terça-feira, 25 de outubro de 2016

Ab Aeterno Sum

Já eram sabidas as palavras. Era uma bela frase. Bela, como só mesmo as palavras poderiam ser. Essa linguagem que não aquieta.
Não basta saber.
Mas o discurso nunca deu conta da realidade, nem o discurso e nem os números. Se buscava aos trancos, às cotoveladas até. Há cabo para se dar. Muitos cabos para muitas coisas. Freios de mão para puxar.
Porque a angústia bate e volta. E é nessa distração que não se percebe a ilusão, do grande mago universal, visto apenas através de um espelho. E que trama!
Há sempre um plano de fuga, mas no fundo se sabe que não se foge de si mesmo. Que há uma falha no plano.
Então se retorna. Onde tudo começou?
O primeiro pensamento. A primeira inquietação da mente.
A mesma que faz parecer que todos os dias são iguais. Que esconde o senhor do ego do testemunho da natureza da terra. Seu maior temor.
E a lama vem cobrindo o rio de águas cristalinas que corre através de nós e além.
Lute, mas de brincadeirinha.
Como uma criança num enorme chão de brincar. Mundos imaginários.
Não há solidez nos inimigos criados por nós mesmos.
A flecha voa e a pétala cai.
O fogo consome para depois se apagar.
O escudo da ignorância se argue ao alto.
Por isso toda vida que começa tem que acabar.

A lâmina da lucidez nos escapa à mão.
Falha de comunicação.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Reflexo do reflexo

Acordei de susto, mas uma vez apenas. Não lembro qual era o sonho, mas não era lúcido. Estiquei meu braço e com as pontas dos dedos consegui alcançar o telefone, fino e enorme em área como eram todos os modelos mais recentes. Cinco e doze. Normalmente gosto de dizer que me conheço, mas dessa vez não prestei atenção ao cansaço dos meus olhos pra saber que ainda não era hora de levantar. E eles se fecharam novamente. Acho que meu braço ficou pro lado.
Acordei novamente.
Com meu toque musical de 'britadeira' como diria o meu tio Adão de São Chico. Pra quase acordar batendo cabeça. Sentei na cama me sentindo com 10 pés de altura. "Esta é minha página inicial, esta é minha nova era..." Teria dito Daron na sua voz de angústia. Ou pelo menos é assim que eu a ouço.
Quando levantei tropecei no meu allstar vermelho, a caminho do meu espelho iluminado pelo dia.
Nesse momento refletindo algo que talvez eu esquecia.
Comecei a me olhar de alto a baixo.
Me senti velha e jovem ao mesmo tempo. A ação passou de análise a contemplação em alguns minutos que não sei quantos. Vi meu pai, vi minha mãe. Vi rugas e também cicatrizes. Vi meu rosto de choro seguido do de orgasmo.
Me vi aumentar e diminuir. Envelhecer pra depois rejuvenescer.
Voltei a atenção aos meus olhos cansados e vi mais um reflexo.

Dei um pulo quando o celular despertou novamente.
Depois disso, apenas vi o que sempre vejo quando estou na frente do espelho.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Dois pra lá

Tu entra num beco, acha que é uma escolha.
Abre uma porta, pensa que foi por querer.
Vota, porque sabe escolher.
Entra numa dieta, era a coisa certa a se fazer.
Bota no crédito, e não no débito.
Passa no amarelo, que dava tempo.
Solta uma palavra espicaçada como um parto que não deu certo e resultou em uma série de mortes; mas era só brincadeira.

