quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O MACACO ASTRAL RECLAMA
Sentado sobre o próprio rabo;
Num confortável leito almofadado,
observando os astros na tela e na janela;
Sobre os horrores do mundo lá fora;
O MACACO ASTRAL RECLAMA

terça-feira, 29 de setembro de 2015

O MACACO ASTRAL REFLETE
Sobre a situação global;
Sobre o efeito colateral;
Sob efeitos da psicologia espiritual;
Buscando um momento de compreensão;
O MACACO ASTRAL REFLETE

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Tem Gente que Gosta


Na volta do feriado, o vizinho Celson já tava com um carro diferente. O segundo só nesse ano. “Pra que isso?”, pensava Tarcísio, refletindo sobre aquele hábito de consumo. Pra nada, concluía. Era só uma forma furada de preencher algum vazio interior que tinha aquele homem, que se deixava mover por um belo carro e uma insaciável vontade de ter, possuir.
É, tem gente que é assim.
Da mesma forma que aquela guria da esquina e o namorado dela, cheios das frescuras, gurus e não sei mais o quê, seguido com conversa sobre ser vegano, sobre benefícios disso e daquilo, alimentação orgânica. Ou o filho do Celson, que cada dia andava se engalinhando com uma moça diferente, descartando uma e indo pra próxima, e se achando grandes coisa.
E aqueles velhos crentes! Com bíblia, bengalinha, levando santa na casa dos outros, fazendo questão de botar a vizinhança pra rezar. O que era isso? Uma forma de satisfazer eles mesmos, mais ninguém. Eles é que precisavam justificar a própria existência com alguma ação, agitação, preencher vazios.
Seguido falava disso enquanto tomava chimarrão na frente de casa com a patroa, a Teresa, que não concordava nem discordava, só tentava amenizar os resmungos do esposo. Mas não adiantava, era cada caso um pior que o outro, gente fazendo plástica, piá com violão sem saber tocar um acorde, e aquilo foi virando uma indignação; o Tarcísio começou a se meter na vida das pessoas, primeiro dando conselhos, depois palpite e depois quase que dando ordem.
Teve todo tipo de reação, de deboche e gente que parou de dar bom dia até bateção de boca, uma fiasqueira, e nada resolveu, nada melhorou. Mas era isso, o hábito estava criado. Tarcísio se acostumou a tentar dar um jeito na vida torta daquela gente, e o caminho era a goela.
Numa tarde de começo de primavera, o Celson lavava o carro, todo arreganhado, uma gurizada jogava bola na rua; o Tarcísio pegou na cozinha uma rosca de polvilho pra comer com o chima, daquelas bem crocantes, tinha recém comprado na padaria da outra rua. Ia voltando ao pátio, olhando o carro do vizinho, que nem bola dava pra ele; enquanto descia os degraus da varanda, nos vidros brilhantes do auto, refletiu Tarcísio; abriu a boca pra fazer algum comentário, mas em vez disso mordeu a rosca e houve um estalo: o que estava fazendo era preencher seu próprio vazio com os ecos de suas reclamações. Sentou-se, quieto, mastigou. Engoliu a rosca e todo o resto. Comentou com a mulher sobre o que tinha pensado. “Pior”, ela disse.
No dia seguinte, foi novamente à padaria; a moça serviu um suco a um carteiro e, ao ver Tarcísio, já ia pegando uma rosca de polvilho, daquelas bem crocantes, quando ele se manifestou: “Não, hoje não.”, disse. Olhou bem em volta, quase tudo parecia delicioso. Pediu pastel, pizza, torta de bolacha e na saída pegou umas paçocas, que é coisa bem boa.
Chegou em casa, não reclamou de ninguém, serviu um café pra ele e pra patroa, que comentou, antes de sorver o último gole: “É... é melhor encher a barriga da gente que o saco dos outros.”

Primavera

Como naqueles sonhos, em que o sujeito acorda logo depois que percebe que está sonhando, talvez justamente por isso; a capacidade humana de se enganar é limitada, apesar da infinitude de sua estupidez. Percebe a enganação e não acredita mais nela. Cria outra.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

E quem mais?

