segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Clotilde não se chamava Celina. Nem Jurema. Nem era Gomez.

domingo, 30 de dezembro de 2012

E só...

É sabido que exagerei um pouco
Que ultimamente já não sou o que fui
Talvez esteja mesmo ficando louco
Abalado pela força desse rio que flui

Talvez aos seus olhos seja absurdo
Seja incompreensível meu comportamento
Mas minhas palavras não diserram tudo
Não expressaram meu real sentimento

Sorrio sinceramente para tudo e todos
Mas há algo importante que não lhes contei
Mentiras se escondem nos sorrisos bobos
Em gestos marotos nos quais jamais confiei

No final das contas só queria dizer
Que eu não queria que fosse assim
Meu desespero não deixou transparecer
O quanto isso era importante pra mim

E mesmo que não me importe com o dia
Pensei que pudesse estar mais uma vez
Partilhando do que ainda me traz alegria
As vozes e risos da presença de vocês

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Quando a sala do palácio se esvazia - Parte II

Continuação de Quando a sala do palácio se esvazia - Parte I

A briza que entrava pela janela do quarto do palácio de Hadd' Alid, naquele momento apenas fazia as minúsculas gotas de suor daquela meio-elfa se acentuarem no seu rosto... Após ouvir os passos em direção do quarto, rapidamente se escondeu debaixo da cama da filha de Alid.
Ouviu os passos passarem em frente ao quarto e se distanciarem. Foi quando sentiu um estranho arrepio, seguido de um cheiro forte como se tivesse algo apodrecendo no quarto naquele momento. Lentamente ela se esgueirou para o lado da cama e se pôs em pé, sem o menor ruído.

Seu coração batia forte e ela suava cada vez mais, uma reação estranha pois sempre conseguia se manter fria diante de qualquer tensão, inclusive esgueirar-se num palácio repleto de guardas. Ela olhava em volta no quarto e nada enxergava, aquele cheiro podre ficava cada vez mais forte.
Foi quando seu coração deu um salto. Ao olhar para o canto próximo à janela, percebeu a figura de uma criança sentada e apoiada com as costas na parede olhando-a. Não era uma criança normal, nem sequer parecia criança, ela só pôde julgar como tal, ao observar a baixa estatura e proporção do corpo. Parecia uma menina. Era muito feia, usava roupas surradas, sujas e rasgadas. Ela tinha os pés descalços e atrofiados, uma espécie de deformidade, possuía bolhas vermelhas por todo o corpo, a cabeça quase careca com alguns poucos fios de cabelo embaraçado e uma aparência doente...
Por alguma estranha razão aquela criança lhe parecia familiar. Elfa por um longo tempo ficou sem falar, o coração acelerado e ainda suava frio... Pôde ouvir por um breve momento a respiração penosa da criança que a olhava com uma mescla de tristeza e agonia.

- O que você está fazendo aqui? - perguntou a menina numa voz rouca e fraca.
Elfa ficou sem fala.
- Você ainda pode escolher... nem todos os caminhos se fecharam. - Continuou.
- Quem é você? - perguntou Elfa em tom de voz baixo e levemente assustado. Não era a primeira vez que ela via um estranho falar dela como se a conhecesse.
- Eu sou você... - Respondeu a menina.
Elfa teria dado risadas se a situação não fosse tão estranha. Chegou a esboçar um sorriso mas conteve-se a tempo.
- ...por dentro. - Ela continuou.
Em seguida fez menção de se levantar lentamente. Elfa começou a dar uns passos para trás em direção da porta com a mão próxima de sua adaga escondida.
- O que está fazendo? - Elfa sussurrou.
A menina, sem responder, se levantara e começava a andar em direção da Elfa, não era uma imagem saudável, ela se apoiava de um jeito estranho nos pés atrofiados e parecia sentir dor à cada passo. Elfa deu mais passos para trás, estava realmente com medo agora.

