quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Dez anos se passaram

Várias vezes neste ano eu pensei sobre essa matemática. Precisava falar de algum tema, fosse bom ou não. Há 10 anos esse blog foi criado. Eu era um piá de merda achando que era gente. Isso não mudou. Sou gente. Especificamente, uma pessoa que já escreveu com mais frequência aqui neste veículo. Não sinto saudade disso. Acho que, se isso fizesse tanto sentido para mim agora quanto fazia então, eu voltaria ou continuaria, tanto faz. Não que eu não goste mais. A satisfação que sinto em me expressar textualmente talvez seja maior do que jamais tenha sido. Também fico feliz em ter dito tudo que disse aqui, não mudaria nada, nem os dois por cento de que talvez me arrependa de ter publicado.
Dez anos é tempo pra caralho, puta merda!
É um terço da minha vida.
Um terço, exatamente a proporção de cada sabor que tu pega na pizza.
Talvez o lance seja que eu não precise mais. Quais fossem os motivos que me faziam precisar antigamente, hoje minhas aflições resolvo de várias outras maneiras;
Talvez eu tenha ocupado meu tempo de outras formas, mais e menos nobres;
Talvez eu apenas tenha ficado preguiçoso e não queira mais pensar nessas coisas difíceis que se bota pra fora;
Talvez eu tenha parado de encher a cara, e no fim nunca tive uma luz própria, orbitando como Adolfo a um copo de conhaque;
Sei dizer que foi bom. Bom enquanto durou, não que tenha acabado.
Como a Gal bem gritou: Talvez eu volte, um dia... eu volto, quem sabe.
A quem quer que tenha me lido aqui, ao longo desta década, seja em um ou quatrocentos e dezesseis textos, eu agradeço.
Foi muito legal me expressar.

DEZ ANOS SE PASSARAM, CARALHO!

sábado, 15 de setembro de 2018

Bárbara Idade

Existe, em nosso ecossistema, uma espécie muito peculiar de monstrinho.

Os integrantes desta espécie vivem juntos, em grupos de dois ou três, ou até mesmo em imensas comunidades, com milhares de membros, em pequenas bolhas de sabão. Passam suas vidas ali dentro, alguns nunca se mudam, outros buscam frequentemente um lugar novo e limpo pra se instalar, livrando-se dos velhos hábitos.

O que é mais peculiar sobre estes monstrinhos é a forma como eles se alimentam. Eles consomem pequenas camadas da bolha em que vivem e que os cerca; não mordem fundo o suficiente para estourá-la, inconscientemente por sua própria segurança.
Ainda é pouco sabido do que exatamente se nutrem, pois expelem praticamente a mesma matéria que consumiram, normalmente um pouco mais contaminada. Ou seja, seu órgão excretor reproduz: discursos desinformados, verdades absolutas, preconceitos e outras verborragias subnutrientes. Uma vez defecado, este material volta a se alojar na bolha, e dela se alimentam os vizinhos, seguindo todos a mesma dieta.

Se você nunca reparou na existência destes monstrinhos no mundo que o cerca, talvez as paredes da sua bolha estejam escurecidas demais. Sugiro consumir mais fibras.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Sobre aromas


Sinto um dos cheiros que a circundam, na solidão de uma tarde bempassante.
Essa troca de estações causa uma sensação esperançosa, uma brisa de novidade; vão-se embora as cerrações e céus cinzentos; vem vindo cheiro de bons tempos, tempo bom.
Preso à minhas narinas ou debaixo de minhas unhas, aroma suave e aconchegante; mesmo estando eu aqui e ela não, não me sinto em solidão. Sei das voltas que damos em torno das nossas promessas, ir e voltar. E ainda bem que nós costumamos cumpri-las; são elas que nos levam de um dia a outro.
Já disse e repeti: que não há paz sem haver solidão. Mas encontrei um estado indecifrável em que se harmoniza a minha tranquilidade e um momento de distração, o afastamento que permite um novo reencontro, aquele sorriso de saudação, que é diferente de todos os outros - sim, são vários tipos, todos lindos.
Solta, minha cabeça pende em várias direções, formula trinta meia dúzias de teorias pela metade, que me servem simplesmente por começarem a se agitar, pequenas ondinhas mostrando a grande calmaria de um açude. Ainda é inverno, mas a primavera vem.
Aguardo ansiosamente pela sensação de quebra da saudade, tão eternamente enorme, então comprimida num breve período de distância.
Sem falar nos pasteiszinhos que ela trará da padaria.

