domingo, 31 de maio de 2015

Que deus? abençoe

Que deus?
O seu? O meu? O meldels...
Abençoe, lance suas bênçãos. Faça da minha vida uma miséria, um vale de lágrimas, uma tristeza sem fim.
Um amor ao medo, um medo d'Ele.
Ele que castiga, que mata, que inferioriza.
Ele que roga. Rogai.
Mas se você disser, diga apenas amém. Porque com amém você passa de bandido à bom moço.
Com o amém você vai do ruim ao bom. Ao passo que falar 'rogai', numa conversa, só te faz um louco.

Palavra da salvação.
Glória a vós senhor.
E teu cú também.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Bom-com-pão

Queria escrever algo bom.
Não algo que pareça bom, que soe bem, que faça bem ou que caia bem num cartão de formatura, que forma, formou-se o quê, vaso moldado pelo pensamento acadêmico, pré-dataminado, determinado a subir em todas as cadeiras que fez, destacar-se, obter colocação, nem escrever algo que combine com a cor daqueles olhos verdes cor-dos-olhos-dela-e-nada-mais, nem queria escrever algo que faça sucesso, nem que gere críticas, nem que aplique conceitos, gere preceitos, nem dividendos, não queria aperto de mão, nem tapinha nas costas, não queria ser o tal, não queria oba-oba, certamente aquele eba, que o jorro de alegria me lava não a cara mas a alma, suor não me incomoda tanto quanto choramingo, mas até ele tem suas razões, eu tenho as minhas, quais sejam espero descobrir algum dia, estou interessado em nenhuma teoria, certamente não, mas melodia, os orientais, tanto tenho para entender, mas nem entender me preocupa, desocupo os canais, desobstruir as vias, liga o pisca, filho da puta, leia-se a placa, leia-se a bula mas não muito, que remédio assusta e não se pode parar de tomar, tomar é comprar, comprar é matar, matar de remédio por goelabaixo, encontraremos a cura, não se preocupe, enquanto isso faça as anotações relevantes, ponderantes, penetrantes, entre-e-saia, há que se disfarçar os movimentos, ah, se eles descobrem esses passotes fora da linha, doutro lado da cerca, o que escreveriam sobre este ato infracionário, ora eu não sei, não se sabe ou não se diz, fingir não é saber, fingimos que não sabemos, enquanto isso penso na possibilidade, sí se puede, escrever algo bom.
Não, não. Algo ótimo.

Mundar

Modos estranhos.
Divertidos.
Modos que não mudam, mas não mudar é impossível.
Mudam.
Mas é impossível serem diferentes, eis que na mudança é que se mantém sempre como são: estranhos modos, nada há para entender.

Descobri que há muito que aprender.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

A proclamação

E foi então que a senhora da rua de cima, aumentou o volume da sua TV de tubo, para ouvir melhor os enlatados do sabadão monótono. Que algazarra nessa tarde, ela teria dito.
Eu acho que vão matar o Sultão. Antes dele proclamar. O Dimes quase teve um treco hoje de manhã, estava tremendo muito parecido com a betorneira do véio Sadi na construção da rua de cima. E, homem, só eu sei o quão terrível é uma betorneira sendo ligada quando você está com a sua garota no momento da varde. O Dente Massado sempre avisou pra cuidar com os pedreiros. É uma enrabada atrás de outra gargalhada e assim vai.
Mas não foram eles que vieram buscar o Sultão de madrugada. Eu estava indo comer um lixo perto do valo do mutirão quando vi as luzes. Fui atrás gritando como sempre faço, mas só depois fui ver que o Sultão havia sumido.
Só pode ter relação com a briga que tivemos com os sabujos lá atrás do galpão do Roque. O Sultão sempre foi tinhoso e ainda ameaçou o pessoal. Diz ele que os territórios deles iam fazer parte da gleba nossa.
Mas agora me preocupa o estado do Dimes e o Dente Massado só quer saber de fazer peregrinações até a praça do Índio.
Pra mim eles sabiam que a proclamação ia ser feita hoje. Só espero que o Sultão consiga escapar gritando.

