáfora existencial. Mas o cozinheiro, com bloqueio criativo, se esqueceu de pôr o sal.

Os poemas tinham um aspecto indigesto e negativo. Estavam visivelmente contaminados, sendo rimados só com verbos no infinitivo.

Hoje pela manhã, um pouco antes das onze, dois sujeitos ocultos foram verificar uma denúncia. Clientes do estabelecimento tiveram problemas digestivos e verborragia catatônica, depois de um jantar suspeito por ali. Descobriu-se que a eles foram servidas sentenças com alta concentração de pleonasmos e gerúndios, tudo mal cozido e temperado.

Descobriu-se na investigação que o estabelecimento estava com a licença poética vencida; foi, portanto, fechado para revisão ortográfica e o responsável foi encaminhado para reabilitação.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Um conto sobre vingança ou inveja narrado de um ponto de vista pouco expositivo

- Pássaro Saulo! O que você fez? Ave avarenta! Não voará outra vez!

Bilada

O tecelão na teia que ele teceu;
Alguns cães nunca conseguem morder o próprio rabo;
Outros se engasgam com ele.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

New Rose

  Em seu refúgio, Rosa abriu os olhos e percebeu que, mais uma vez, adormecera tendo consigo sua jóia. Bendizia a sorte, que lhe dera tanta fortuna, entretanto, não conseguia ignorar tamanha ironia. Justo ela que andava desacreditada destas riquezas fora agraciada com algo tão raro e especial! Sentia-se feliz! Muito feliz!

   No passado, Rosa perseguira em sonhos os passos do Andarilho. Mas somente em sonhos, visto que a realidade lhe impusera raízes em um jardim (naquele tempo, ao menos, era assim que ela acreditava ser). Tudo o que almejava era dissipar aquela névoa cinzenta que insistia em ocultar a primavera sempre que o Andarilho parecia finalmente sentir-se bem, sentado em um dos bancos em meio às flores. E mesmo empenhando toda sua força e coragem, a nebulosidade sempre se refazia e os espinhos, por gostarem desse tipo de clima, surgiam mais e mais.

   Naquele tempo, mesmo diante do Espelho, Rosa era incapaz de ver a si mesma pois ainda tinha seus olhos vendados.
   O Espelho notara que Rosa era diferente dos demais. Não se deixava hipnotizar pela própria imagem refletida. Mas também não parecia se deixar alegrar pelo brilho do Espelho que sorria para ela; pelo contrário, rumava cada vez mais ao Abismo de Submissão. Intrigado, suspirava pensando na conduta do Andarilho que descuidara dos passos de Rosa: "Ah, se eu tivesse ao menos a metade de uma flor! Meu zelo e meus carinhos se devotariam à ela! Estaria eu errado por pensar assim?".

   Cotidiano ria os observando perdidos naquela ilusão.Tudo não passava de um circo armado por ele e seu amigo Destino, para que Rosa e o Espelho fossem incapazes de ver um aos olhos do outro. Os olhos refletem a alma e se isso ocorresse, reconheceriam de imediato o motivo pelo qual sabiam em seu âmago que já haviam estado frente a frente em outro lugar, muito tempo antes.

   Hoje Rosa sabe que não eram suas raízes que a mantinham naquele sonho confuso, mas a Megera que a puxava pelos pés e lhe aprisionava o andar. Descobriu que a escuridão almejada pela Megera nada mais era que a ausência de luz nas retinas de quem se apega às vendas de Cotidiano e assim, deixou pra trás as sombras, fazendo com que o "sem-fim" da história da Megera fosse o próprio final de sua história em comum. Agora, sonha desperta. Em seu coração permeia a certeza e em seu relicário a jóia brilha como nunca.

   Dia destes, Rosa volveu seus olhos para o interior da jóia e ali teve uma agradável surpresa! Como em um sonho bom a jóia lhe mostrava o desabrochar futuro de um de seus botões. No futuro, Rosa teria como companheira uma Rosinha. Suspirou e agradeceu, em paz. No amor, Rosa encontrou resposta e da resposta Rosa fez seu caminho.

Inexistente!

Para a pessoa que teve a maravilhosa ideia de mudar o fundo do blog:

Sinta-se abraçada.

*-*

terça-feira, 2 de abril de 2013

E aprendo e esqueço mais uma vez; que as coisas não são as mesmas por mais de um instante.

sexta-feira, 22 de março de 2013

DECLARAÇÃO

Declaro aqui que, escolhida por mim, a palavra graficamente mais simpática é a palavra ovo. Isto enquanto escrita somente com letras minúsculas.
Contemple a beleza desta união de letras:
ovo
ovo


ovo

terça-feira, 19 de março de 2013

¡Y volvió la mala suerte! (Onomatopéias)

Internauta (lendo): "Parabéns! Por ser a milésima pessoa a acessar esta página, você acaba de ganhar R$1.000,00!?!?! Não é golpe, clique aqui!?!"

Mouse: "Click."

Internauta: "Caraca! Finalmente um pouco de sorte!"

Cooler: "Vvvvvuuuuusssshhhhh..."

Caixas de som: "TCHAN!"

Alerta do Windows: "Deseja executar o arquivo Suerte.exe?"

Mouse: "Click."

Caixas de som: "TCHAN!"

Alerta do Windows: "Ocorreu um erro fatal e seu computador será reiniciado."

Carinha em frente à uma tela vazia do notebook (desolado, já não é um internauta): "Droga! Logo agora que eu ia pegar meu prêmio, a má sorte desligou meu computador!"

sexta-feira, 15 de março de 2013

Sweet

A vida não é fácil, você me diz.
Eu sei, é difícil assumir seus erros, conviver aceitando quem você pensa que é.
Eu sei, não adianta tentar imaginar os que as pessoas pensam de ti, isso não agrega nada.
É, nós temos o dom de complicar tudo.


Mas tenho certeza que concordamos em algo. Como é bom perceber que, mesmo com todo o seu lado falho de ser humano, existe uma pessoa que acredita em ti.
Aquela pessoa que acorda todos os dias, ao teu lado, te enchendo de carinho, te amando incondicionalmente.

E como é bom poder devolver todos os sentimentos, acreditar em alguém, saber que não importa quantos momentos ruins apareçam, tudo vai ficar bem.

Oh, enfim um pouco de paz nessa jornada. Agora não parece tão idiota ter acreditado que essa pessoa existia, não é meu caro?