terça-feira, 17 de julho de 2018

Helena

  As poças no pátio de trás da casa indicavam que a temporada de chuvas começara, e, mesmo estando em seu princípio, em alguns locais a grama já dava lugar ao barro. Fugindo da rotina dos dias anteriores, o sol brilhava forte e não havia vento, tornando o dia bastante agradável.
  Isso, porém, não fazia diferença à pequena Helena - uma encantadora menina de cabelo castanho claro, completando quase 5 anos - que, correndo pelo pátio, com uma roupinha velha e botas azuis, tomava o cuidado de pular em cada poça, fazendo a água lamacenta respingar para todos os lados, comemorando a cada nova poça pisada.
  Sentada na escada que dava acesso da varanda ao pátio, uma garota de cabelos loiros ondulados e pele clara, como a lua, descascava mais uma bergamota enquanto observava a pequena em sua incansável corrida. Uma pulseirinha dourada - presente do seu décimo terceiro aniversário - trazia gravado seu nome, Mariana.
  Mariana observava a pequena Helena quase como se pudesse ler seus pensamentos, quase como se pudesse sentir em si a alegria da pequenina em sua dança das poças, lembrando de si mesma brincando na água em algum dos tantos vídeos que seus pais mostravam. Sabia, entretanto, que a mãe de Helena provavelmente não iria querer gravar vídeos se visse o que acontecia agora, ia ficar um bocado brava, mas Mariana não se importava muito com isso, era só tomar banho e lavar a roupa, afinal.
  No céu azul, ao longe, um avião deixava um rastro de fumaça branca, e quando os olhos de Mariana se voltaram para o céu foi que aconteceu.
  Helena piscara.
  Não piscara com os olhos, como se espera quando alguém diz que “piscou”.
  Piscara do jeito que as coisas fazem na tela de uma TV quando desaparecem e aparecem de novo, como se ela, por um breve momento, tivesse desaparecido.
  Os olhos de Mariana se voltaram imediatamente para Helena, que ainda estava ali, pulando em mais uma poça, rindo como se nada tivesse acontecido. Mas diferente dos adultos - que provavelmente sequer dariam bola pro acontecimento, não contestando o que suas lógicas diziam ser impossível - Mariana sabia que tinha acontecido, afinal, já acontecera antes, porém ninguém acreditara nela.
  Sentira, naquele mesmo momento em que Helena piscou, que a menina jamais estivera ali, que ela jamais existira. Como se o vazio tivesse consumido todas suas recordações e devolvido uma fração de segundo depois, o suficiente para ser confuso num primeiro momento, e cada vez mais doloroso nos instantes que seguiram.
  Lembrava de quanto a amara desde o primeiro momento, e de como - mesmo não havendo laços de sangue - a considerava como sua irmãzinha. Foi tomada por um súbito desespero e sem pensar correu, correu em direção ao ponto onde Helena sapateava em mais uma poça , e, caindo de joelhos ao lado da pequena, a abraçou.
  - Nunca, nunca mais faz isso, tá?
  - Uuuu que, Maiana? - indagou curiosamente Helena.
  - Nada, esquece. - Mariana recuou um pouco soltando a garotinha e secando os olhos lacrimejados. Encarou-a por um tempo e revelando um sorriso, lhe disse - Te amo, tá?
  Helena olhou-a por um momento, e num gesto muito característico, semicerrando seus olhinhos verdes em meio a um grande sorriso, apenas respondeu:
  - Eu tumbém tim amu! Tááá?
  Mariana olhou novamente para o céu, - inconscientemente segurando Helena - encontrando a trilha de fumaça do avião, que agora mais parecia um longo traçado irregular de aquarela e suspirou.
  Em algum lugar distante trovões ecoaram, sinal de que uma tempestade se aproximava.
  Estranho - pensou ela - parece um dia tão bonito.
  Pegou a pequena pela mão e novamente sorrindo, a convidou:
  - Vem, Helena, tá na hora de entrar.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Laranja e Acerola

E foi ali, no meio do meu percurso até um copo de suco, que se fizera ser em meu mundo.
Aceitara mudar seu destino, e grato lhe sou até hoje por esse pequeno gesto.
Trazia, em meio à toda sua beleza, a força herdada pelos caminhos trilhados.
Caminhos, esses, tão diferentes dos meus.
Em um impulso toquei-lhe a mão, sequer considerando o peso de meu gesto.
E em meio a sorrisos e risadas, perguntas e respostas, goles de suco e teorias, olhares e deslumbres, um novo sentimento percebi brotar.
Naquela mesma noite algo nasceu, algo que nas semanas seguintes se fez crescer.