Ácido

Não sei por que vem. É como o medo irracional, é como uma palavra de outros tempos que causa uma sensação estranha. Não sei. Me pego pensando, quando estou fumando, um, dois, às vezes três, que normalmente paro e penso quando fumo. É como a barrinha da bateria do meu smartphone, essa palavra estrangeira pra fazer referência à um aparelho que também me escraviza. Penso o que seria necessário fazer para não ser mais testemunha dessa tecnologia que nos humilha.
Não falo só de componentes eletrônicos. Tecnologia é mais abrangente que isso. O que é afinal?
Poderia fazer como muitos por aí e tomar de assalto uma verdade pronta: O que vale é o que eu digo.
Tenho a impressão de que não faço isso. Mas isso é tudo, uma impressão. No fim devo ser só mais uma hipócrita, que acha que fala o que pensa mas não faz o que fala.
Ter e não ter. E quem negará que são sobre isso todas as brigas?
Às vezes me sinto como o Rogério. Não que eu ache que sou depressiva. Mas vem aí mais um de meus dias. É como um peso recorrente, não sei daonde vem, não sei praonde vai. Às vezes vem e não fica. Não se cria. Um arauto do desespero falido.
Prefiro pensar que é somente o contrabalanço dos momentos alegres e meus poucos sorrisos sinceros. Felizmente não tão numeroso quanto.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Falha de comunicação

O montante falado era muito, desde ponderações temporais até emoções confusas, algumas delas íntimas.
Mas é o que pode se esperar quando se conversa consigo. não há um segundo sequer de trégua. Se quer. E quero.
Se tenta perceber onde está a revelação do código da programação que cria a ilusão de que é um dia depois do outro e um igual ao outro. Por isso desacelerar.
Para a cabeça que não pára.
Confusões da linguagem. Ponto de fusão.
E a comunicação é falha. Não dá conta nem nunca deu.
Me pergunto: como conversaria comigo mesmo, caso não tivesse aprendido linguagem nenhuma? Que palavras usaria, se não conhecesse nenhuma?

Sede

Em alguns casos é uma distinção difícil de fazer - entre chorar e sorrir, na possibilidade de ambos ao mesmo tempo, um por causa do outro.
Não é bem como ter uma dívida, mas como ter tanta sede que durante o primeiro copo já saber que o segundo ainda não será suficiente.
Já pensei que sabia o que rolava por aí; mas aprender é primeiro ter uma certeza pra depois demoli-la.
E como é fácil se enganar com as ideias, pessoas e cheiros.
Nos chamam pra exercer nossos direitos, gritar por nossas vozes, romper alguns cadeados convenientemente necessários em locais estratégicos.
Sinto um sono levemente confuso e abro os olhos apenas parcialmente.
O que, no fim, é bom, evita exposição excessiva à imagens inesperadas.

É pura mentira

O Snoopy para e pensa e eu não consigo pensar. A animação que faria ele bater as patinhas na máquina de escrever trava por algum motivo qualquer. A minha animação em escrever sobre algum assunto qualquer trava minhas teclas e me incomoda.
Falar sobre não saber o que dizer sempre esteve lá como um último, penúltimo recurso; na falta de algo melhor, mais interessante.
De repente, ele volta a escrever.
Mentira, eu que o forcei a isso.
Onde estará o seu grande amigo?

Quem é capaz de invejar a si mesmo, uma estampa sua de um momento passado ou de um futuro promissor que soa perfeito apenas pela sua capacidade de nunca ter ainda existido?
Soa como algo tremendamente humano, se tal coisa há.
Há anos não bebo conhaque, mas já escrevi sobre ele várias vezes neste meio-tempo.
Metade do tempo jogada fora, senão mais.
As celas superlotam; o Rio Cadeia transborda; a prisão de condenação auto-imposta é lugar pra vagabundo.
Este quadrado preto representa a incapacidade humana de refletir.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Escanteio

Juão tocava e eu pensava - o que pode ser mais triste
que um piano em algum canto e um homem sozinho
um lá bemol de Abandonado
E alguém olhando de lado, fingindo não ver
Que a miséria é um tapa-olho melhor que a peneira, e até mais seletivo.