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Mais uma

Entre um cigarro e outro eles te olham de maneira nojenta.
Abanando como se não se importassem.
Acordar, viver, trabalhar, dormir.
Ao mesmo tempo, elas querem trabalhar sem se cansar.
Querem dormir sem perder tempo.
Querem se exercitar, mas não querem que o suor escorra, afinal vai borrar a maquiagem.
Querem comer pão de alho, mas não querem sentir o gosto do alho, que afinal acham ruim.
Querem ser o Silvio Santos, mas não querem ser camelôs.
Querem o asfalto consertado, mas não querem que pare o trânsito.
Querem saber desenhar sem nunca ter rabiscado uns palitos.
Querem saber tocar violão, mas não querem que os dedos fiquem dormentes, ou que as unhas tenham que ser cortadas. Eu tenho unhas ligeiramente compridas, mas nunca quis tocar violão.
Não querem se preocupar com o lixo, com as árvores, mas não querem enchente.
E quem sou eu pra falar?
Eu nem sei o que quero.
Mas acho que saber o que não se quer, já é saber o que quer. Ou não.
Tenho que tirar essa maquiagem de boa moça, tomar um banho e ouvir alguma música que eu goste.
Ou ligar pra Melissa, ver o que se faz de noite.
Sim. Sou só mais uma.
Mais uma que reclama.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Forte Partido

O cerco.
A fortaleza.
Muralhas e pessoas.
Bandeiras e pessoas.
Pessoas e palavras.
Se houvessem trespassado os muros externos, tomado a torre norte, posto abaixo as paredes do castelo, esperariam a poeira baixar; veriam, do lado de dentro, apenas mais uma parede, quase pedindo para ser derrubada - e nada mais.
Neste momento, a dúvida se formaria: quantas camadas mais até chegar ao núcleo da fortaleza, despedaçá-la por completo, expondo seu coração à vontade dos conquistadores. E lá dentro, depois da última, a questão que não seria esclarecida: para que tudo isso?

Escudo Arcano

Vez por outra me pego despertando de um transe sonolento, sensação de ter ido a algum lugar um tanto distante, andando a passos curtos, terreno difícil que é, caminhada entre pensamentos desconexos, como são aqueles que tentam explicar realidades. Sei que não se explica, mas saber não basta.
Olho em volta e a vista se desembaça aos poucos, mas nunca totalmente.
Como no despertar de um sonho, é difícil lembrar onde se esteve. Sei que gostaria de ter criado uma barreira, ilusória que fosse, a fim de me conceder cobertura total contra os disparos de ódio e incompreensão que jorram no mundo a cada dois minutos.
É uma ideia repetida, o isolamento, algo impossível. Ensinamentos dizem que não, um estudo aponta que não, dados e imagens comprovam que é bem assim.
Mas ainda assim o pensamento vai e volta e persiste. Não lembro de ter empilhado algum tijolo para o muro, mas sinto como se estivesse com as mãos sujas de cimento.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Malogro

Sentimento estranho. Quase como colocar uma calça comprida no primeiro dia frio depois do verão interminável. Deserto, secura mental. Páginas em branco. Estranho o ato de escrever, que por tanto tempo me foi tão natural. Mais fácil do que falar em voz alta. Me refiro a escrever sobre o que penso e sinto, não sobre os códigos secretos, as respostas para o que me perguntam, as questões banais que não calo. Pontos finais, façamos as pazes? Espero que sim. Há tempos alongava as orações tanto quanto o sono pela manhã. Acordei cedo em um dia e no outro também. Fui outra pessoa? Claro que sim. Quem sou eu que não escreve? Não, não falo de rezas, falo de orações coordenadas, subversivas, períodos longos e inexistentes. Na verdade, não me veio vontade de escrever, não quis dizer algo. Apenas quis querer, e isso não basta para afugentar a modorrenta sensação de perda do hábito. Não há a quem culpar antes de mim, então me calo.