Não havia peixe
ali, haviam dito. Mas havia água, algum deus quis, e, se ele
quisesse, sairia de lá alguma coisa. Tentou de novo; nada. Ondas
minúsculas caminhavam para longe do pouso do anzol, um ar frio
levantou a gola da camisa, protegendo o pescoço. Se tivesse um
barco, embarcaria nele e pescaria aquele monstro perpétuo que o
assolava lá do meio do lago.
Mas havia madeira,
algum deus a plantou ali, tão próxima da água, e alguém que
conhecesse o ofício poderia produzir um barco a partir dela; não
era o seu caso, e seu Moacir lamentaria mais este infortúnio. Soube
construir sua cabana e ela tinha goteiras, mas disso a raridade das
chuvas não o permitia reclamar. Pensando nisso e sabe-se lá em que
mais, recolhe a linha mais uma vez, sem tirar qualquer fruto dela,
preparando o braço para tentar mais uma vez, tantas quanto forem
necessárias, pés cravados na beira do lago, aquelas ondas
demarcando domínios que não são seus, verdadeiras fronteiras a
flutuar.
Poderia construir
uma ponte, chegar mais perto, encarar o monstro, derrotá-lo sem
sacar armas, pescar sem uma vara; bolear o braço cansa, vai para
casa sentar um pouco, cevar um mate, de repente sentiu sede, o ar é
seco e frio, sopra vento afiado na cara, a porta de entrada do lar é
um convite. Pela janela, mira o lago e pensa que aquele demônio não
poria a cara para fora assim, sem mais nem menos, e talvez a solidez
de uma ponte o mantivesse a distância.
Há apenas sua
linha de pesca, e os anos a tornaram capaz de voar tão longe, e há
vento, pois algum deus, talvez o mesmo de sempre, quis assim, e seu
Moacir lança seu anzol cada vez mais longe, cada vez mais perto da
atroz toca subterrânea que aquele, aquele... monstro deve habitar,
que não é possível que seja diferente.
Seu Moacir não
sabe nadar, que deus nenhum jamais lhe ensinou, criou-se peixe e
criou-se homem, uma coisa não é a outra e então, então não há
como ir lá ver o que há, resta imaginar e lançar a linha, a linha
voa sem passarar, não tem asa e por isso cai, cai tão perto que
nunca é perto o bastante de onde deveria chegar, e seu Moacir sabe
que é velho e logo cansa mas ainda é jovem, jovem demais para
encarar aquela água escura, mas um dia ele chega lá, um dia ele
toma coragem e vai encontrar a mulher, tirar ela lá do fundo, onde é
prisioneira, só pode estar presa, somente assim se explica ela ter
entrado e nunca ter voltado.