Aposto que concordamos, que se você encontrou essa pessoa, não vai deixar ela escapar :)

quarta-feira, 13 de março de 2013

Epitáfio

   - É que, dentro da linha de comportamento do homem que eu quero ser, eu tento ser melhor a cada dia. Estou falando de uma maneira meio enrolada, né? Mas o que eu quero dizer é o seguinte: se não o fiz antes, tive meus motivos para isso, causados pelas outras pessoas, é claro! Apenas não gostaria de entrar nesse mérito agora. Mas posso garantir que eu queria ter estado presente, abraçado meu pai, ouvido minha mãe. Queria ter dado mais atenção aos amigos. Queria ter atravessado a rua e dado um beijo nela, afinal, era seu aniversário, hoje sei que o coração dela ainda dói quando lembra que eu simplesmente sumi. Queria ter entendido desde a primeira explicação porque era tão difícil e ter sido compreensivo, e ter entendido que as pessoas me amavam e queriam meu melhor. Meu plano era falar com todos a respeito, voltar a ser o que eu era quando saí da infância, voltar a ter aquela inocência entusiasmada que podia mover o mundo. Queria assumir compromissos. Pode perguntar para o Zé, eu até comentei isso com ele! Assim que tudo voltasse ao normal eu iria dar o devido valor à tudo. Agora eu aprendi muito sobre a vida e tenho a intenção de fazer tudo direito daqui pra frente.

   - Legal!

   E essa foi a única palavra dita pelo Diabo, antes de arrastá-lo para o inferno.

segunda-feira, 11 de março de 2013

O MACACO ASTRAL MANIFESTA
É cedo demais. É cedo demais. É cedo demais.
Quebra, se quebra, cola, corta, monta
Se muda, se acerta, cabeça já tonta
É tarde demais. É tarde demais. É tarde demais.
O MACACO ASTRAL MANIFESTA

sexta-feira, 8 de março de 2013

Sabedorias de ônibus

Início da tarde do início de uma semana difícil. Caminhou até o balcão de atendimento e comprou sua passagem, marcada para as 13 horas e 30 minutos.
Entrou no ônibus quase vazio e sentou-se nos primeiros assentos. Assim como os outros passageiros que, vendo os bancos preferenciais disponíveis, ajeitaram ali seus traseiros.
Indisposta em função da gripe, desejou estar enrolada nas cobertas, atirada em algum quanto qualquer, lendo algo qualquer, enquanto enchia a boca com dezenas de pastilhas pra garganta. Mas, atendendo a um pedido, aguentaria as dores de cabeça e esquecer-se-ia dos problemas que a deixaram pesada. Deveria ir até a amiga, uma das poucas a quem ainda mantinha a sensação do “sentir-se em casa”.
Esperou mais alguns minutos até que o motorista tomasse o volante.
Pouco antes de saírem da rodoviária, um senhor de uns setenta e poucos anos sobe às pressas. A garota faz sinal para levantar-se e ele sorri ao falar: - Não, minha jovem, fique quieta aí! Isso só faz eu me sentir mais velho do que já sou! Mas, tudo bem, irei sentar ao seu lado. Lhe farei companhia neste bonito passeio. 
E, sorrindo mais uma vez, o senhor da bengala e das feições simpáticas posiciona-se ao lado esquerdo daquela que, contra a vontade, ali estava.
Conversador, falou de sua vida. De como estava angustiado e ansioso para reencontrar a filha, e de como carregava consigo um pouco de receio também. Ela, em grande parte, apenas escutava, tentando ser gentil com aquele carismático senhor que, por breves instantes, lhe lembrava seu avô. Cheio de perguntas e de sabedorias da terceira idade. Gostaria de saber até onde ela iria, se visitaria o namorado e se alguém estaria à sua espera. – Mas como uma jovem tão bonita não tem namorado? – ele repetiu algumas vezes. – Tens que ter alguém a lhe esperar ali no ponto, certo? O sol está forte, irás se queimar!
- Obrigada, mas não se preocupe. Raramente me queimo. O mais provável é que eu passe da cor leite para o café! – Respondeu a garota, em tom alegre.
O senhor riu em resposta, e permaneceu alguns segundos em silêncio, até que virou-se novamente à ela e, desta vez em seriedade, deixou com que as palavras expelissem. – Qual o motivo da tristeza em seu olhar, menina?
Franzindo a testa, ela ofereceu uma das balas das quais estava a comer, e voltou-se ao seu silêncio enquanto aproximavam-se da parada.
- Bem, é isso, é aqui que me despeço. Foi um prazer conhecê-lo!
Ao virar-se para um adeus, o desconhecido senhor da bengala e das feições simpáticas pôs a mão em seu ombro e finalizou a fala de antes:
- Tem um coração muito bom, minha jovem. Não pelas balas, não me entendas errado, por favor! Tens muita luz aí. Deve ser por isso que não se queimas ao sol, já estás acostumada com ele dentro de ti. Não acredito que vá escutar um qualquer, mas lhe peço que não deixes ninguém mudar este coração.
Os olhos brilhavam e ela não conseguia exclamar mais nada. Apenas levantou o canto dos lábios e despediu-se.
- Mas as balas estavam muito saborosas! 
Ouviu ao pisar no acostamento e ter o amarelo invadindo seu rosto.
Nem tudo era motivo de mau humor, afinal. Sentia-se leve novamente.

segunda-feira, 4 de março de 2013

O MACACO ASTRAL RETORNA
Por entre a névoa de um momento olvidouro
Em frente à massa que claudica incrédula
Anunciando profecias há muito programadas
O MACACO ASTRAL RETORNA

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Cura


Acordada, em meio à noite, ouvia com atenção as sirenes lá fora. O sol irradiava desde as 7 da manhã, mas sua noite não terminaria tão cedo.

- Culpada! Culpada! - clamava o ruído agudo.
- Onde está o coração? Onde está o coração? - questionavam os enfermeiros, apiedados.

E se a cura estava com ela, porque ele simplesmente não vinha?
Bastava de avaliações médicas! Eram perfeitamente compatíveis! Ela doaria seu coração. Desde que ele viesse, o tomasse para si, e ponto final.

Tampou seus ouvidos e continuou esperando.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Give It All Back

De repente ele queria tudo de volta.
A paz, a alegria, o leve.
Queria ser livre. Pelo menos um pouco, sabe?
Livrar-se da diária promessa do repentino e doloroso fim.
Ser amado sem sentir-se injusto.
Não sentir dores nem sintomas.
Correr, sem ficar tonto, os riscos da falsa imortalidade.
Jamais sentir o coração errar um pulo.
Ser um pouquinho feliz, sabe?

