terça-feira, 17 de julho de 2018

Helena

  As poças no pátio de trás da casa indicavam que a temporada de chuvas começara, e, mesmo estando em seu princípio, em alguns locais a grama já dava lugar ao barro. Fugindo da rotina dos dias anteriores, o sol brilhava forte e não havia vento, tornando o dia bastante agradável.
  Isso, porém, não fazia diferença à pequena Helena - uma encantadora menina de cabelo castanho claro, completando quase 5 anos - que, correndo pelo pátio, com uma roupinha velha e botas azuis, tomava o cuidado de pular em cada poça, fazendo a água lamacenta respingar para todos os lados, comemorando a cada nova poça pisada.
  Sentada na escada que dava acesso da varanda ao pátio, uma garota de cabelos loiros ondulados e pele clara, como a lua, descascava mais uma bergamota enquanto observava a pequena em sua incansável corrida. Uma pulseirinha dourada - presente do seu décimo terceiro aniversário - trazia gravado seu nome, Mariana.
  Mariana observava a pequena Helena quase como se pudesse ler seus pensamentos, quase como se pudesse sentir em si a alegria da pequenina em sua dança das poças, lembrando de si mesma brincando na água em algum dos tantos vídeos que seus pais mostravam. Sabia, entretanto, que a mãe de Helena provavelmente não iria querer gravar vídeos se visse o que acontecia agora, ia ficar um bocado brava, mas Mariana não se importava muito com isso, era só tomar banho e lavar a roupa, afinal.
  No céu azul, ao longe, um avião deixava um rastro de fumaça branca, e quando os olhos de Mariana se voltaram para o céu foi que aconteceu.
  Helena piscara.
  Não piscara com os olhos, como se espera quando alguém diz que “piscou”.
  Piscara do jeito que as coisas fazem na tela de uma TV quando desaparecem e aparecem de novo, como se ela, por um breve momento, tivesse desaparecido.
  Os olhos de Mariana se voltaram imediatamente para Helena, que ainda estava ali, pulando em mais uma poça, rindo como se nada tivesse acontecido. Mas diferente dos adultos - que provavelmente sequer dariam bola pro acontecimento, não contestando o que suas lógicas diziam ser impossível - Mariana sabia que tinha acontecido, afinal, já acontecera antes, porém ninguém acreditara nela.
  Sentira, naquele mesmo momento em que Helena piscou, que a menina jamais estivera ali, que ela jamais existira. Como se o vazio tivesse consumido todas suas recordações e devolvido uma fração de segundo depois, o suficiente para ser confuso num primeiro momento, e cada vez mais doloroso nos instantes que seguiram.
  Lembrava de quanto a amara desde o primeiro momento, e de como - mesmo não havendo laços de sangue - a considerava como sua irmãzinha. Foi tomada por um súbito desespero e sem pensar correu, correu em direção ao ponto onde Helena sapateava em mais uma poça , e, caindo de joelhos ao lado da pequena, a abraçou.
  - Nunca, nunca mais faz isso, tá?
  - Uuuu que, Maiana? - indagou curiosamente Helena.
  - Nada, esquece. - Mariana recuou um pouco soltando a garotinha e secando os olhos lacrimejados. Encarou-a por um tempo e revelando um sorriso, lhe disse - Te amo, tá?
  Helena olhou-a por um momento, e num gesto muito característico, semicerrando seus olhinhos verdes em meio a um grande sorriso, apenas respondeu:
  - Eu tumbém tim amu! Tááá?
  Mariana olhou novamente para o céu, - inconscientemente segurando Helena - encontrando a trilha de fumaça do avião, que agora mais parecia um longo traçado irregular de aquarela e suspirou.
  Em algum lugar distante trovões ecoaram, sinal de que uma tempestade se aproximava.
  Estranho - pensou ela - parece um dia tão bonito.
  Pegou a pequena pela mão e novamente sorrindo, a convidou:
  - Vem, Helena, tá na hora de entrar.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Laranja e Acerola

E foi ali, no meio do meu percurso até um copo de suco, que se fizera ser em meu mundo.
Aceitara mudar seu destino, e grato lhe sou até hoje por esse pequeno gesto.
Trazia, em meio à toda sua beleza, a força herdada pelos caminhos trilhados.
Caminhos, esses, tão diferentes dos meus.
Em um impulso toquei-lhe a mão, sequer considerando o peso de meu gesto.
E em meio a sorrisos e risadas, perguntas e respostas, goles de suco e teorias, olhares e deslumbres, um novo sentimento percebi brotar.
Naquela mesma noite algo nasceu, algo que nas semanas seguintes se fez crescer.

Músicas e mensagens.
Amigos e ligações.
Abraço e frio na barriga.
Beijos e histórias.

Aprendemos, crescemos, superamos, rimos e amamos.

O tempo passa e junto com ele minha admiração por ela cresce, meu amor por ela aumenta e a vontade de ser sempre sua pessoa se mantém irredutível.
Nela me espelho, nela me inspiro.
Por ela quero ser sempre melhor.

Grato sou a ela por cada carinho, cada gesto, cada momento.
Afortunado sou por sua presença em minha vida.
Feliz por saber que com ela posso ser família.