sábado, 30 de agosto de 2014

Por pouco

Tenho pensado pouco, escrito pouco, lido pouco. Tenho expressado pouco, tenho parado pouco para pensar em tudo. Me tornei alguém produtivo. Quando trabalho, trabalho. Deixei de ser um autor clandestino, porque tenho escrito pouco. Podei de mim a criatividade que poderia ter. Lendo textos publicados em 2012, percebo que já desempenhei melhor o papel. Todos nós, na verdade. Ando preocupado, ando distraído por outras necessidades da minha atenção. Perdi a coragem, revesti a sensibilidade que aprendi, outrora, a valorizar.
Vendi-me por pouco; por pouco, eu poderia ter sido outra pessoa; por pouco que me resta, ainda não me desintegrei por completo.
Céus, até me queixar sobre o tempo passado eu fazia melhor antigamente.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Algo

Há algo nesse lance de viver, nesse jeito de atravessar pontes, andar entre os dias de um futuro sem promessas. Há algo que reluz em um sorriso, algo que se possa dizer de uma pessoa para outra, sem pretensões.
É muito bom ser quase ninguém. Pisotear calçadas sem se importar com a chegada, ver uma coruja nos galhos de uma árvore. Ser alguém só para quem tu quer. Escolher seguir as melhores regras, aquelas que nos servem. Não ser reconhecido. Não ser esquecido por gente que não pretendia te conhecer.
Há algo de doce naquela caixa de correio na casa sem cerca bem na frente da padaria mais simpática da cidade. Há uma cidade esperando, borbulhando, querendo nascer. Sim, nossos personagens querem vir à tona, querem ser atoa, ficar devarde.
Há todo amor em uma sensação que se perde e reencontra, acima das distrações, dos embustes e outras peripécias que os meios de tarde nos pregam; não existem pacotinhos, objetos que possam contê-lo. Esse advento chamado amor rodopia sob o sol, preenche as ruas, atropela os planos, explode cabeças, ocupa espaços. Sinto-o no ar, sinto em mim todo amor que pode existir no mundo, e o mundo vive por ele e a primavera vem chegando, como sempre, finalmente, amemos.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Papo de Surdo e Mudo

Diziam, que todo advento necessita uma proclamação.
Mas o advento daquele que não veio é um simples piscar de olhos, uma simples constatação. Graças ao Diabo. Isso, se relaxado e bem servido, de uma grande fatia do bolo místico que rege a consciência.
Do contrário, graças a Deus.
Afinal, graças a Deus, não tenho tempo para fazer o que eu gosto, ou o que eu quero e quando quero.
É graças a Ele, que não chego a conclusão nenhuma em função do pouco tempo que tenho para dedicar-me a mim mesmo, ou aos que gosto, naturalmente nem Ele nem o Outro entram nesse jogo astuto. Porque? Acho que porque não cabe. O que é parte não cabe ao todo.

Chuva.
E era uma chuva boa, mas não para limpar a imundície das ruas. Márcia dizia que quando se ficava em silêncio, havia um choque. Era um grande choque, as pessoas ficam chocadas com o que vêem quando realmente vêem. Só parecia um esgoto aberto na verdade, uma cegueira daqueles que podem ver.

Chuva.

Quinta-feira e um homem velho, bem sucedido, mas não na arte do bem estar, nem na arte de falar.

Ela tinha perguntado se o moço que o acompanhava era seu filho. Não. Não que ela já não soubesse a resposta, mas dizia respeito aos bons costumes e também a ser uma boa moça para  com os pacientes.
O filho dele, provavelmente estaria estudando medicina ou direito.
Media a pressão do senhor enquanto ele comentava azedo sobre estar chovendo.
Ele pedia sem ao menos falar, uma injeção para a alma. Pedia um remédio para a solidão. Trocaria suas roupas caras por um caro carinho.
E era caro, porque nesse caso ela não saberia dar. Poderia trocar por algo que ela quisesse, não sendo mais um carinho, afinal o que é dado não tem valor.

Estava quase suando. Pela janela embaçada, o movimento e o calor do lado de fora indicavam o humor da cidade.
Choveu mas não esfriou.