Feliz de verdade.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Andarilho

   É necessário calar, repensar, replanejar. Respire fundo, contenha-se, não seja impiedosa. Espere um pouco mais, dê pérolas aos porcos, faça o que eu preciso. Ceda o ombro, o tempo e toda a sua paciência. Procure ver além, mesmo olhando para uma parede. Não banalize as coisas, acredite, não estou agindo errado, apenas fazendo diferente do que é certo.

   - E o que eu faço com estes espinhos?

   Dizendo estas palavras, Rosa abandonou seu jardim.

O espelho

         "Que belo!" - exclamavam diante dele. Intrigava-se mais e mais a cada vez que isso ocorria.
         Que triste sina tinha, estar diante dos demais e atrair olhares para si, porém, sendo incapazes de vê-lo, pois procuravam-no com o intuito de ver a si próprios, somente.
         E por refletí-los, absorvia tudo o que eram, tornava-se o outro. Estava ali o tempo todo, como um amigo abraçando quem estava no reflexo, mas nunca por tempo suficiente de não mais sentir-se sozinho. Não tinha escolha senão deixar que partissem, levando nas retinas seu brilho juntamente com a imagem refletida. Traiçoeiras retinas de brilho efêmero que por vezes lhe despertaram paixões e que por serem cegas, materiais e falsas levavam tudo de si deixando somente o vazio em troca.
         Por vezes lhe procuravam por ter em si resquícios da imagem do andarilho, que estivera um dia à sua frente. Deixava que se aproximassem na esperança de encontrá-lo, embora soubesse que do andarilho nada tinha, senão a lembrança.
         Do vazio que lhe deixavam ele se preenchia... até que decidiu não mais se importar, afastando-se das luzes para refletir somente a escuridão. E por estar vagando na escuridão adentrou sem perceber aos domínios de Dimensão Paralela, onde se quebrou ao chocar-se com uma fonte, dentro de um jardim.
         Desfeito em mil pedaços, fundiu-se com a água e pela primeira vez teve seus desejos ouvidos: "Queria que em meu brilho enxergassem valor. Queria ter ao menos a metade de uma flor!". E neste dia, imerso na fonte dos desejos, o espelho mudou sua sina. Tornou-se uma jóia, que foi encontrada por Rosa.

Rosa

      Rosa vagava pelo mundo com os olhos vendados. As vendas estavam ali desde que Cotidiano as colocara. Tinha a impressão de que foi logo após ter conhecido aquele belo rapaz chamado Discernimento, mas não tinha certeza, já havia se passado muito tempo.
      Embora não lembrasse da sensação de não tê-las, lhe causavam certa angústia. Estava acordada, era evidente! Os outros quatro sentidos lhe diziam que havia um mundo em movimento, talvez ao seu redor, talvez somente à sua frente. Não sabia dizer, já que por vezes cada parte de si lhe mostrava algo diferente.
      Por viver dentre os espinhos, suas pétalas que um dia foram sedosas e perfumadas estavam feias e machucadas. Rosa não acreditava que encontraria o lugar almejado, de terra fértil, macia e sem espinhos onde pudesse fixar seu caule. Talvez em decorrência das tantas luas oscilantes desde que vira pela última vez sua amiga Esperança, que lhe remetia às maravilhas daquele lugar.
      Tateava os muros mas não encontrava a saída. Até que, em um dia especialmente iluminado, os portões de um jardim secreto se abriram diante dela e nele Rosa encontrou a Maravilhosa Fonte dos Desejos a atender seus anseios: "Que caiam as vendas, e que Rosa veja o mundo!".
      Assim, Rosa enxergou a luz. E o clarão ofuscante pouco a pouco foi se transformando em curiosas figuras cercando aquele portal que a levaria até Dimensão Paralela. Naquele lugar, descobriu maravilhosos tesouros cercando uma jóia rara. E ao tocar a jóia lembrou como era sentir paz. E quiz para si a paz, a jóia e os tesouros.
      Ao esquecer suas angústias, pôde ver que o tempo não existia. Estava deliciosamente perdida entre os extremos princípio e fim e sua felicidade era tão plena que não podia ser abalada pelos velhos paradigmas. Nas mãos de       Rosa a jóia que até então se preenchia de vazio, transbordou com seu perfume. E por estarem preenchidas de paz e de perfume, ambas conheceram a plenitude, pois era tudo o que almejavam.
      Mas não há bem que sempre dure, assim diz o ditado. Ao olhar para a frente, Rosa viu despontar no horizonte a silhueta do andarilho. Ele adentrou o portal a passos largos e com o olhar nublado, como quem volta de longe trazendo em suas mãos mais espinhos. Vinha reivindicar as pétalas de Rosa que um dia macias perfumaram seu mundo, porém machucadas pelos espinhos que carregava já não podiam voltar ao jardim onde eram cultivadas. E de desespero, Rosa chorou. Na presença do andarilho sua jóia, agora tão bela e cheia de perfume, voltaria a se preencher de vazio.
      O portal e os portões se fecharam, Rosa sem a vendas foi arrastada de volta aos domínios de Cotidiano. Olhou para suas mãos e percebeu que além da jóia, carregara consigo também um questionamento: doar-se por amor! Assim sua mãe havia lhe ensinado. Mas será que doar-se por amor significava amar a jóia e a completar naquela plenitude? Ou abrir mão de seu amor próprio para entregá-lo ao andarilho e ao mundo que havia ao seu redor?
      Sim! Um mundo ao seu redor! Agora tinha certeza!
      Levantou-se do chão, sacudiu a poeira. Tendo em mãos sua jóia seguiu adiante sem medo. Não importava a direção do andarilho ou a quantidade de espinhos que trouxesse em suas mãos. Sua missão era inundar com seu perfume onde houvesse vazio. E onde há espinhos, não há vazio.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Chorar de Raiva


sábado, 16 de fevereiro de 2013

A raiva que dói no estômago


Em alguma língua, cliente deve significar inferno. Carniça. Porra. Merda. Certo, é injusto generalizar, mas os bons acabam pagando pelos ruins, já dizia minha mamãe. E lá no restaurante não era diferente. Meu estabelecimento nunca foi fino, na verdade, nem sei se é um restaurante, porque eu sirvo pratos à la carte mas sirvo lanches também, de dia e de noite. Mas sempre foi meu ganha pão, é honesto. Tento juntar uma boa qualidade com preço razoável, e tenho minha clientela. O pessoal do comércio aqui da rua vem comer aqui seguido, e isso seria muito bom não fosse o seu Evaristo.