Músicas e mensagens.
Amigos e ligações.
Abraço e frio na barriga.
Beijos e histórias.

Aprendemos, crescemos, superamos, rimos e amamos.

O tempo passa e junto com ele minha admiração por ela cresce, meu amor por ela aumenta e a vontade de ser sempre sua pessoa se mantém irredutível.
Nela me espelho, nela me inspiro.
Por ela quero ser sempre melhor.

Grato sou a ela por cada carinho, cada gesto, cada momento.
Afortunado sou por sua presença em minha vida.
Feliz por saber que com ela posso ser família.

sábado, 16 de junho de 2018

O inverno chama

Típico dia frio. As pessoas atrás de calor para o coração, para a mente e outras coisas mais.
Atrás de lugares aconchegantes, que servem comida boa e oportunidades de esvaziar a cabeça cheia, acumulada durante a semana.
Fumar em dia frio tem um sabor especial, de certa forma é um calor que procuro também. Outro calor é o que me dá quando me deparo com uma placa de igreja com letras tipo a de folhetos de lancheria anunciando a salvação, para quem baixar a cabeça. Quanto mais se abaixar, mais a bunda aparece, era o que minha mãe sempre dizia. Vai ver é isso mesmo que quer um deus macho, totalitário, conhecedor dos quereres e poderes.
Dá muita vontade de ficar na porta observando o espetáculo de comédia, soprando minha fumaça herege, um monte de bunda se mexendo com as mãos pra cima.
Onde já se viu moça fumando?
Podem ficar com o pão desde que me deem o vinho, lembrei.
Essa tem sido a minha vida nos últimos tempos. Medíocre e reclamona.
Me pegaria me odiando profundamente se tudo o que eu de fato sentisse pelas pessoas não passasse de inveja. Não que eu não tenha motivos pra me odiar já agora, já de cara.
Não vou mentir que quando me olho no espelho, não vejo a decadência dessa nossa raça. E isso é o auge da juventude se considerar minha idade, é o pequeno espaço de tempo que o organismo apresenta a peça principal, depois de anos de preparo. A partir daqui é ladeira abaixo, em muito pouco tempo.
E isso é tudo, é tudo o que a humanidade pode oferecer.
Eu sou apenas um exemplar, que de exemplo não serve.
A chama é querida no inverno, mas nem mesmo ela é capaz de saciar o insaciável. Essa coisa que nos consome dia após dia, que nos escraviza e nos humilha.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Há margor

Pra algumas pessoas é como se eu não tivesse medo. Como se eu fosse uma muralha intransponível.
Às vezes é isso mesmo, às vezes meu nariz tá empinado pro lado errado. Às vezes o peso é grande e a raiva cai no descontrole. Às vezes a apatia bate, bato forte como consequência e não peço desculpa. A ocorrência é o afastamento.
Às vezes me importo e às vezes finjo me importar, sendo a última bem mais frequente.
A solidão é mesmo a norma. Não só estar sozinha, mas sentir-se sozinha, mesmo rodeada de gentes.
Nas raras vezes que estou com alguém legal, me sinto sozinha também.
A verdade é que sou como uma engrenagem enferrujada. E não tem remédio fácil para a ferrugem.
Sou jovem ainda, mas é como se a vida já tivesse a ponto de acabar, então sigo fazendo muita coisa que tenho vontade. Minha métrica de felicidade é outra, nem tente entender.
A cada dia meu fôlego é menor, nem o Camel e nem o Dunhill amenizam isso. Cada dia mais perto da morte.
Quero uma fatia de bolo e um café, dessa vez sem açúcar por favor.

