terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Notas

Antes dos shows normalmente eu gosto de sentar no balcão e beber algo gelado, acho que é porque me lembro de filmes que meu pai olhava quando eu era pequena, aquele pessoal de preto, mau encarado, sentado de costas para todo mundo. Badass. Eu sei o que muitos dizem de shows cover de outras bandas, mas eu não consigo resistir quando é algo que me agrade, ainda mais de uma banda boa. Nada se compara à Moby Dick é claro, cover de Led e infelizmente desaparecida do mapa. Me pergunto onde estariam enfeitiçando as pessoas com aqueles sons maravilhosos. Esse dia também estava bom, era um cover de Floyd.
Sentou do meu lado um cara de terno. Quem é que vai de terno num show? Um garçom?
Ri baixinho e pra mim mesma. Só faltava ser um crente, um representante "dele", já ia dar briga caso fosse.
Já me imaginei ateando fogo em uma igreja. Só pra ver como fica.
Na minha cabeça a coisa toda era bonita demais, prazerosa demais, quase tão bom quanto transar. Vingar todas aquelas mulheres entregadas ao fogo da intolerância, por afrontarem o personagem fictício famosinho criado pelos velhos de saia. Afinal, onde já se viu ter a capacidade de gerar vida?
Melhor erguer templos e cagar regra.
Hoje o fogo da intolerância é regido por dedos rígidos que apontam os culpados, apontando sempre para o outro, ou o próximo. O próximo pode ser você.
É um pouco mais psicológico, não tão grosseiro como antigamente. Ainda assim, os homens seguem morrendo e as mulheres seguem sendo estupradas. Um incômodo crescente. Melhor não pensar muito. O fogo fica mais a cargo da pólvora mesmo, mais rápido e eficiente, basta acertar um órgão vital e aí tchau. Eu é que sei, de tanto ver gente morrendo.
Algo me diz que faz um bom tempo que é assim, mudam os jeitos, mas as gentes não tanto.
E eu sei, eu sei que um dia eu disse não saber como solucionar, e sinceramente ter parado de procurar.
Como se não me importasse, mas pelo menos não fico fingindo me importar. É. Chega a ser irônico eu me gabando por não fingir, mas nessa parte pelo menos é verdadeiro, ou eu penso que é.
A minha raiva passava quando a banda entrou com as últimas canções cover do dark side of the moon, foi quando eu me dei conta que algumas poucas notas musicais eram capazes de resolver muita merda.
Se existisse alguma solução, seria algo parecido com isso sem dúvida.

sábado, 27 de janeiro de 2018

Contas

Poluição, nossos narizes entupidos, cheios de tatu. Cascos de cavalo batendo nas pedras. Fumaça e som de escapamento. Luz da fogueira aquecendo o acampamento. Brilho da tela iluminando nossas caras cansadas. Saco de dormir recuperando nossos ossos fatigados. Há pouco tempo para um dia só. O tempo passa devagar. Conta corrente, depósitos virtuais rolando entre nós. Dividimos o ouro, saqueamos algibeiras. Reuniões, sindicato, comunidade, grupo, bom dia. Iniciado na ordem do arco, fugitivo da guilda dos ladrões. Devemos esperar o sinal verde. Podemos derrubar algumas árvores e construir uma torre de vigia. Botão do elevador, oitavo andar, fecham-se as portas, um bom dia para vocês. Roldanas, que invenção incrível, melhor que isso, só gravidade revertida. Gravidez interrompida, proibido, mas nada que uma grana não consiga. Mortalidade infantil, natimortos divinos-diabólicos. Deixa comigo, professor, três pontos na conta. O arcano imprestável. Seguimos na luta do dia-a-dia. As preces do dia foram atendidas, um milagre se realiza, a CURA É POSSÍVEL ATRAVÉS DA FÉ. Foco e força é o cu da vó, ninguém escuta tuas conversas contigo mesmo. Alaúde, flauta, tambor. Bateria, baixo e guitarra. Voz. Voz. Verdade de faz de conta. Fingimento de verdade.

Pife

Qual o sentido em realizar essa viagem, seria ela realmente necessária? O quanto pode o capeta te afetar, o que ele diz, o que ele faz, quem fala em nome dele, será que algo te toca? Não tenha medo, o que ele puder fazer, fará, independente dos teus cuidados, como a morte um dia chega sem te pedir permissão; ouço a voz distorcida em uma mensagem profunda, ecoante. Olhando para sua superfície, não a compreendo; temo adentrá-la, em um mergulho, único jeito possível de entender; me preocupa pensar em que podem implicar seus ecos. Comida para quem precisa de comida. Guerra, planeta água. Pode um barco navegar sem marinheiro?

