Arlindo P. Schmitt
lembrava de histórias da guerra, coisas ruins e formas fatais de
morrer. Batalhas travadas na bala, granada, bomba de tudo que é
tipo, canhão e sabe-se lá o que mais. Tinha aquela história da
trégua no natal, todo mundo tranquilo nas trincheiras, curioso de se
imaginar. Ninguém sairia de lá para comprar presente, mas vai saber
se o comércio já tinha fabricado essa tradição ilusória naquela
época. Quem lhe contava sobre a primeira guerra mundial era seu avô,
cujo pai não morreu nela, mas matou. A guerra não prestava, mas as
histórias sobre ela, essas eram demais.
Outro tipo de
batalha que Arlindo conheceu lhe foi
apresentado pelo seu pai, lá em Songaripa, onde moravam. Era coisa
feia, mas o velho achava bonito de se ver: briga de galo. Hoje em
dia, nem pode mais, que coitado dos bichos, se matavam sem motivo.
Que tipo de criatura ia querer matar uma semelhante sem razão?
Difícil dizer, mas era fácil lembrar das histórias do avô vendo
as rinhas em que o pai apostava.
Um tio lhe falava sobre como cada homem vive sua vida em guerra, e como não é possível haver paz sem haver solidão. Nunca teve provas disso, mas os anos lhe tornaram impossível duvidar.
Cresceu numa época mais fria, onde havia menos perigo e mais
conforto, mas não menos medo. Lutou para poder votar, para poder
dizer o que quisesse, e valeu muito a pena. Acreditar e transformar.
Liberdade de expressão; significava muito, e ainda significa. Não
que, hoje em dia, ele possa dizer qualquer coisa que seja sem ser
tachado pejorativamente de alguma coisa e atirado, após um
julgamento sumário, em uma cela onde ficam os seus iguais, tudo sem
sair da frente do monitor.
É,
Arlindo entrou no Facebook, seguindo a sugestão do filho. Seria
divertido, disse, uma forma de manter contato com amigos que não via
mais – e continuar a não vê-los, fazer o quê. Era estranho lá
dentro, mas tinha seus pontos positivos. Piadas engraçadas, notícias
e polêmicas; Informação instantânea, fotos de gurias fingindo
querer esconder o que elas faziam questão de mostrar, essas coisas.
Era
uma quinta-feira de noite, primavera, quando recebeu de seu filho um
link, via mensagem naquela caixinha que pula e faz barulho na tela,
mesmo quando ele não quer ver nada. Era sobre algum tema em voga, e
o guri lhe pedia ajuda para uma batalha, mas ele não entendeu bem do
que se tratava. Mas se fosse para ajudar o filho a lutar, estaria
sempre disposto. O sangue de guerreiro corria em suas artérias,
afinal. Foi até o quarto do perú, que se assustou com sua presença,
e pediu explicações. “Não é 'ache', é 'résh', pai,
'réshtég'.”, disse e explicou o que queria que Arlindo fizesse.
Este, por sua vez, continuou sem entender à que levaria aquilo, ou
como funcionava exatamente a dita batalha, mas o que não faria pelos
filhos, não é mesmo? Voltou até seu computador e, pela primeira
vez na vida, Arlindo participou de uma batalha de hashtags; e três
gerações de Schmitt's se reviraram em seus túmulos.