terça-feira, 1 de maio de 2018

Post script II

Tu deve tá adorando isso né?
Ah, meu amigo, se você soubesse. É como se a minha vida inteira estivesse esperando um pequeno pedaço de momento como aquele, um pedaço de tempo que eu trocaria muita coisa pra poder guardar dentro da minha cabeça, para acessar quando eu quisesse.
É a falta que faz um belo par de órgãos de ver. Saudosos momentos daquele sorriso cheio de dentes. Ainda guardo a fotografia mental. Mas como todas as coisas pequenas que não podem durar, no futuro ou no passado, acabam escorrendo entre dedos de pegar que sempre falham miseravelmente em sua tarefa.
E eu não disse nada disso.
Uma palavra sequer.
Se algo falou alguma coisa, foi minha cara de transe.
Acho que sou assim desde pequena, guardo tudo pra mim.
É mais uma pessoa que eu realmente sentia vontade de beijar. A segunda talvez, em muito tempo.
A canção da chuva ainda me consola quando preciso. Só preciso dela, mesmo. Guitarras etéreas anunciando o retorno pros dias cinzentos, nublados, trazendo o inevitável anúncio. Ten years gone.
Eram apenas dois anos.
Pareciam dez.
Parecia uma vida inteira, ou duas.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Sobre reconhecer ao outro

Um amor, muitos sonhos...
Mudanças são importantes, oportunidades...sorte de quem não deixa ir embora, disseram!
E quem achava que não se reconhecer era ruim, se enganou!
A gente se reconhece nas dificuldades, cria, cresce e, posteriormente, o reconhecimento vem!
Sorte? Duvido!
Há uma alegria no teu coração que faz as pessoas se sentirem bem, ou não! Cuidado! >.< Isso é raro, eu disse.
E com isso se perde? Ahh...quando se ganha, também sempre se perde.

Sobre se reconhecer

Há pouco me perguntei quem eu era, já que me disseram para nunca deixar se ser eu mesma
Sabe.... ''tenho horas só de solidão'', essa, que em muitos momentos me deixa triste, será que é nessa hora que me reconheço?
É TÃO DOIDO, CARAAA...Minha consciência é como um sair do casulo, mas será que sei voar?

sábado, 17 de março de 2018

Engolida por deus

Em Golida, trabalhava Jozina.
Cidade pró-espera, recanto do trabalho, pois, graças, há deus.
Mas nada era de graça, como um nó, um aperto na garganta. E ali perto, do pavilhão, aquele do Luthier Vicentão, morava ela, Jozina, e mais um montão. Tudo peão.
Longe de sua casa, das coisas que há calma, onde há alma, onde senão no dia a dia? Um depois do outro, com a sua família.
Há muito que não iam em Golir.
Mas se em Golir, piorava a situação, o que sobrava então?
E em Golida, o tempo do crescimento econômico e também o da mastigação, há muito haviam passado. Há na via que começa em Golir e que em Golida passava, quase nada de esperança. Pouco, pouco. Há titude era o que faltava, dizia a notícia. Diziam os especialistas.
Pois em Golida, Jozina já andava cansada. Dona de casa. Da sua casa alugada.
Com as chuvas há lagamento, mesmo onde não há pavimento. Onde normalmente era morada, lá atrás dos pinheiros, também propriedade do dono, Vicentão, o chamado proprietário. Dono de coisas e pessoas.
Começou pequeno, num escritório, e no pensamento há temporal que ditava sua conduta de marinheiro.
Mas esse era cancheiro
Diziam os pioneiros. Grandes navegadores no mar das finanças nacionais.
Com a casa há bandonada, Jozina ouvia notícias sobre o crescimento e a recuperação em Golida.
Há deus? Se perguntava.
Havia de ir embora. Pela via que passava em Golir. Em Golir há salto, por fim disse o especialista no Jornal Nacional. Há bandono.
Há dorno, coração.
Só resta pedir perdão.
A via era reta, mas Jozina só andava em círculos.
Por deus! Cheguei em Golida novamente!