Evaristo é corretor de imóveis, falso moralista, falso cristão. Desses que torram o saco com essas conversas de que "no meu tempo, as coisas não eram assim". Mas, caro amigo, sinto muito em lhe dizer, mas aquele tempo acabou. O tempo é agora. Evaristo Castro de Lima, ele tem o dom de ser irritante. Irrita com piadas inoportunas, comentários desnecessários sobre o tamanho de minha barba, sobre a cor do balcão. Era incrível que ele ainda era meu freguês, tamanhas eram as críticas ao meu estabelecimento, comida, preço. "Esse espaguete está crú, como sempre", diz o Evaristo. "Não está crú meu amigo, está al dente", respondo eu, toda santa vez. O que mais me irritava era o fato de depender do dinheiro de miseráveis como esse, eu não podia dizer o que pensava. Até porque o que eu pensava não envolvia palavras, mas sim os punhos. Um martelo, talvez. Ano após ano, o ranço daquele desaforo se instalou em minha ideia sobre aquele homem, e toda vez que ele entrava lá, era automático, meu estômago começava a doer.

Eu preferia ouvir gritos de pavor da minha própria mãe do que dar bom dia àquele verme miserável e mesquinho. Mas lá estava eu, de sorriso aberto, cumprimentando-o. "O de sempre, seu Evaristo?", eu perguntei. "E dá pra comer outra coisa? Acho que não...". Ah... imaginem uma faca, uma faca aguda, lentamente deslizando entre as camadas vivas daquele traste. "O senhor que manda, seu Evaristo". Então um dia eu tive um estalo. Acho que foi fadiga. Fadiga de tanto engolir merda daquela saca imunda de carne pútrida e asquerosa que ousam chamar de pessoa. Ou pior, de "seu". Depois de mais uma corriqueira reclamação do meu espaguete eu perguntei à ele: "Escuta aqui homem, tu acha que eu sou o que?" Evaristo mudou o semblante carrancudo para carrancudo surpreso. E eu segui: "Se tu acha tão ruim a minha comida, procure outro restaurante, faça você mesmo, ou pare de me encher o saco, tu não é obrigado a comer aqui". Nisso eu já me tremia de ódio, e então o sujeito conseguiu uma superação, uma evolução na sua própria repugnância. "Eu tenho preguiça de andar até o Bar Biroto, por isso me contento com esse grude". Evaristo atirou o dinheiro no balcão e saiu. Eu, entrei e vi o mundo ficar negro, e uma sensação de que meu estômago estava sendo trabalhado com um maçarico.

Passado esse episódio, um outro fato grotesco ocorreu no meu estabelecimento. O filho da Jurema, o Luan, de cinco anos, de vez em quando ia lá no restaurante. Como ele era gordinho, nunca reparamos na sua barriga. Mas vimos que ele andava jururu, sem ânimo. Num belo dia, aquele moleque desandou a vomitar lá atrás na cozinha. Corri pra ajudar e quase que eu pedi ajuda. O menino estava sofrendo de ascaridíase. E não teve buraco por onde não saiu lombriga daquele pobre coitado. Foi então que eu tive a mais brilhante ideia de toda minha vida. Às pressas, recolhi tudo aquilo, com a mão mesmo, e coloquei num pote, no congelador. Depois disso levei o guri para o hospital. Ele ficou bem. Minha esposa Clarice, que trabalhava comigo, parece que não só percebeu, mas adorou meu plano. E complementou: "Me aguarde mais uns dias, minha regra está por vir".

Eu estava ansioso, até que o grande dia chegou. Seu Evaristo veio comer, e de praxe, pediu o espaguete. Então eu falei que havia elaborado uma receita nova, pensando no que ele me dissera, e ofereci à ele. "Coma Evaristo, e como o senhor vai provar, não precisa me pagar. Apenas me diz se gosta." O homem ergueu as sobrancelhas e sorriu. Não prestou atenção à primeira parte, mas ouviu bem que era de graça. Fui ao congelador e peguei os dois potes, o de "espaguete" e o outro, com o "molho especial". Fervi de leve, afinal não tenho experiência no cozimento de ascaris lumbricoides, e temperei o molho com ervas finas. Uma pitada de sal. Nos escoramos no balcão, minha esposa e eu, e ficamos admirando nosso velho cliente se deliciar com o recheio das entranhas do pobre Luan. Ele demorou um pouco, deu umas três ou quatro garfadas. Clarice e eu caímos na gargalhada, e o homem ficou furioso por virar alvo de piada, e uma piada que ele não estava entendendo. Até que ele começou a olhar para o prato, e entender a situação, viu que aquele cheiro não era saudável. Meu estômago não doeu naquela hora. Meu coração bateu relaxado admirando a expressão de pavor e asco que dominou aquele homem, que agora parecia um bebê, de tanto que chorava e esperneava. Nunca limpei um vômito com tamanha felicidade. Agora vou sentar e esperar os processos, mas nisso vão-se anos até que se resolva algo. Mas não importa, o que importa é que eu fiz com que aquele crápula cometesse um ato canibal. Fiz um verme comer vermes.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O Nosso Clube