sábado, 15 de outubro de 2016

O apanhador de cenouras

Não parece uma fruta, certamente. Alguns dizem que é hortaliça...
Haviam muitos obcecados atrás destas obras do canteiro. Um enorme canteiro. Uma horta, lá no fundo, no canto. Se fizer como eu lhe digo. Disse o senhor empreendedor. Seriedade ímpar. Estamos aqui para vestir a camiseta, se esconder atrás da gravata e fazer parecer cidadania. Afinal isso tudo é muito sério. Nota-se que a palavra 'seriedade' compunha um tomo sagrado às vezes confundido como 'chaveiro'. Porta chaves. Todas eram 'palavras chaves'. Algumas eram mais do que chaves, eram molhos de chaves. Um molho sem tempero de sabor acre, que dava um toque especial ao Jornal do Almoço. Um sabor único, sem dúvida.
Mas todas essas chaves, destrancavam as portas uma a uma. Passo a passo. Algumas portas davam em escadarias, obra de gênios, segundo alguns. Um degrau depois do outro. De pés descalços? Nem pensar! De sapatos, bem engraxados. Um terno arrumado.
E quando todos aqueles que abriram tantas portas, subiram várias escadas, se depararam com uma sala quadrada. Não poderia ser redonda.
Haviam nela ainda muitas outras portas de um formato curioso e sem maçanetas ou fechaduras. Até porque acabaram-se as chaves.
Acalmem-se. Disse um senhor já nesta sala. O melhor está por vir.
Enquanto conduzia um a um a seu próprio caixão, a última parada.

Haviam prometido a chave mestra.
Mas era apenas o fim da vida e nada mais restava.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Ponta rosa

Eu faria diferente. Já pensei igual, sendo diferente. Entre xícara metade cheia ou metade vazia, prefiro uma xícara de café até o talo. Com um talo, um pito. E já levei muito piço, dos pais e amigos, por fumar assim. Mas é aquilo: Entre um maço de cigarro e uma lata de cerveja, tudo é morte e tudo é vida.
O problema é escolha. E eu escolho vida. Só porque todas as referências sugerem morte. Assim como vou de coturno ou de all-star em uma festa onde normalmente as garotas só vão de salto.
As referências tentam te convencer a atentar contra si próprio. Os rótulos. Os julgamentos. E eu julgo também. Mas começo a saber, sabendo que não basta, que isso tudo é uma grande piada e um tanto quanto perigosa. Ora, alguém já disse isso algum tempo atrás.
Eu sei. Você vai dizer que tudo isso é fala inútil e eu vou concordar. No entanto, mais inútil que isso é beber uma xícara inteira de café e achar que a sensação que se sente é real. Ou olhar o Jornal do Almoço depois da sobremesa e achar que na periferia só existe 'bandidos'. E que um homem que se esconde atrás de sua gravata o faz por cidadania. Os exemplos são muitos.
O que quero dizer, e estou fazendo um esforço tremendo para tanto, já que não me importo, é que você pode encarar o mundo sem ser em uma perspectiva de miséria.
Não entendeu?
Confesso que às vezes eu também não.
Mas a ideia não era bem entender... era?

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Acompanhamento

Era de uma bizarrice coletiva. Tal como falavam os apresentadores. Diferentes palavras, mesma coisa. A sutileza era empregada magistralmente, só se comparava com a ignorância acerca de tal fato. Sobremesa.
No final do Jornal do Almoço é claro. A melhor ocasião. Cria a oportunidade. Disse o ladrão.
Perdão? Acho que não ouvi direito. Houve uma quebra de sigilo. Silêncio.
Sigilo não bancário. Precário, afinal.
Ri ao me ver defronte a descrição de extrema importância, mas de última necessidade.
E como é fácil?
Nunca foi. Disse Lóque ao Jacó. Este último, sem entender. E com razão.
Aperte o botão. Do paletó. Do aparelho. E do elevador. E há dor.
Rio esperançosamente do esforço em vão. Da inevitabilidade. E ao mesmo tempo do sublime.
Sei da alegria pela dor.
Originação dependente.
Perdão?
Perdi.
Fim.