segunda-feira, 12 de março de 2018

A comunidade não aguenta tanto tempo sem água

Adão manejava a máquina enquanto Pedro estava sinalizando o pessoal das pistas. Foi assim que aconteceu o acidente pelo que ouvi dizer. Mais um atendimento e menos uma pessoa no mundo. Meu trabalho não era saber, mas eu fazia por curiosidade.
Mais sangue nas minhas mãos, mas atendia com prazer. Porque quando precisei de asfalto, ele estava lá, graças a esses caras.
A ralé da sociedade, como alguns diziam.
Acontece que se a periferia não descer pra cidade, nada funcionaria. São eles que fazem as coisas mais importantes, que não queremos fazer, por um valor que jamais faríamos. Nós, as bundinhas brancas da cidade, os dentes escovados e as unhas pintadas. Caro esmalte. Cara política de segurança pública, que nos faz tratar gente que nem lixo.
Mundo das aparências, aparente semelhança, com os muros e as cercas. Muita coisa pra engolir.
Mas pra eles as coisas sempre foram piores.
Me disfarço de ouvido mas não sou boa ouvinte.
Me faço de bem educada mais como ato de rebeldia.
Rebeldia é ser generosa, é ser bondosa. Rebeldia é tentar tratar alguém como ser humano. A verdadeira corrupção.
Porque a ladainha também já estava no meu sangue.

E ainda ouço gente dizendo que as coisas vão se sacudir se a periferia resolve vir para o centro.
Nem cigarro eu iria conseguir, se ela não viesse diariamente.

quinta-feira, 1 de março de 2018

O que não importa não importa

Você pode ver o quão estúpido isso é?
A corrida que engorda, um enfado, um disparo?
Tem alguém aí pra me ouvir gritar? Pra me ouvir chorar?
Chorar por dentro, com um sorriso estampado na cara.
Se fosse do meu jeito vocês seriam fuzilados.
Apenas pare. Quero ir pra casa, tirar esse uniforme e sair do show. Esperar ser julgada no silêncio do casulo de concreto. Um juiz grande e gordo, que come mais do que precisa, que cava fundo na escavação da mina do sucesso. O que espera encontrar além de mais lama?
E eu sinto o fedor da lama respingada em mim. Culpa.
Me pediram um cigarro e eu dei a carteira inteira, nunca tinha feito disso.
Que morram rápido.
Descontar a raiva em um objeto inanimado, um invento de atravessar paredes.
Gritar sem sair som algum.
Sentir-se mesquinho ao passar por tanta gente morando na rua e um pouco menos mesquinho por notá-los. Às vezes isso é só o que pedem.
Mas vou correr. Correr sem sair do lugar. Transar sem me apaixonar. Viver para trabalhar. Levar adiante diversos condicionamentos inconscientes e falidos. Descaradamente falidos. Depender diariamente da tecnologia que me humilha. Andar no trem sem dar bola pra nada. Adoecer entre quatro paredes.
Lentamente fechar os olhos e tentar descansar. Deixar escorrer o dia entre os dedos. Mais um dia o cacete, menos um. Sempre menos. Cada vez mais, menos.
Não há maquiagem que chegue. Não há cosmético que cure feridas. Não há ego que substitua o que mais importa.
E não basta saber.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Hell march

Avança a marcha infernal. A porta dos desesperados.
Solução mágica, instantânea. Saudação. Meia-volta volver!
Armas para todos, dedo no gatilho. Coração vazio e esperança enforcada. Se não mudar de ideia, baixa a porrada!
Mitos perversos ressurgindo como salvação da humanidade. Ideias antigas, apresentadas como novas e eficientes.
E aqui do meu casulo entre quatro paredes eu observo. Que também tem fumaça e fogo. E também mata, mas apenas a mim e só mata aos poucos. Mas a ameaça que apresento está atrás desse cabelo pintado, dessa cara lavada e boca escovada.
Vejo amigos e familiares em comemoração enquanto a marcha avança. Em defesa da vida e pra botar ordem na casa.
Fazia tempo que não sentia medo.
Fazia tempo também que avisei que isso ia dar merda.
Saiu o time da seleção, com camiseta da cbf, pra entrar o outro time, o time da solução. De arma na mão. Porrada na vagabundagem, pois a culpa não é minha.
E fica cada vez mais difícil definir quem merece morrer e quem não. De bens ou de bem, que cidadão que merece perdão? Que deus abençoe. Aí já se trata de outro exército.
Vão aumentar os plantões e vou ter bastante trabalho.
Se é que não vai espirrar nada em mim.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Sorte do dia

A lua inconstante, muda o semblante, enquanto as faces coladas trocam de fase em suspiros e pausas. 
Algumas frases de vida se unem, as peles de tom semelhante se entendem e o corpo se estende ao som de fortes batidas. 
Enquanto a energia se renova, sorrisos crescentes. Cores quentes imergem à imensidão.
Nunca antes vivido um encontro tão único. Estes, sim, chamados únicos. 

Sós.
Nós.