Aconteceu tudo muito rápido. Ao passo que a criança se aproximava, Elfa ouviu novamente passos em direção da porta. Ela fechou os olhos e sacou sua adaga empunhando com força. Quando a porta se abriu de maneira abrupta, seu movimento sem pensar foi veloz e havia pego de surpresa a bela moça que adentrava ao quarto. O golpe levou a lâmina da adaga fatalmente em direção ao pescoço da jovem cortando alguns fios do seu cabelo loiro no caminho, que caíam lentamente.
A expressão da jovem, de surpresa e susto, estava também estampada no rosto da meio-elfa. Ela caía para frente com muito sangue jorrando, manchando o belo vestido branco que usava. Elfa a segurou e se ajoelhou ali com a moça em seus braços, com uma mescla de surpresa e pavor na sua expressão. Havia se esquecido da criança naquele momento de tensão, mas ao observar na direção da janela viu que a menina havia desaparecido.

A jovem tentava falar alguma coisa mas tudo o que saía de sua boca eram ruídos de alguém engasgado e um pouco de sangue.
Aquilo não estava nos planos.
Elfa chegou a sussurrar um tímido "me desculpe", quando a moça ia perdendo as forças e a sua visão ficando longe, embaçando...
Quando ela morreu, Elfa gentilmente fechou os olhos dela com a mão livre.

Ela havia esquecido completamente a porta aberta e os ruídos que as duas estavam provocando. Largou a moça no chão e levantou-se quando ouviu novamente passos apressados vindos da entrada do palácio...
Hadd' Alid entrara no quarto, olhou para Elfa e depois para o corpo da filha no chão. Ajoelhou-se.
Ele não tinha palavras quando pegou a filha morta no colo, apenas rolaram lágrimas silenciosas pela sua cara enrugada.
Elfa não disse nada. Encarava a cena e aos poucos se movia de costas em direção à janela. Depois de alguns segundos ele olhou para ela, olhou as roupas, ensaguentadas assim como a adaga que ela empunhava.
- Você... você matou minha filha.
- Foi um acidente eu... - Começou Elfa.
- Cale-se! - Berrou Alid quase aos prantos, soluçando.
- O que você queria? Ouro? Jóias? Sua... Sua cadela! Sua cobra! Traiçoeira! - Bradava ele.
- Me desculpe! Gritou Elfa inesperadamente. Não era o seu feitio se desculpar.
- Você poderia levar todo o meu ouro, menos minha filha! - Dizia ele desesperado.
- Acho que você só deve se importar com o ouro... Mas saiba disso ladra... Chega um momento em que o ouro deixa de reluzir, as jóias param de brilhar e a sala do palácio, do luxo, se tornam uma prisão. Tudo o que resta é o amor de um pai por sua filha... E você tirou minha filha de mim. Uma miserável como você nunca vai ter amor.

Mais passos apressados e estridentes ressoavam no corredor. Quando Alid gritou:
- Guardas! Aqui! Peguem essa ladra!

Elfa não pensou duas vezes, abriu a janela e se esgueirou para fora do palácio no momento em que os guardas entravam no quarto. Já havia cometido erros demais para um dia só, permanecer ali seria um erro gravíssimo.
Na queda ela se ferira na perna ao cair de mal jeito em cima de caixas de madeira que estavam do lado de fora, já em uma das ruas da cidade. O quarto equivalia ao terceiro piso de uma casa normal, ela ainda teve sorte por ser leve e ágil, não teve muito tempo de medir a altura e calcular sua queda.

Uma hora depois ela já estava em um esconderijo nas docas. Ela se sentia mal, e não tinha relação com o corte ardido na sua perna, consequência de sua fuga. Pensava em tudo aquilo que havia ocorrido, da criança, da desnecessária morte da jovem... e o que aconteceria a seguir. Havia falhado no seu objetivo, sua reputação em Porto de Calim cairia. E ela sabia que levaria mais tempo para conseguir dormir àquela noite, com todas aquelas cenas martelando sua cabeça...

