sábado, 17 de março de 2018

Engolida por deus

Em Golida, trabalhava Jozina.
Cidade pró-espera, recanto do trabalho, pois, graças, há deus.
Mas nada era de graça, como um nó, um aperto na garganta. E ali perto, do pavilhão, aquele do Luthier Vicentão, morava ela, Jozina, e mais um montão. Tudo peão.
Longe de sua casa, das coisas que há calma, onde há alma, onde senão no dia a dia? Um depois do outro, com a sua família.
Há muito que não iam em Golir.
Mas se em Golir, piorava a situação, o que sobrava então?
E em Golida, o tempo do crescimento econômico e também o da mastigação, há muito haviam passado. Há na via que começa em Golir e que em Golida passava, quase nada de esperança. Pouco, pouco. Há titude era o que faltava, dizia a notícia. Diziam os especialistas.
Pois em Golida, Jozina já andava cansada. Dona de casa. Da sua casa alugada.
Com as chuvas há lagamento, mesmo onde não há pavimento. Onde normalmente era morada, lá atrás dos pinheiros, também propriedade do dono, Vicentão, o chamado proprietário. Dono de coisas e pessoas.
Começou pequeno, num escritório, e no pensamento há temporal que ditava sua conduta de marinheiro.
Mas esse era cancheiro
Diziam os pioneiros. Grandes navegadores no mar das finanças nacionais.
Com a casa há bandonada, Jozina ouvia notícias sobre o crescimento e a recuperação em Golida.
Há deus? Se perguntava.
Havia de ir embora. Pela via que passava em Golir. Em Golir há salto, por fim disse o especialista no Jornal Nacional. Há bandono.
Há dorno, coração.
Só resta pedir perdão.
A via era reta, mas Jozina só andava em círculos.
Por deus! Cheguei em Golida novamente!

segunda-feira, 12 de março de 2018

A comunidade não aguenta tanto tempo sem água

Adão manejava a máquina enquanto Pedro estava sinalizando o pessoal das pistas. Foi assim que aconteceu o acidente pelo que ouvi dizer. Mais um atendimento e menos uma pessoa no mundo. Meu trabalho não era saber, mas eu fazia por curiosidade.
Mais sangue nas minhas mãos, mas atendia com prazer. Porque quando precisei de asfalto, ele estava lá, graças a esses caras.
A ralé da sociedade, como alguns diziam.
Acontece que se a periferia não descer pra cidade, nada funcionaria. São eles que fazem as coisas mais importantes, que não queremos fazer, por um valor que jamais faríamos. Nós, as bundinhas brancas da cidade, os dentes escovados e as unhas pintadas. Caro esmalte. Cara política de segurança pública, que nos faz tratar gente que nem lixo.
Mundo das aparências, aparente semelhança, com os muros e as cercas. Muita coisa pra engolir.
Mas pra eles as coisas sempre foram piores.
Me disfarço de ouvido mas não sou boa ouvinte.
Me faço de bem educada mais como ato de rebeldia.
Rebeldia é ser generosa, é ser bondosa. Rebeldia é tentar tratar alguém como ser humano. A verdadeira corrupção.
Porque a ladainha também já estava no meu sangue.

E ainda ouço gente dizendo que as coisas vão se sacudir se a periferia resolve vir para o centro.
Nem cigarro eu iria conseguir, se ela não viesse diariamente.

quinta-feira, 1 de março de 2018

O que não importa não importa

Você pode ver o quão estúpido isso é?
A corrida que engorda, um enfado, um disparo?
Tem alguém aí pra me ouvir gritar? Pra me ouvir chorar?
Chorar por dentro, com um sorriso estampado na cara.
Se fosse do meu jeito vocês seriam fuzilados.
Apenas pare. Quero ir pra casa, tirar esse uniforme e sair do show. Esperar ser julgada no silêncio do casulo de concreto. Um juiz grande e gordo, que come mais do que precisa, que cava fundo na escavação da mina do sucesso. O que espera encontrar além de mais lama?
E eu sinto o fedor da lama respingada em mim. Culpa.
Me pediram um cigarro e eu dei a carteira inteira, nunca tinha feito disso.
Que morram rápido.
Descontar a raiva em um objeto inanimado, um invento de atravessar paredes.
Gritar sem sair som algum.
Sentir-se mesquinho ao passar por tanta gente morando na rua e um pouco menos mesquinho por notá-los. Às vezes isso é só o que pedem.
Mas vou correr. Correr sem sair do lugar. Transar sem me apaixonar. Viver para trabalhar. Levar adiante diversos condicionamentos inconscientes e falidos. Descaradamente falidos. Depender diariamente da tecnologia que me humilha. Andar no trem sem dar bola pra nada. Adoecer entre quatro paredes.
Lentamente fechar os olhos e tentar descansar. Deixar escorrer o dia entre os dedos. Mais um dia o cacete, menos um. Sempre menos. Cada vez mais, menos.
Não há maquiagem que chegue. Não há cosmético que cure feridas. Não há ego que substitua o que mais importa.
E não basta saber.