terça-feira, 12 de maio de 2015

O Suco

Pode-se sentir um aperto. É metafísico, mas dói um pouco ou muito a espremência sobre o peito; basta ser vivente, não há quem não experimente. Não que faça mal. Não faz. Também talvez não seja bom, quem sabe, é difícil observar os mesmos sintomas quando eles sempre mudam.
Falta espaço no mundo, sobre espaço no espaço. Esprememo-nos na superfície de um planeta sobre a qual, ora que conveniente, nascemos. Aperta a mão, rói os dedos, cruza a faixa de pedestres, tudo no aperto de quem vive dentro de uma armadura de pano.
Tudo isso tendo de teto uma placa de concreto ou um céu tão abstrato, tão amplo, tão incompreensível que se sente no peito um aperto, um verbo espremer, esmagar até que se pinga alguma coisa, seja palavra ou suco de laranja, não difere muito, que em nenhum de nós a ciência me disse onde fica a consciência.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Sobre Segurar a Carga

Numa rua perto de casa, havia uma academia e por ela passavam pessoas pesadas ou leves, carregando nos ombros um par de pesos ou uma mecha de cabelos; erguiam os pesos, pesavam as palavras, iam, ficavam e voltavam, pensando que um dia ficariam em forma; um dia de cada vez: assim passaram-se as semanas e os anos, e me atrevo a pensar em como pesa essa palavra anos.
Silêncio!
Vultos esquisitos tentam ser ouvidos acima da chuva, mas não quero ouvir mais nada enquanto tento escrever.
Passaram instantes de distração e empilharam-se as carcaças irreaproveitáveis das datas que passaram, umas de boa lembrança, outras de ressaca ou dor de ouvido, reduzidas à quase igualdade pelo peso que podem possuir depois de terem sido usadas, viradas do avesso, drenadas, sugadas, riscadas para sempre do calendário que carrego no peito, folhas contadas mas não por mim, que não sei com quantas ainda conto.
Os bipe's e os bit's me ferem a carne, a cada vez que as vozes dos vultos se esfregam à alturas maiores que o som da chuva, enquanto tentam entender-se, explicar-se, dar razão e sentido ao número infindável de caracteres que pretendem enfileirar.
Não que isso faça muita diferença.
De certa forma, até entendo aquelas pessoas erguendo os pesos, repetindo o esforço até que eles fiquem leves, refletindo sobre esses borrões confusos até que eles desapareçam.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

I did it

O fiz.
Fiz porque quis, sei bem.
Estava bem comprido, mas nunca seria demais.
Numa vez foi quase e na outra também.
Não sei o que me deu, mas cortei o meu cabelo.
Foi um bom tempo atrás, os dias agora são outros, outra coisa, outros ventos.
E o vento balança na minha cabeça: cachos mal comportados de um piá resmungão.
Foi preciso que eu o cortasse pra saber o que isso significava.
E pode não parecer muita coisa, mas para mim diz muito, pois deixei meu cabelo crescer de novo e sei porque o fiz.
Fiz porque quis.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

A Caixinha de Música


Tinha história, aquela caixinha.
De musiquinha e historinha.
Por que eu não a tocava?
Bem, eu não sei.
Fazia falta a ela; alguém pra conversar, jogar-se fora.
Ficar preso ali dentro era um saco, mas nada pior do que andar por aí habitando um corpo sem cabeça.
É isso.
Era apenas rock'n roll, mas eu gostava e não trocava por quase nada.
Um toca e o outro conta, dupla sonora.
Da historinha eu não lembro, mas não começava com era uma vez, porque era sempre a mesma coisa.
Mas é isso.
Para alguns, uma bailarina numa superfície espelhada.
Para outros, a caixinha de música é um amplificador bem mais pesado que o ar, capaz de abrir crateras estratosféricas na superfície lunar.