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Só...

Lembra que nem todo o grão mata a fome
E nem toda semente germina a vida
Há raiz que não serve a sustentar caule
E que não é por crescer que se garante o futuro

Cresce e brota, enraíza e dá frutos
Toma para ti, então, tudo que se desfaz
Corroendo aos poucos a tua própria essência
Leva embora o que já não mais serve a mim

Pois, para o eterno, há outra morada
Além dos teus domínios, fronteiras rijas
Onde tudo é só, onde só se é tudo
Lá, onde estarei, enquanto fores o que és
Apenas pó

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O Jardineiro


Seu Atalíbio não era habilidoso quando começou no ofício, mas como fazia por hobby não havia problema. Ele voltava da firma e ia cuidar do jardim da casa. Ele queria mudar de profissão, e lidar com as plantas era algo interessante pra ele no momento. Seu Atalíbio começou a pedir para fazer serviço na casa dos outros, de graça, pra ir aprendendo. Depois de um tempo, ele foi em uma floricultura que fazia jardinagem e pediu se podia trabalhar nos sábados com eles, para aprender. O dono da floricultura topou, e logo viu naquele senhor magrinho um colaborador interessante. Quando julgou que ele estivesse pronto, fez a proposta. Seu Atalíbio prontamente aceitou. Pediu as contas na firma, depois de 17 anos. Nem fez acordo, para alívio do antigo patrão. Não queria dinheiro.

A floricultura que empregou seu Atalíbio prestava serviços fixos de jardinagem em várias casas. Entre elas, a mansão do seu Gomes. Sujeito de posses, tinha uma empresa que lidava com importação e exportação, e os negócios iam muito bem pro seu Gomes. Acabaram se conhecendo e até ficaram amigos. Seu Gomes falava muito do filho dele, que era um guri inteligente, ambicioso, que ia assumir o negócio e tal. Seu Atalíbio disse que gostaria de conhecer o garoto. Tem pai que é cego. O guri era um poço de si mesmo, e trazia na cara um riso debochado. Debaixo da asa poderosa do pai, ele podia tudo.

Mas até que se acertaram os dois, e o velho jardineiro até ganhou a confiança do guri. O rapaz vinha contar das suas noitadas, de quantas ele comia, de que jeito. E falava do que mais gostava, os rachas. Adorava falar das suas performances com seu Audi, de como era louco aquilo e tudo mais.

Um dia seu Atalíbio, ouvindo aquela ladainha do rapaz, virou para ele e desferiu, com a tesoura, sete golpes ao todo. Dois no rosto, um no pescoço e os demais no tórax. Dizem os legistas que ele não atingiu nenhum órgão vital, mas a hemorragia no pescoço fora fatal para o jovem. Ele tinha 23 anos.

Seu Atalíbio foi preso sem resistência, foi réu confesso. Foi quase linchado pelos demais presentes na cena. Quando indagado pelo delegado dos seus motivos, seu Atalíbio disse as seguintes palavras: "Seu policial, o senhor lembra de um caso há quatro anos atrás, quando uma mulher e um rapaz foram mortos em um acidente causado por um jovem que apostava uma corrida? Eram minha velha e meu único filho. O rapaz que matou os dois foi liberado por fiança, e o julgamento segue rolando até hoje, E não vai dar em nada, porque o pai dele, o seu Gomes, paga os melhores advogados, e se precisar compra o juiz pra livrar o rabo do guri. Eu não tenho dinheiro, eu vou ser preso. Mas eu sei o que eu fiz, e o fiz porque eu quis. Queria que esse homem sentisse o mesmo que eu. Não tem dinheiro nesse mundo que possa trazer o guri dele de volta. E pra mim tanto faz ser preso ou não, eu já me sinto morto mesmo. Só que eu prefiro apodrecer no xilindró do que ficar o resto da minha vida com esse desaforo preso na garganta."

Seu Atalíbio foi condenado por homicídio qualificado.