Que sorte.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Obstáculos

Não há nada que separa o desejo da lembrança. Mas se trata de droga perigosa essa, mais que o cigarro, mais que a maconha, o álcool, até mesmo os prazeres sensoriais. É peça pregada.
Sonhei a noite passada que brincávamos de esconde-esconde pelas cascatas, éramos tão jovens. Éramos tão mais alegres, os pés sujos, as caras lavadas, pra pular a cerca do lugar onde não devíamos ter ido. Propriedade particular. Lembrança privada. Talvez sonho coletivo. Chegar em casa e levar um puxão de orelha do meu pai, nossos olhares se encontrando após, contendo o riso sapeca.
Acordei com uma vontade de repetir o feito, voltar no tempo uns dez, doze anos, pra antes da catequese obrigatória e o início das aflições. Trocar o uniforme por um biquíni, correr pelos campos de mãos dadas, fazer promessas idiotas de se casar no futuro, nutrindo um amor quase de verdade. Lembrei que nos esquecemos de fazer uma cápsula do tempo, enterrar debaixo de uma árvore pra desenterrar dez, doze anos depois. Melhor tentar conter a lágrima nostálgica. Nem mais deve estar em São Chico, nem mais deve existir cascata, deve estar em uma outra selva de pedra como eu, acordando de sonhos memoráveis com vontade de voltar atrás.
Mas não me olhe assim, guria. Tu sabe tão bem quanto eu, que a chance de eu estar certa é maior.
Igual, se rolasse algo, ia ser mais uma decepção ou então só mais uma aventura infrutífera de curta duração.
E ela já levantava me olhando com aquela cara alinesca de reprovação e indício do meu azedume já conhecido.
Queria ser como ela, no fim.
Queria ser uma boa amiga.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Shhh

Ironicamente, ainda não estou pronto para ele. Talvez seja a música, minha dj da criação, se é que dá pra chamar de criação este ato de cuspir da mente pro texto. Em alguns contextos, mais parece destruição, desconstrução, fragmentação. Ótimo! Poder olhar para pequenas partes e apreciá-las melhor do que aquele todo confuso e difuso, aquela floresta de ideias borradas pela miopia de uma mente inquieta. Que nesse momento de agitação mental algo se elucide e na calmaria a seguir eu possa apreciar serenamente algo que nunca tinha percebido na confusão que se segue dia após dia.

Scataplam!

Zook pode ser chamado de Nook, então nunca se sabe. Sebe, a cerca que nos cerca já vai alta demais, já é tarde demais, mas somos tão jóvis, eu já tenho 30, nunca NUNCA NUNCA NUNCA mais terei 20 e poucos, nem mesmo 20 e muitos, é passado, estou bem passado, torrado, defumado pelas letras e pelo sol que brutaliza meus meio dias e as saídas em busca de comida, por ruas sem nome, matando a fome, matando o tempo, matando as células, carcinando, o dia passando, a tarde chegando, malpassando de vez em quando, ultimamente melhores, algumas sonolentas, pança cheia e mente vazia, mas o que importa é o saco, saco suado, as tardes são quentes e as noites ventosas, secando o suor, chovendo é melhor, o que importa é a cara, o que importa é atitude, o que importa é o porto, o que comporta, se bem comporta, belo porte, belas tetas, boas ideias, anote para nunca mais, há mais, mais o que dizer, mais o que pensar, não sei se importa, que importante seria dizer, dizer, dizer, contar como eu me sinto, mas não consigo sentir nada além dessa vontade de sacolejar, não posso acreditar em um deus que não saiba dançar, faz sentido, sabichão universal tem que saber os rituais pagãos, saber mexer os quadris, está tudo nos quadris, são eles que importam, são eles que portam e parem, parem de inventar coberturas, desenhar arquiteturas, parem de esconder parede a dentro, cortina a fora, parem de guardar seu sorvete para mais tarde, parem, ele derrete, chupe agora, chupe, engula, engole tudo, manda ver, quero ver, quero mais, sempre mais, chega.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Notas