  "A partir do momento em que você recebe sua carteirinha do clube, você está sempre certo. Essa carteirinha é um pedaço de plástico, cabe no bolso da camisa; contém informações importantes, sua foto e seu nome, data de filiação e alguns ornamentos gráficos aqui e ali. Este artefato comprova que você é um membro do Clube dos Corretos, estando, então, sempre certo, tendo sempre razão e tendo acesso à piscina do clube, que está sempre cheia.
  Para ser um membro deste clube, que tem muitos mais membros do que se percebe, mais até do que se imagina, o que não tende a ser pouco, visto que se imagina muita coisa, e muita coisa pode ser muita gente, enfim, existem alguns requisitos, com variados níveis de exigência e complexidade. Primeiramente, é necessário estar sempre certo. Este é o mais simples, pois estar certo depende de poucas coisas e dentre elas não está, por razões óbvias, saber muita coisa. Sabendo muita coisa tende-se a estar, em algum fatídico momento, errado e estando-se uma vez errado nunca mais se pode estar sempre certo; em contrapartida, ao estar sempre certo nunca mais se está errado, portanto a filiação é perpétua, o que não é, de forma alguma, ruim, pois ao entrar para o clube você fez a coisa certa.
  O segundo requisito é um pouco mais trabalhoso, mas também não é difícil de ser cumprido. É necessário que o postulante tenha, em sua vida, formulado pelo menos três contundentes opiniões irrevogáveis, não importando muito sobre qual assunto. Não é exigida justificativa sobre a formação destas opiniões, nem sobre o ponto de vista que levou a elas, pois isto simplesmente não é necessário, visto que este requisito somente é avaliado após o cumprimento do primeiro, colocados nesta ordem por este motivo. Então o postulante está, nestas opiniões, pelas razões explicadas, obviamente correto, não cabendo qualquer avaliação posterior sobre o que ele pensa sobre os três assuntos citados - está certo, está certo, oras.
  Existia um terceiro requisito que deixou de ser avaliado, portanto não é mais de nosso interesse e não será citado aqui, cabendo apenas comentar que, segundo rumores, ele não estava certo, mas esses rumores não são nossos e estão errados. Sigamos para o quarto, que passou a ser o terceiro, o que está dentro da ordem prática das coisas, ou seja, corretíssimo. O quarto é requisito é: ter dinheiro. Para ser membro do clube logicamente é necessário contribuir financeiramente, pois tudo custa algo, normalmente dinheiro. Portanto há de se arcar com o custo da confecção da carteira, que é extremamente barata, e pagar a taxa de manutenção da piscina e charutos para as reuniões, que são extremamente caros, entre outros gastos menos relevantes e mais baratos.
  O quarto requisito, atualmente o último, exige competência e capacidade, demonstradas e testadas em entrevistas e práticas, para intervir veementemente nos atos e decisões de não-membros do clube, isso mesmo, os que provavelmente não estão sempre certos. Isso porque o Clube dos Corretos não é apenas um lugar para reunir quem tem razão, mas um instrumento de correção social, que age pelo bem dos menos certos. Que nem agradecem. Na verdade reclamam, o que é uma postura certamente esperada, mas que não abate nosso ânimo, pelo contrário.
  Uma dúvida comum entre quem não faz parte do clube, pessoas sobre as quais não há certeza sobre serem certas, é sobre possíveis discordâncias entre os membros. Pois, perguntam, se alguém vai a um grupo de pessoas julgando estar certo, não tendo combinado ou trocado verdades antes, a tendência quase inevitável é encontrar quem discorde e, dessa forma, romper a corrente de certeza do conjunto. Ora, este problema não existe, pois os membros aqui estão, em tudo que expressam ou manifestam, absolutamente corretos. Todos, claro. Não há, então, como discordar."
 
  Isto ouvia o mais novo associado no dia em que juntou-se ao Clube dos Corretos. Saulo, o velhote grisalho responsável por esta integração, falava pausadamente e sem nunca gaguejar. Enquanto explicava sobre a admissão e os posteriores testes, nos quais o novato certamente passou, estendeu a este um vidrinho com balas. Eram de funcho. Adão sentiu que viera ao lugar certo.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Uma vontade diária




















terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Platina


O bom e o ruim de ser um repórter como eu era estar sempre viajando. Eu tinha saudades de casa, mas ao mesmo tempo tinha a oportunidade de conhecer lugares que jamais sonharia, e ainda receber por isso. E quando digo conhecer, é no cerne da coisa, sem programas turísticos, sem guias. Era guiado pelo povo, tinha contato com eles, quase sempre uma grata experiência. É claro que sempre houve muita miséria, ainda mais no norte e nordeste do país, e eu me deparava com todo tipo de pedintes, ciganos, vendedores de artesanato, prostitutas, etc. No começo ficava comovido, principalmente com as crianças, mas depois aprendi a ignorar e criar uma carapaça pra me isolar deles.

Pois foi no interior de Belém, no estado do Pará, que eu encontrei o artesanato indígena mais peculiar de todos. Nas rotineiras viagens que o ofício exigia, não raramente ficávamos hospedados em espeluncas miseráveis, mas éramos bem recebidos. A equipe era formada por mim, o operador de câmera que atendia pela alcunha de Toco, e o nosso motorista, o Gilmar. Gilmar era o mais velho, e não tinha buraco nesse país que ele não conhecesse. Ele mesmo se dizia surpreso por ainda estar vivo, depois de ter se quebrado tantas vezes no trânsito. Por seu conhecimento rodoviário, Gilmar fazia o serviço de motoboy, buscava comida, bebida e qualquer outro passatempo que se usaria durante a estadia. O hotel, bom, chamar aquilo de hotel já é quase um exagero. Uma casa velha de madeira, com muito cupim, várias frestas no assoalho de tabuão, e paredes simples, com mata-junta. Por dentro era pintado de um rosa barato, e as aberturas azuis. Por fora era branco, com o mesmo padrão nas aberturas, e a fachada, "Hotel Tupinambá."

Tudo sairia conforme o normal, não fosse o fato de o Gilmar ter saído uma noite para se acabar nos braços da boemia, e não regressar até o dia claro. Não seria um absurdo, poderia estar num motel ou na casa de alguma mas liberal. Celular desligado. Poderia ter ficado sem bateria, é coisa que acontece. Mas aquelas horas viraram dias, e nosso amigo e colega não dava sinal de vida. Começamos então, o Toco e eu, a tentar refazer seu passos daquela noite. Não era difícil obter informações de um senhor grisalho de um metro e noventa e picas, magro, de pele clara e voz retumbante. Ainda mais no meio de maioria de pele escura e baixa estatura. Começamos a ficar realmente preocupados quando nos alertaram sobre com quem ele havia se envolvido. Provavelmente atrás de diversão sexual, haveria supostamente assediado uma índia jovem, descendente dos Tupinambá. As autoridades foram acionadas, e iniciou-se uma investigação sem muito afinco. Parecia que aquele homens, aqueles oficiais, também tinham medo dos Tupinambás. Cada vez mais angustiados e tristes, começamos a aceitar a ideia da morte do nosso colega.