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Vocês também foram enganados

Faz um tempo já que desisti de certas coisas. Existem coisas úteis, coisas aparentemente úteis e as completamente inúteis.
Uma coisa completamente inútil era se debater frente àqueles velhos. Velhos vampiros podres de ricos.
No meu caso eles ainda tentavam ser "legais" a fim de me paparicar. Tenho muita raiva.
Acabo sempre fingindo um de meus melhores sorrisos falsos, para mascarar a vontade de matar.
Quem nunca teve vontade de matar alguém?
Pra mim é uma vontade recorrente, constante.
Mas também não sou nenhuma santa e nem quero ser. Ficar escondida atrás de um véu, fingindo saber dos quereres de deus e morrer de vontade de transar se sentindo culpada por isso. Não é uma vida que me agrada.
O que mais me incomoda ainda são essas gentes. Gentes dos caminhos certos, paladinos dos bons costumes e cidadãos de "bem". Quando preciso tirar sangue deles, não consigo evitar de usar a seringa do pior jeito possível, justamente pra doer. Sei também que não deveria fazer isso, ou sinto que não deveria.
Minha menstruação está atrasada e a expectativa é agonizante, um ciclo sem fim. Era só o que me faltava ter um filho agora, no meio de toda essa lambança. Seria só mais uma aflição que também afeta a mim.
A seringa enche e o sangue é fresco mas o engano é antigo. Encarei aquele senhor nos olhos e vi sua frustração com a vida, uma vida vivida sem sentido. Uma vida inteira sem dar bola pra nada além do seu próprio umbigo. Provavelmente sua risadinha asquerosa pra minha bunda quando eu me virava também era falsa, era só pra se afirmar como um integrante do seleto grupo masculino heterossexual.
Uma profunda tristeza. Um fingimento incessante.
Era uma risadinha amarela sem dúvida, risadinha de quem está doente indo de encontro a morte.
Um deboche de si mesmo, tentando desesperadamente se agarrar às últimas ilusões reconfortantes.
Mas eu nunca vi o engano aliviar dor nenhuma.
Por várias vezes eu me senti enganada, em quase tudo o que já pensei desde a minha infância até mesmo hoje na fase "adulta". Em quase tudo o que escolhi.
Mas vocês também foram enganados.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Mutação


Em um momento, uma pequena mudança; depois, uma leve adaptação, fugindo da estagnação. Aquela mudança pode ser adaptada e melhorada, a experiência vai nos guiando, nos aperfeiçoando. Quando vê, temos um belo equipamento capaz de realizar incríveis tarefas no lugar da nossa mão. Conhecendo um novo pedaço de cada vez, foco nos detalhes, diferente a cada dia, mas na essência o mesmo. Sim, de um dia para o outro, a distância é pouca. Depois de meses, reconhecer-se, a soma de todas transformações, continua fácil. Mas e ao ver novamente, após anos, aquele teu antigo eu, aquele que tu cultivou e aprendeu a gostar: é fácil lembrar dele?

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Sobre pensar e passar

Deu um abraço meio sem jeito, mas ainda um abraço.
Reparou que ainda havia a beleza que sempre houvera.
Era possível que tivesse se esquecido de tudo.
Pensou que não.
Ela praticamente o ignorou, seus olhos cruzavam de um lado ao outro da mesa, pulando por sobre os dele como se não pudessem se encontrar.
Talvez teria medo de encarar.
Pensou que sim.
Os diferentes rótulos marcavam a passagem das horas, o tempo que fora cedido ao acaso.
Em seu braço carregava as finas linhas de seu coração.
Uma mensagem, talvez.
Pensou que não.
Tentou chegar mais perto, tentou ficar mais longe, tentou fazer que não estava ali.
Por um momento funcionou, focado naquele pequeno espaço vazio que por vezes ainda ecoava, mas era impossível ignorá-la por muito tempo.
Mas... haveria motivo para fazer isso?
Pensou que sim.
A noite se aproximou do fim e o carro, lotado, vagou pelas ruas em busca de algo para matar a fome.
No fim, em confusão por não saber como se sentir, se sentiu um incômodo.
Deu outro abraço meio sem jeito, mas ainda um abraço.
Pensou que era bom.
Mais tarde pediu desculpas por não haver se desculpado.
Achava que fizera algo ruim.
Pensou no que havia visto durante a noite, em seus risos e movimentos.
Era possível que ainda existisse algo ali dentro?
Pensou que pensava demais.