Antes dos shows normalmente eu gosto de sentar no balcão e beber algo gelado, acho que é porque me lembro de filmes que meu pai olhava quando eu era pequena, aquele pessoal de preto, mau encarado, sentado de costas para todo mundo. Badass. Eu sei o que muitos dizem de shows cover de outras bandas, mas eu não consigo resistir quando é algo que me agrade, ainda mais de uma banda boa. Nada se compara à Moby Dick é claro, cover de Led e infelizmente desaparecida do mapa. Me pergunto onde estariam enfeitiçando as pessoas com aqueles sons maravilhosos. Esse dia também estava bom, era um cover de Floyd.
Sentou do meu lado um cara de terno. Quem é que vai de terno num show? Um garçom?
Ri baixinho e pra mim mesma. Só faltava ser um crente, um representante "dele", já ia dar briga caso fosse.
Já me imaginei ateando fogo em uma igreja. Só pra ver como fica.
Na minha cabeça a coisa toda era bonita demais, prazerosa demais, quase tão bom quanto transar. Vingar todas aquelas mulheres entregadas ao fogo da intolerância, por afrontarem o personagem fictício famosinho criado pelos velhos de saia. Afinal, onde já se viu ter a capacidade de gerar vida?
Melhor erguer templos e cagar regra.
Hoje o fogo da intolerância é regido por dedos rígidos que apontam os culpados, apontando sempre para o outro, ou o próximo. O próximo pode ser você.
É um pouco mais psicológico, não tão grosseiro como antigamente. Ainda assim, os homens seguem morrendo e as mulheres seguem sendo estupradas. Um incômodo crescente. Melhor não pensar muito. O fogo fica mais a cargo da pólvora mesmo, mais rápido e eficiente, basta acertar um órgão vital e aí tchau. Eu é que sei, de tanto ver gente morrendo.
Algo me diz que faz um bom tempo que é assim, mudam os jeitos, mas as gentes não tanto.
E eu sei, eu sei que um dia eu disse não saber como solucionar, e sinceramente ter parado de procurar.
Como se não me importasse, mas pelo menos não fico fingindo me importar. É. Chega a ser irônico eu me gabando por não fingir, mas nessa parte pelo menos é verdadeiro, ou eu penso que é.
A minha raiva passava quando a banda entrou com as últimas canções cover do dark side of the moon, foi quando eu me dei conta que algumas poucas notas musicais eram capazes de resolver muita merda.
Se existisse alguma solução, seria algo parecido com isso sem dúvida.

sábado, 27 de janeiro de 2018

Contas

Poluição, nossos narizes entupidos, cheios de tatu. Cascos de cavalo batendo nas pedras. Fumaça e som de escapamento. Luz da fogueira aquecendo o acampamento. Brilho da tela iluminando nossas caras cansadas. Saco de dormir recuperando nossos ossos fatigados. Há pouco tempo para um dia só. O tempo passa devagar. Conta corrente, depósitos virtuais rolando entre nós. Dividimos o ouro, saqueamos algibeiras. Reuniões, sindicato, comunidade, grupo, bom dia. Iniciado na ordem do arco, fugitivo da guilda dos ladrões. Devemos esperar o sinal verde. Podemos derrubar algumas árvores e construir uma torre de vigia. Botão do elevador, oitavo andar, fecham-se as portas, um bom dia para vocês. Roldanas, que invenção incrível, melhor que isso, só gravidade revertida. Gravidez interrompida, proibido, mas nada que uma grana não consiga. Mortalidade infantil, natimortos divinos-diabólicos. Deixa comigo, professor, três pontos na conta. O arcano imprestável. Seguimos na luta do dia-a-dia. As preces do dia foram atendidas, um milagre se realiza, a CURA É POSSÍVEL ATRAVÉS DA FÉ. Foco e força é o cu da vó, ninguém escuta tuas conversas contigo mesmo. Alaúde, flauta, tambor. Bateria, baixo e guitarra. Voz. Voz. Verdade de faz de conta. Fingimento de verdade.

Pife

Qual o sentido em realizar essa viagem, seria ela realmente necessária? O quanto pode o capeta te afetar, o que ele diz, o que ele faz, quem fala em nome dele, será que algo te toca? Não tenha medo, o que ele puder fazer, fará, independente dos teus cuidados, como a morte um dia chega sem te pedir permissão; ouço a voz distorcida em uma mensagem profunda, ecoante. Olhando para sua superfície, não a compreendo; temo adentrá-la, em um mergulho, único jeito possível de entender; me preocupa pensar em que podem implicar seus ecos. Comida para quem precisa de comida. Guerra, planeta água. Pode um barco navegar sem marinheiro?