De volta ao hotel, recebemos a sugestão de deixar o local, o mais rápido possível. Disseram-nos que deveríamos deixar aquilo para a polícia e a família do Gilmar, para nosso bem. E que provavelmente nosso amigo "estaria com eles agora, e lá ficaria". Na minha cabeça Gilmar fora obrigado a casar com a índia, ou foi por vontade própria. Se livrou das amarras da vida urbana cotidiana, e se embrenhou na pureza daquele povo, daquela selva. Entretanto, o semblante dos que lá viviam não dizia isso. Eles tinham um que de pavor, de repugnância. E unanimidade quanto ao silêncio. Não se devia perguntar, porque os Tupinambás não eram muito políticos, digamos.

Decidimos que partiríamos ao amanhecer. Fechariam seis dias desde o sumiço no Gilmar. E àquela noite foi impossível dormir, com tantos temores rondando minha cabeça. Foi então que o serviço de quarto nos ligou: Tupinambás estavam subindo e queriam falar conosco. Morri naquela hora, de pavor e angústia. Toco dormia profundamente, não achei justo acordá-lo. Com mil pensamentos terríveis me turvando as ideias, pensei que poderia precisar me defender. Ao revirar o quarto, para minha agradável surpresa, encontrei no fundo do roupeiro um martelo e um serrote. Alguém bateu à porta. Com minhas ferramentas feitas armas ao alcance da mão, abri vagarosamente a porta do quarto, para espiar a visita e tentar discernir suas reais intenções. Não queria mostrar hostilidade, para não despertar uma reação agressiva de nenhuma das partes. De tão nervoso, tinha os lábios e nariz dormentes.

Para meu alívio, havia uma velha índia e uma criança, que trazia um balaio. A velha calada me observava com desconfiança, enquanto a criança me oferecia peças ornamentais de seu artesanato local. Não eram exatamente belos, mas como a propaganda que me foi feita sobre aquele povo não era das melhores, não ousaria recusar a oferta, pelo preço que fosse. Segundo a criança, eram feitos de ossos de animais mortos que eles encontravam. E que aquela peça que ela me oferecia havia sido feita especialmente para nós, que não éramos dali. Perguntei o valor, e ela disse que era um presente, uma lembrança pra nós. Disse que nosso amigo "estava com eles agora", e que não precisaria me preocupar, ele "estava" lá por causa de sua inteligência e por ter causado admiração entre os Tupinambás. Ao ter em mãos o artesanato, o mais terrível sentimento quase me tirou a consciência e a sanidade. Suei frio e engoli seco, esboçando um sorriso falso, enquanto as índias iam embora. Era impressionante aquele artefato, feito de osso, e pintado com pigmentos naturais.

Mas o mais impressionante de tudo eram as marcas de dentes e os dois pinos de platina inseridos na peça.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O mal que incomoda o padre...

Eu não me importo. Nem um pouco.
Não me importo de celebrar o 'mal'. Quando é uma época em que o 'mal' só o é, em função de uma declaração do suposto 'bem' que afirma que quem é 'mau', faz maldade.

Não me importo em cultuar o 'mal'.

Uma vez que o 'mal' é tudo aquilo que te faz procurar a pergunta certa, antes da resposta pronta...

Uma vez que o 'mal' é aquilo que auxilia as pessoas na busca por iluminação.

Uma vez que o 'mal' despreza tudo o que caracteriza a totalidade, e as coisas absolutas que aprisionam o ser...

E mais uma vez ainda: o 'mal' que usa a mentira para revelar uma possível verdade. Como um artista...
E diferente do padre, que usa verdades para contar mentiras.

Me desculpe padre, mas eu não me importo nem um pouco em perturbar o senhor. Eu não quero saber da sua, única visão possível, através de um livro. Nada contra o livro, pois eles também são do 'mal', você sabe... você já queimou vários. E ainda falhou. Falhou ao enxergar sem ver...
Não tenho nada contra o "seu" livro. Ele, ao contrário do que você mente, é passível de várias interpretações e inclusive diz que quem usar ele para apenas uma visão, de viseira, in-visionária, já começa errando. Então, você está lutando contra o livro, mas em algum momento ele ganhará...
As palavras são os meios para a compreensão, e nas suas palavras, são o meio para a 'maldade'.

Porque meu amigo me disse, que "as palavras precisam fazer sentido na nossa mente..."

Então, padre, sim, eu faço 'maldade'. E eu não me importo em perturbar o senhor...

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

As pedras e os magos

São vários os motivos que podem levar um sujeito à loucura, nesta época. Um barulho incessante, um mendigo dançante, a tv bandeirantes... O zunido do telejornal das 7 que começa às 8, e as gracinhas sem graça da novela das 8 que começa às 9. É claro que tudo isso foi aprovado pelo Ministério da Saúde, e é óbvio também que o mesmo adverte para os males que tudo isso que ele aprovou, causa. Mas não falemos da causa... a causa não convém.

Acontece que as pedras, assim como os magos, nunca se atrasam, nem estão adiantadas... Elas estão precisamente no momento certo. E estão aqui há muito tempo. Algumas estão a pouco. Estão aqui desde um tempo que não podemos nem sequer imaginar, tal a sua magnificência numérica. Se é que podemos considerar o tempo como algo mensurável por nossas mentes pequenas.

Há quem irá desconsiderar tudo isso também, em função de um único ponto de vista. Fanáticos...

Depois de muito tempo, todas as pedras no caminho, e todo aquele que empurra sua própria pedra, colina acima, para seguir empurrando no outro dia, e no outro, e no outro... Olharão para elas e verão algo mais. Mais uma prova do feitiço que nos impulsiona nessa imensidão universal. E as pedras, ao invés de inimigas, se revelarão como sábias detentoras de pensamentos, algumas com um sorriso outras mais sérias mas não tanto. Afinal, não há nada de errado em celebrar uma vida simples.

Sobre Garoas

Mapa do tesouro; nada me trouxe
O ge pe ésse não funcionou
Nos búzios nenhuma resposta
A sorte do dia se repetia.
Nada solvia a questão proposta

Mapa do espelho; nada mostrava
O doutor não me ajudou
No tarô nenhuma outra pista
A sorte do dia se repetia
Nada alivia o ardume da vista

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Homem de negócios

Quero subir o degrau empreendedor. Ser dono. Quero ser dono de coisas e pessoas, quero fabricar muito, produção em alta.
Vou ter muitos escravos, sim, escravos, pois normalmente eles trabalham contra vontade por um valor injusto, em função do meu lucro. Preciso sobreviver no mercado.
Legal, na negação. Com a lei do meu lado, vou fazer eles comerem o lixo que eu fabrico por um preço especial. Claro que alguns pagarão com a vida. Mas quando o fogo aperta, a moral afrouxa e é aí que queimo os recursos do mundo, depois me viro e me escondo, porque a culpa não é minha, a culpa é do governo que deveria fiscalizar. A culpa é do sistema.

