sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Há preço

É melhor você se comportar.

É bom que se aquiete, se alimente e se limpe.

Calmamente deite em silêncio: boa noite.

Cuidado com o que sente, é melhor não protestar.

Eu paguei pelos meus direitos.

Obedeça.



Agora parece absurdo. 

Geladas e rígidas; correntes não podem constituir um abrigo.

Num ninho de serpentes, as cobras querendo cobrar.

Já chega.

Nem mais um pio.

Não há deus.

Tchau.

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Alguma emoção cívica ao ouvir o hino nacional?

    Eis a questão. Lambedores de botas e fetichistas militares dirão que a resposta é um sonoro SIM, carregado de uma emoção positiva em lembrança a um passado glorioso que jamais existiu. Odiadores da história como são, repudiam a noção cada vez mais realista de que o passado nada mais é, senão um vórtice de coisas absurdas que até hoje respingam no compasso moral da sociedade, se é que ainda existe um.
    Uma família de retardados em uma posição de poder, praticando crimes de modo quase diário. Um velho idiota dono de uma loja absolutamente patriótica, patriota para os Estados Unidos da América. Um presidente. O menor presidente do mundo. O mais fanfarrão no pior sentido possível. Um criminoso, um assassino. Propagador de pseudo-ciências, assuntos falsos e violência sem sentido. Pois afinal existem muitos inimigos do Brasil, todos querendo implantar o comunismo a qualquer custo dentro de uma idéia ridícula e paranóica suportada por outro velho ainda mais ridículo que odeia o sus, mora nos EUA mas no primeiro sinal de saúde frágil vem ao Brasil se tratar exatamente no lugar que mais despreza, pois afinal o país desenvolvido onde mora não tem nada parecido com o sus, e lá precisa pagar caro por saúde, assim como ele julga ser o "justo" a ser feito. Não com ele, mas com a maioria pobre do Brasil que por sinal já banca quase tudo o que é feito por aqui. Bolsonaro e Olavo de Carvalho, que dupla. Haja chapéu de alumínio.
    Claro, vão me dizer que 'futebol, política e religião' não se discutem. Por isso que a religião é quem manda, a política vira futebol e o futebol serve de sobremesa no jornal do almoço. Um anestésico pro povo avulso, depois de uma enxurrada de merda, causada pelo protagonismo do mito, uma merda, um xurrio, tão grande a ponto de respingar pra fora do brasil. Mas daí é muito legal, porque além de ser uma piada sem graça aqui dentro, vira uma piada ainda mais sem graça lá fora. Afinal, se relacionar bem com outros países não cabe para o menor presidente do mundo.
Semana passada fiz a segunda dose da vacina. Sou privilegiado. Diferente de um tio meu, que foi entubado e faleceu. Diferente de vários amigos e amigos de amigos. Porque o governo patriota achou por bem fazer esquemas de compra de vacinas, fazer piada com quem tem falta de ar e atrasar vacinas até mais baratas. Sem falar em usar os próprios brasileiros como cobaias pra um remédio que não serve para o contexto, acusando outros de fazer exatamente o que eles fizeram com o tema: politizar. Acontece que para quem diz odiar a política é exatamente assim que funciona, não é porque odeia a política ou não quer ver política, mas busca uma política bastante específica. Nesse caso, a pior possível.
    Esse brasil profundo que surge do esgoto na verdade não é nenhuma novidade. Todo o fedor da graxeira já estava presente antes só não encontrava apoio oficial. Tava escondido nas piadinhas em churrascadas de domingo, nos chavões habituais preconceituosos.
Então é muito conveniente que política e religião não se discute. Uma espécie de censura disfarçada de defesa de bons valores. Como acusam o bicho papão do comunismo de fazer, mas é como disse Leonel Brizola, só é capaz de ver nos outros os próprios vícios, as próprias mazelas. Nesse viés é ainda mais conveniente que a miséria volte e se faça presente. Senão quem eu vou ajudar e tirar uma selfie? Fazer a boa ação do dia? Ou ainda melhor, usar os problemas socias descontrolados pra responsabilizar os outros pela minha incapacidade de governar ou pensar em soluções.
Não.
Nenhuma emoção cívica ao ouvir o hino nacional.

