quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Maionese e Catiupe

É como estar gripado. Pelo menos alguns sintomas poderiam ser comparados. Será mesmo uma doença, ou será só invenção? Auto diagnosticar é ainda assim um diagnóstico? Doutor, de alguma enfermidade eu sofro, disso tenho certeza. Talvez seja algo novo, quem sabe.
Sabe como quando a gente come e a comida não tem gosto, parece que é um sacrifício engolir? A gente toma um café e parece água suja. Serve um omelete e enche de catchup, pra ver se pega no tranco. Cuca com maionese. Alguma coisa tem que sentir, se não dá aquele tempero delicioso de um dia fresco ensolarado, que seja a descarga da indústria direto no nosso prato.
Faço, faço academia sim. Três dias por semana, pelo menos, alguns dias a mais só de caminhada. Eu adorava fazer exercícios pra ganhar resistência, sabe. Hoje em dia faço só o básico mas tá de bom tamanho. Perdi vários quilos, sim. Não sei se é a dificuldade de engolir.
Quando eu venho aqui, parece que passa um pouco esse torpor. É, aprendi a palavra só pra poder descrever a sensação. Então, depois eu vou embora me sentindo aliviado, como se tivesse entendido a diferença de estar bem e não estar. Aí eu sinto realmente a satisfação aquela. Que nem comer uma carbonara bem feita, gosta? Não tem como não, né. Por uns dias, às vezes mais ou menos, talvez semanas, é como se a gripe passasse. Um espirro ou outro, de vez em quando. Outro dia uma tosse. Dormência no pé. Os sintomas vão voltando sem que eu sinta. Eu espirro e em vez de desejar “saúde”, tentam assaltar um pouco do tempo que me resta. É assustador, confesso. Até que vem uma manhã refrescante e eu noto que ainda me sinto abafado. Claramente, sabe. Aí eu percebo que voltou. Será que tem a ver com ficar demais em casa? Dá pra continuar depois? Tenho outro compromisso agora.

domingo, 3 de outubro de 2021

Debaixo do sol V

Como um sopro de um vento que vinha do leste. Ou uma palavra que ninguém queria que dissesse.
Um lugar mal falado, fadado ao fracasso. Uma alternativa que não era cabível.
Tão cedo me dei conta, senti um calafrio.
Uma cura amarga de um remédio que nunca tomei. Os pensamentos a mil, todos em alta velocidade e em muitos ruídos diferentes. Um único som de dúvida.
Uma incerteza que não se vê e não se sente.
Uma vida vivida com medo.
Um dia depois do outro. Assim como o coração que toca sangue sem por quês, sem razão aparente. Um mistério permanente.
A sobrevivência de uma sobrevida.
A miséria que precisa existir. Para que você tenha a quem ajudar. A boa ação do mês. Ou do ano.
A paz aparente, tentando esconder aquilo que você realmente sente.
Acorde, trabalhe e depois dorme.
Nasça, cresça, envelheça e depois morre.
Se não assim, de que forma seria?
Todas as perguntas não levam ao fim.

Acordou normalmente. Num calor diferente do aconchegante.
Teve que cobrir os pés com meias e um all star branco.
Regras que seguia apesar da rebeldia. Um silêncio em seus lábios que cobriam um belo sorriso, coisa rara, para quem tivesse a sorte de presenciar.
Como uma música que durava mais que muitos gostariam e menos que poucos apreciariam.
Fez tudo o que fazia com a pouca vontade que não lhe faltava.
Um exemplar funcional de uma espécie em extinção.
Muitas coisas que tentava segurar escapavam-lhe a mão.

Ao sair do seu prédio, em um momento de lucidez melancólica, Júlia olha para o sol.