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Vocês também foram enganados

Faz um tempo já que desisti de certas coisas. Existem coisas úteis, coisas aparentemente úteis e as completamente inúteis.
Uma coisa completamente inútil era se debater frente àqueles velhos. Velhos vampiros podres de ricos.
No meu caso eles ainda tentavam ser "legais" a fim de me paparicar. Tenho muita raiva.
Acabo sempre fingindo um de meus melhores sorrisos falsos, para mascarar a vontade de matar.
Quem nunca teve vontade de matar alguém?
Pra mim é uma vontade recorrente, constante.
Mas também não sou nenhuma santa e nem quero ser. Ficar escondida atrás de um véu, fingindo saber dos quereres de deus e morrer de vontade de transar se sentindo culpada por isso. Não é uma vida que me agrada.
O que mais me incomoda ainda são essas gentes. Gentes dos caminhos certos, paladinos dos bons costumes e cidadãos de "bem". Quando preciso tirar sangue deles, não consigo evitar de usar a seringa do pior jeito possível, justamente pra doer. Sei também que não deveria fazer isso, ou sinto que não deveria.
Minha menstruação está atrasada e a expectativa é agonizante, um ciclo sem fim. Era só o que me faltava ter um filho agora, no meio de toda essa lambança. Seria só mais uma aflição que também afeta a mim.
A seringa enche e o sangue é fresco mas o engano é antigo. Encarei aquele senhor nos olhos e vi sua frustração com a vida, uma vida vivida sem sentido. Uma vida inteira sem dar bola pra nada além do seu próprio umbigo. Provavelmente sua risadinha asquerosa pra minha bunda quando eu me virava também era falsa, era só pra se afirmar como um integrante do seleto grupo masculino heterossexual.
Uma profunda tristeza. Um fingimento incessante.
Era uma risadinha amarela sem dúvida, risadinha de quem está doente indo de encontro a morte.
Um deboche de si mesmo, tentando desesperadamente se agarrar às últimas ilusões reconfortantes.
Mas eu nunca vi o engano aliviar dor nenhuma.
Por várias vezes eu me senti enganada, em quase tudo o que já pensei desde a minha infância até mesmo hoje na fase "adulta". Em quase tudo o que escolhi.
Mas vocês também foram enganados.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Mutação


Em um momento, uma pequena mudança; depois, uma leve adaptação, fugindo da estagnação. Aquela mudança pode ser adaptada e melhorada, a experiência vai nos guiando, nos aperfeiçoando. Quando vê, temos um belo equipamento capaz de realizar incríveis tarefas no lugar da nossa mão. Conhecendo um novo pedaço de cada vez, foco nos detalhes, diferente a cada dia, mas na essência o mesmo. Sim, de um dia para o outro, a distância é pouca. Depois de meses, reconhecer-se, a soma de todas transformações, continua fácil. Mas e ao ver novamente, após anos, aquele teu antigo eu, aquele que tu cultivou e aprendeu a gostar: é fácil lembrar dele?

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Sobre pensar e passar

Deu um abraço meio sem jeito, mas ainda um abraço.
Reparou que ainda havia a beleza que sempre houvera.
Era possível que tivesse se esquecido de tudo.
Pensou que não.
Ela praticamente o ignorou, seus olhos cruzavam de um lado ao outro da mesa, pulando por sobre os dele como se não pudessem se encontrar.
Talvez teria medo de encarar.
Pensou que sim.
Os diferentes rótulos marcavam a passagem das horas, o tempo que fora cedido ao acaso.
Em seu braço carregava as finas linhas de seu coração.
Uma mensagem, talvez.
Pensou que não.
Tentou chegar mais perto, tentou ficar mais longe, tentou fazer que não estava ali.
Por um momento funcionou, focado naquele pequeno espaço vazio que por vezes ainda ecoava, mas era impossível ignorá-la por muito tempo.
Mas... haveria motivo para fazer isso?
Pensou que sim.
A noite se aproximou do fim e o carro, lotado, vagou pelas ruas em busca de algo para matar a fome.
No fim, em confusão por não saber como se sentir, se sentiu um incômodo.
Deu outro abraço meio sem jeito, mas ainda um abraço.
Pensou que era bom.
Mais tarde pediu desculpas por não haver se desculpado.
Achava que fizera algo ruim.
Pensou no que havia visto durante a noite, em seus risos e movimentos.
Era possível que ainda existisse algo ali dentro?
Pensou que pensava demais.