Ainda assim vão olhar para mim como o novo gênio. Percorrerei o caminho para o sucesso.

Sou o regulador cruel que fuma cigarro. Sou o que você quer e precisa ser, sou o grande irmão.
Sou o propagador do genocídio mas não sou culpado por ele, o sistema é que o é.

Sou dono da mentira estampada com o selo oficial.
Sou o único caminho possível.

Sou dono de uma multinacional.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O Cavalheiro das Cartas


Havia algo de doce na caixa de correio fincada no gramado da casa sem cerca em frente a padaria. As vezes, Sílvio chegava ali sem perceber para onde estava indo. De repente, mão abrindo a bolsa, notava a caixa vermelha, as velhas letras garrafais anunciando precariamente a utilidade daquela estrutura de metal, e sorria, ansiando bem de leve pelo momento de abri-la e ouvir o rangido que sempre acompanhava este momento. Parou em frente a ela e, supreso com algum sentimento de frustração, notou que nada havia para entregar ali, desta vez.
- Hm...
Há tempos que isto não acontecia. Pensando, agora, percebeu que tinha alguma correspondência para aquela casa todo dia e era isso que lhe dava aquela sensação doce de chegar ali. Ora, para um homem que vagueia tanto por ruas e casinhas indistintas é natural sentir certo regozijo em rever um lugar do qual se lembra de outras manhãs; aquele C, intacto em meio as outras letras quase completamente comidas pela ferrugem, lhe acolhia com um calor inesperado.
Ainda estava parado em frente a caixa, esperando algum motivo para abri-la, e seu pensamento caminhava numa direção que ainda não havia seguido: o quão inusitado era, nos dias de hoje, uma pessoa receber correspondências todos os dias! E, não que ficasse bisbilhotando, mas acabara notando que não eram as tradicionais cobranças e propagandas, porém cartas escritas por pessoas, pessoas que queriam se comunicar com alguém que morava naquela casa branca em frente a padaria. Não com um alguém; sabia muito bem como ela se chamava, afinal, as vezes depositava os envelopes com o destinatário virado para cima e, sem querer aqui, nem ali, acabara adivinhando o nome do ser vivente: Leila, como a moça de quem gostara no colégio e que foi morar no Alagoas, onde concluiu o segundo grau.
De qualquer forma, comunicar-se por carta é um hábito louvável, de singela beleza, acreditava Sílvio, otimista; ele, que pegava tantas cartas nas mãos, nenhuma para si. Ele, Sílvio, carteiro há 4 anos, nunca recebera um obrigado por entregar a correspondência tão bem entregue. Não costumava pensar nisso, nem esperar que lhe agradecessem, mas... ele agradecia a moça da padaria, quando ela lhe alcançava um copo de suco de goiaba ou uma taça de café com leite sem açúcar!
“Sou um agente invisível”, pensou. “Não um profeta, mas um carteiro. Os outros falam através de mim, mas eu não sei o que dizem, e o narigudo do telejornal transmite as notícias mas ele também as escuta e eu, eu não sei de nada, eu conheço a carta pelo lado de fora, se é verdade ou mentira eu não sei, não sei dizer, sei que ela não estaria ali sem mim, alguém tinha que entregar, trazer até onde deve chegar e sou eu que faço isso, sou eu, o Sílvio, aquele que entrega cartas pra viver, não por gosto nem por esporte, nem pelo benefício da caminhada e de uma vida bem arejada, sou o Sílvio que entrega as cartas pra ganhar uns trocos e sobreviver, pra estar vivo amanhã e depois e entregar outras cartas, e depois ter mais pra entregar, porque enquanto eu entrego, alguém escreve, cada um com seu papel, eu entrego mas não leio nem escrevo nem recebo, eu pego ali e levo pra lá, é isso que eu faço, é a entrega da correspondência, pra me entregarem um salário que eu entrego no caixa do mercado, na farmácia, no consultório, na borracharia, no raio que o parta, em qualquer merda de lugar que me ajuda a sobreviver mais um outro dia, um outro dia no qual eu vou entregar uma outra carta, um pacote, qualquer porcaria, na casa de algum incauto que não vai me dar bom dia, que não vai saber que sou o Sílvio, só o carteiro, isso eles sabem, porque eu me visto declaradamente como isso, pra representar o papel que eu aceitei, por ser um agente invisível da comunicação antiquada, no charmoso hábito de mandar uma porra duma carta dum lado pro outro, pro paspalho aqui entregar, o Sílvio, que não tem nada a ver com o que eu quero dizer pra alguém que ele não sabe quem é, porque ele só conhece a caixa de correio e nunca vai bater nem na porta da casa onde ele vai entregar cada uma das cartas que ele tem naquela bolsa feia e pesada que ele tem que carregar pra lá e pra cá, esperando o dia acabar pra se preparar pro próximo, onde ele vai fazer o mesmo que fez no anterior” e nisso abriu, com raiva, a tampa da caixa do correio da casa de madeira em frente a padaria, só para ouvir de novo aquele barulho e detestar as vezes em que gostou de ouvi-lo.
Preso à tampa, um pedaço de folha de caderno trazia uma mensagem escrita em caneta azul;
Dizia “Obrigado”, e ao lado dela estava uma carinha sorridente desenhada.
Puxou o bilhete, tirou-o da caixa, enquanto desfazia a carranca. Guardou-o no bolso de trás da calça, enquanto começava a sorrir. Pegou de volta, rasgou em dois e guardou de volta a parte maior, onde estava escrito o agradecimento. Tirou a caneta do bolso da camisa, escreveu “De nada” na outra parte da folha e colocou-a de volta na caixa de correio. Baixou a tampa, voltou-se, caminhou e seguiu descendo a rua pela calçada, procurando o próximo endereço.
Havia algo de doce naquela caixa de correio.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Adão e as pílulas

