quarta-feira, 24 de abril de 2019

Averbação

Eu estava no centro, incomodada como sempre. Era um incômodo ambulante. Incessante. Muita coisa boa e pouca coisa para reclamar.
Clamar? Clamar dentro dos templos mentais de produção de obediência. Reclamar nas ruas ou em casa, de preferência com os parentes e familiares. Tradição da família tradicional.
Ouvir no rádio e ver na tevê. Falar? Pouco importava, era só gorfo mesmo. A falta de luz, ou energia elétrica como é o correto, incomoda porque a tevê vira um espelho e eu não gosto do que eu vejo. A janela é sem graça e o canto dos pássaros já não conseguem me convencer.
Já os especialistas, estudam uma vida inteira pra descobrir que só precisa um empurrãozinho, um pequeno toque, em uma alma auto-condenada, para despertar toda a aflição e todos os vícios de uma negatividade por muito tempo escondida, mas que sempre escorria pela boca numa roda de conversa ou churrascada de domingo.
Eu sempre pensei que era bem mais fácil. Pra mim sempre foi mais fácil. Eu também só preciso de um empurrãozinho, como dizem os estudos.
Diria o Rogério "se fosse do meu jeito...", o resto vocês já sabem. Tá aí na rua, na tua família, nos amigos e nos mitos.
Eu olhava as vitrines, os produtos, os rostos. As frases de efeito. Nos dias que já pensei em acabar com minha própria vida, era justamente quando eu acreditava naquilo tudo. Quando acreditava que a vida era correr atrás do próprio rabo.
Quando tudo o que sobrou foi a dúvida, eu fiquei mais tranquila, sofrendo um pouco menos.
Mas está mais que comprovado, que pouco importa o meu sofrimento.
Já que essa época faz com que as empresas pareçam amigas e os amigos pareçam uma promessa esquecida.