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Existe no calendário mais do que colecionar aniversários

Não tenho o menor interesse em viver uma vida sem drama. Na década passada, esse infinito montante temporal, eu choramingava por qualquer coisa. Bem que eu estava certo, não devia ter mudado de costume, quis ser prático, bola pra frente, e aqui agora me encontro, dez anos passados e do que me lembro? Parece que foi ontem que tive 25.

Ei de voltar a esses métodos. Deve-se sentir outras dimensões, nem que sejam inventadas, nem que seja pelo malefício de um tropeço, fazer o mundo girar, andar caminho errado.
Sim, quis viver a vida com praticidade, pensando sempre só no que importa e assim canalizando pensamentos e ações para aquilo que benéfico me pode ser. Engano! Estupidez! Isso leva a somente um lugar, que é a cova! E dela me aproximo cada vez fazendo menos drama. Aproximava, melhor dizendo. 

Ainda não sei por onde recomeçar. Mas há que se espernear. Espernearei!

Saúde!

Às vezes, durante uma época conturbada, em uma meditação ou uma conversa, alguns pensamentos se apresentam diante de nós com uma clareza surpreendente. Como se eles boiassem em uma água que repentinamente se acalmou. Nessas ocasiões, é possível olhar cada um dos problemas que estão nos perturbando sem que tivéssemos nos dado conta até então. Podemos encará-los e notar como são pequenos, como um pato de borracha; ou médios, talvez um pouco pesados, mas muito menos escorregadios do que se tentássemos pega-los em meio a água agitada e borbulhante.
Havemos de respirar fundo e nos refrescar.

terça-feira, 22 de março de 2022

Expurgo

 
Belisco essa pequena camada criada sobre a pele, machucando a minha unha: um corselete de couro, feito para que algumas coisas não pudessem entrar, perpassar minhas defesas, invadir meu sistema
Como as guaritas de vigia daquela crônica do Verissimo.
Ó, tragédia anunciada somente em retrospecto
Há mais de dez anos tentei escrever sobre um homem: era uma espécie de guerreiro, talvez um cavaleiro.
Ao final de uma década de experimentação de sofrimentos, de tentar se defender; ele era incapaz, também, de utilizar seu tato.
Meu gibão de peles: dentro dele, meus pensamentos, sentimentos cozinharam feito uma criança esquecida num carro; desmancharam feito repolhos cozidos noite a dentro.
O sapo que não saltou quando a água ferveu
Ou o sapo da manteiga, como era a história?
Quando eu percebi que o remédio que me estabilizava fazia exatamente isso, eu não soube o que fazer.
Me sinto podado, aleijado de uma capacidade gutural de sofrer, que antes me servia tão bem como forma de conseguir viver feliz
Numa ausência de luz e sombra, venho tateando com a mão dormente, tropeçando na mobília velha da minha rotina.
Mesmo este texto é um raro acontecimento. Saber do que me aconteceu não significa ser capaz de evitar que isso me tome novamente conta. Saber não basta.
Este momento em que estou aqui, expurgando, é um raro buraco numa planície devastada. Um furo no gelo por onde um canadense pesca algum peixe. Mais gelado do que numa peixaria
Três vezes essa semana eu pesquei os olhos, digo pisquei.
Fechei com alguma força e esperei sentir algo, chorar seria ótimo.
Mas nada.
É um preço pesado por não arrancar diariamente os cabelos.
Tive que me fadar a viver em anestesia.
Existe um bando de malucos seguindo um outro pior. O pior presidente de todos os tempos.
Meu corselete de couro batido, surrado de tanto ser exposto a essa loucura, esse absurdo.
Não é a loucura de andar numa montanha russa invertida, que nos faz sentir como numa máquina de lavar roupa – tudo com a devida segurança
É uma sandice de comer merda só porque querem ter o bafo mais fedido de todos os tempos.
Fervo por baixo das peles, tentando evitar uma explosão
A pressão aumenta até que o lado de dentro se torne insuportável
Ando cabisbaixo e não muito animado
Vivendo sem respirar direito, esperando dias melhores
Como alguém que sai pra pescar
com uma rolha enfiada no cu



segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Nunca importou

Havia tempo demasiado.
Ou pelo menos assim eu sempre gostei de pensar que já havia decidido deixar de ser uma tola. Mas é no curto espaço de tempo, como entre um cigarro e outro, que tudo o que você tem de mais certo na vida lhe escapa por entre os dentes. Lhe escapa através dos dedos. Movimentos que dia após dia vão perdendo a habilidade que uma vez pareceu ser natural, incessante e sem esforço. Estabilidade.
Acho que já havia me acontecido antes. Parte de mim sempre se recusou a aceitar.
Que era ilusório e sempre foi.
Acho também, que em todas as vezes eu mantive a mesma pergunta presa aos lábios, senão assim, de que outra forma seria?
Que jeito, método, habilidade, teria a capacidade de dar conta do que insistimos em ser, incessantemente?
Não somente macacos, mas também pássaros, transmigratórios.
Dar cabo de algo que nem sequer se imagina a existência, nem mesmo no inconsciente. Parece fugir à compreensão, ou pior, a compreensão ser impossível, como em um terror cósmico.

Sonhei que estava em um bar, tentei fumar, tentei beber. Já não conseguia. Olhei para o fundo do copo vazio e o reflexo me mostrava no fim da vida, tendo o fôlego roubado por um súbito entendimento.
Todas as pessoas em volta me apontavam. Elas me diziam que eu era a única chance, que eu poderia ter consertado tudo: Quase como uma cena de um filme de ficção utópica, eu poderia ter sido perfeita, flutuando pelo espaço em uma redoma iluminada.
Ao mesmo tempo que apontavam, aos berros me julgavam e me xingavam por ter falhado. Senti todas as dores do mundo, desde o morador de rua até o pobre de espírito dono de coisas e pessoas, uma completa perdedora.
Não duraria para sempre é claro, mas a dor fazia vezes de mestre ilusionista.
Me senti novamente naquele lugar com uma vista privilegiada da cidade e o velho chorume em forma de organização humana.
A cidade sempre foi maior que eu e ela iria me esmagar mais cedo ou mais tarde.
Vozes isoladas me tinham em uma alta estima.
E por quê então eu me sentia como a pior coisa do mundo?

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Malditos milicos

O quanto incomoda uma estampa. Uma camiseta vermelha, a cor proibida, ensaiando um grito incessante que está presente na mente de todos mas sufocado por muitos.
O que te sufoca senão a estafa de ter que ver a mesma coisa todo santo dia? A crença de que é assim mesmo e assim foi desde sempre e pra sempre?
Mas é isso né... sempre a crença nisso e naquilo, nunca é sobre o que se vê e o que se sente, mas sim sobre algo que alguns poucos acreditam e empurram com socos e pontapés na vida dos outros.
Alto lá! Política aqui não!
Claro, aqui não pode. Não posso conversar com os amigos. Não posso conversar com a família. Não pode política nos jogos. Não pode política no esporte. Não pode na música. Não pode política na escola.
Aí o negro segue como escravo, aí a mulher segue violentada, o homem explorado, o homossexual agredido e morto, o pobre cada vez mais pobre e o rico cada vez mais rico. Do índio nem se fala.
O médico herói quando salva e o policial herói quando mata. Todos tementes a deus.
Adeus.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Olho mágico

É um dispositivo de tamanho pequenino
Instala-se numa porta ou coisa parecida, com a ideia de olhar sem ser visto
Sem precisar abrir a porta, também, devido aos perigos
É um pequeno túnel, fortemente distorcente
Feito para olhar a curtas distâncias, a distorção fodida rola quando se tenta olhar longe através dele
Meio que como usar um binóculo ao contrário
Tudo tão pequeno e tão distante
Espremido
É claustrofobicante

Eu sei que é muito mais fácil e conveniente esquecer
Olhar em frente, bola pro mato
Pois penso nessas coisas que agora são recentes
E que um dia serão memórias distantes
Como olhar pelo olho mágico e tentar ver
do outro lado da rua
Quem é aquela gente ali atravessando?
Eu também já pisei lá fora
Até me lembro como era, mais ou menos
É tudo tão pequenino
Confuso

Me dou conta de que essas coisitas não serão lembranças borradas
Nem recordações esmagadas,
como vistas por um pequeno túnel, fortemente distorcente
Menos que isso
Nem vou me lembrar do que eu tinha ido buscar na cozinha