    Adão tomava, com certa frequência e certa fé, uma larga pílula verde alaranjada com sabor adocicado. Rapaz, aquilo era bom demais. O efeito que tinha sobre ele, obviamente positivo, era de um poder incrível. Esta maravilha medicinal ele a trazia consigo, para o caso de uma dose fazer-se necessária em momentos imprevistos. Pois, segundo ele bem sabia, aquele remédio era prescrito a todos e a qualquer um, e não há de haver quem desaprove o seu sabor.
    Engolindo frequentemente aquela magia, sua mente estava inexoravelmente ligada ao efeito que aquilo produzia, seu pensamento seguia o fluxo que levava a droga, aquela linda droga, pelo seu sangue, pelo seu corpo. Com o passar do tempo, via naquela pílula uma resposta além de qualquer dúvida e ali estava sua mensagem para o mundo. Ora, passara pois a receitar este remédio a seus próximos, àqueles que amava ou queria bem.
    Jorge, seu compadre, aceitou de imediato a sugestão, enfiando na boca a pílula que Adão lhe alcançou logo na primeira vez que tocou no assunto. E ela entalou na sua goela. O sabor era horrível, até mamão tem gosto melhor, Jorge constatou. Isso magoou Adão profundamente; ocorria ali uma ofensa à maravilha de sua vida, a pílula fantástica que mudou sua mente e seus dias. Descartou aquela que fora cuspida por Jorge e insistiu que ele provasse outra, proposta que foi aceita com alguma relutância. E era a mesma coisa. "Não pode ser", ele pensava.
    Deixou de lado aquele infeliz e buscou outros companheiros para compartilhar a pílula: vizinhos, amigos, sua esposa e seu filho; seus colegas, seu patrão, sua sogra e seu irmão. Alguns gostaram, outros não. Outros ofereceram suas próprias pílulas, as quais Adão não foi capaz de aceitar e nem imaginava que tomassem. Outros, principalmente os mais próximos, ele tentou fazer engolir a força, enfiar goela abaixo.
    Tempos depois, o mais comum era que este assunto, a ingestão do que era oferecido por ele e por outros, acabasse quase sempre em briga, sempre em discussão. Entre malefícios e maledicências, jamais era obtido algum acordo e as relações com quem discordava daquela prática eram difíceis, tempestuosas.
    Um dia, envolveu-se nas tais contendas um antigo amigo de Adão que era médico, o doutor Dario. Quando o objeto da discussão foi exposto, ao perceber do que se tratava, ele resolveu estudar o vidro de remédio e seu conteúdo por um instante. Adão, que respeitava a opinião de seu amigo, ficou estarrecido ao receber o parecer. Aquilo era bala de funcho.

O problema do Outro...

O problema do Outro, ocorre quando encontramos Ele.
O problema do Outro, ocorre quando projetamos n'Ele nossas expectativas.
O problema do Outro, acontece quase sem querer, mas só acontece se a gente quiser.
O problema do Outro, acontece quando estranhos passam na rua, e por acaso dois olhares se encontram...
O problema do Outro, ocorre quando queremos que Ele pense e aja como nós mesmos.
O problema do Outro ocorre quando 'Nós' e 'Eles' são partes diferentes da mesma coisa.

O problema do Outro ocorre.

O problema do Outro, ocorre porque cada um é um universo...
O problema do Outro, ocorre porque todas as pessoas morrem, mas nem todas elas vivem.
O problema do Outro, ocorre quando eu julgo saber de algo absoluto.
O problema do Outro, ocorre quando eu quero ser seu dono, tirar-lhe a liberdade, cercá-lo com o Muro dos Relacionamentos...

O problema do Outro, ocorre.

Mas o problema do Outro, pode ser você mesmo...

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Nem um sinal

"Amor é a resposta."
Foi o que um grande amigo dizia, enquanto sentado sobre a pedra fria eu pensava no fim, esperando que o mensageiro trouxesse seu sonoro chamado. Mas ele não veio em momento algum.
Ele não estava lá para me trazer um pingo de tranquilidade. Não conseguiu fazer seu caminho pelos números. Não está aqui, agora, enquanto escrevo este texto.
Enquanto as faíscas de fogo cruzavam o céu de forma ameaçadora, nem um sinal.
Enquanto as nuvens passavam e traziam a visão da lua, nem um sinal.
Enquanto pingos sinalizavam a volta delas, nem um sinal.
Por instantes permiti que as gotas caíssem em meu rosto, de olhos fechados, pensando em um arco-íris. um arco-íris que simplesmente não iria aparecer ali, que não me brindaria com suas belas cores, com o qual eu ocupava minha mente incessantemente. Ignorei por um momento o som, que mesmo tão perto, parecia tão distante.
Observei o amigo que havia me dito a frase inicial. Ele mirava algum ponto entre a paisagem a sua frente e o limite da sua imaginação. Mas eu sabia que os nossos pensamentos paravam em lugares semelhantes, a um, dois, ou dez passos de distância, talvez. Mas para ele, o mensageiro havia chegado, deixando-o com um sorriso estampado no rosto.
E para mim, nem um sinal.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Cael

A beira do penhasco, ele agora se encontrava cercado, sem outra opção, exceto a imensidão do paredão rochoso que se estendia verticalmente à sua frente e, dezenas de metros abaixo, o chão. Fitou por um breve momento o horizonte, lembrou-se do motivo que o trouxera até ali e sorriu. Com mais um rápido olhar por cima do ombro esquerdo, observou parte das pessoas que ali o cercavam e, ainda com aquele mesmo sorriso estampado em seu rosto, impulsionou-se para frente, deixando para trás faces perplexas, que provavelmente nunca poderiam entender o motivo pelo qual ele saltara.
Caía, porém não sentia medo, sentia apenas felicidade, sabia que aquele não era o seu fim, sabia que nada poderia levá-lo daquele lugar antes que encontrasse o que buscava. Apreciou cada instante da queda, do vento, do sol, recordando muito do que havia passado até chegar ali, aguardando ansiosamente que o seu objetivo estivesse logo em frente.
As rochas lá em baixo se aproximavam, fechou os olhos.

Aos Antigos Caminhos III

Cadê a lua?
Cadê a paz?
Pra onde foi aquela menina, que espalmava as mãos sorrindo, deixando o pó para trás?

Aos Antigos Caminhos II

Cadê o sol?
Cadê a luz?
Pra onde se foi o pequeno garoto, cujos mistérios ninguém traduz?

sábado, 5 de janeiro de 2013

Sempre há alguém para tentar te convencer...

Você é um merda!
Não.
Você é um merda!
Não.
Você é um merda!
Não!
Você é um merda!
N...Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!Você é um merda!

Talvez eu seja...