Não. Isso eu não pude escolher. É... É pedir muito. É demais.
Me desculpe.
O indicador passou pelos cílios, pelas pálpebras, para então voltar à tecla rígida, plástica e aparentemente desalmada. O outro para um botão semelhante, bem mais à direita, de funcionalidade semelhante. Ambos só funcionavam em conjunto.
Na tela, gráficos e personagens se moviam com uma leveza indigna aos padrões eletrônicos e mecânicos. Eles pareciam de verdade. E eu já havia sentido isso antes, de uma maneira bastante familiar.
É engraçado. Nosso cérebro consegue administrar de maneira impressionante diversas tarefas complexas ao mesmo tempo em que está envolto em inúmeras sensações e emoções, todas, mergulhadas no mecanismo da memória. Uma pequena fração do tempo congelada dentro do cérebro e acessível a qualquer momento. Ou seria da mente? Ou não teria diferença entre um e outro?
Seria difícil dizer que não quero que essa sensação seja verdadeira, que seja real. O que é real?
O tempo parou, o dedo se moveu e a lágrima inevitavelmente rolou abaixo, como a grande pedra da vivência que diariamente empurramos morro acima que também, por vezes, vem abaixo. O gelo da memória derrete aos poucos, transformando pensamentos, enquanto a água cristalina que escorre se revela transbordante.
E eu choro.
I wish you'd be real.
But again, what is real?
I wish you were here.
quinta-feira, 31 de dezembro de 2015
Life is strange
Separados por vírgulas
a vida é dura,
a vida é uma cachoeira,
Ecos,
ecúmene,
joguem life is strange,
nunca esquecerei
terça-feira, 29 de dezembro de 2015
Pobre Chico
Não havia dinheiro. Na verdade,
faltava riqueza para comprar o que quer que fosse. Ouro é coisa de
lenda, diria algum velho aldeão. E tem outra coisa: para que
serviria? Não se come, não aquece o pelo do homem; tapar o buraco
no telhado, a fim de se livar de uma goteira? Ia precisar de ouro
suficiente para pagar uma casa nova, provavelmente alguém o
roubaria, e pronto, lá vem a goteira novamente. Não, ouro não
serve, não para nós.
“Arranja uma utilidade melhor para a
tua sorte”, foi o conselho que restou ao fim de um dia de
tentativas de negociação.
Pobre Chico, criador de galinha, de
bicho de pé e de falsa esperança; nascido e criado para ser pobre,
morrer miserável. Não tinha filho para sustentar, nem mulher para
dividir a vida, nem um cusco que lhe fizesse companhia. Menos mal,
passaria fome sozinho, se a situação piorasse.
Nasceu no seu galinheiro uma galinha
diferente das outras poucas que ciscavam por lá. Botava ovos, como
as outras, mas as gemas destes eram puro ouro. Já tinha uma porção
dessas gemas guardadas, desde que descobriu este fato milagroso, por
acidente, quase perdendo um dos poucos dentes que ainda tinha. Pulou
de alegria, quase deu adeus ao barraco, se mudaria para a cidade,
pobreza nunca mais; seria bem visto, bem quisto, bendito.
Os dias iam passando e ninguém
aceitava negociar por um de seus ovos de ouro. Ninguém o levaria
para a cidade, ninguém tinha um cavalo para vender a ele, um burro
que fosse. Sua ascenção foi barrada pela pobreza que o cercava.
Sua expressão nestes dias era um misto
de indignação e angústia, mas depois foi se aliviando, foi
bastante notável num dia em que saiu para recolher lenha. Nesta
mesma noite, uma fumaça cheirosa saiu da chaminé do seu fogão. Estava terminada aquela palhaçada: Chico fez uma galinhada com a maldita galinha dos ovos de
ouro. E, diabos, que carne dura.
Separados por vírgulas
Chico,
It's almost harvesting season,
ovo
O MACACO ASTRAL VIAJA
Na esteira imparável do tempo
Não vê a hora de chegar sexta-feira
Céus, como o ano passou rápido
Atravessando os dias sem saber da sorte
O MACACO ASTRAL VIAJA
Na esteira imparável do tempo
Não vê a hora de chegar sexta-feira
Céus, como o ano passou rápido
Atravessando os dias sem saber da sorte
O MACACO ASTRAL VIAJA
Separados por vírgulas
Macaco Astral,
Sobre o tempo e a tontice
sábado, 5 de dezembro de 2015
O Padeiro
Não era
uma padaria ritmada pela pressa, marcada por pedidos para levar.
Não estava incrustada em rua movimentada do centro, espremida entre
prédios, nem havia um estacionamento pago por perto. Por ali, o
normal era comer no balcão, ou à alguma mesa perto da janela; pela
qual se veria um céu sem qualquer arranhão; uma rua tranquila: casas
sem cerca, pessoas caminhando sossegadas; passava um carteiro,
assoviando; um radialista de bigodes, um cão passeando sozinho.
Lugar
familiar, repetiam-se os rostos. O próprio dono atendia no balcão.
Morava numa casa grande, velha e bonita, nos fundos. Conhecia
pelo nome uma boa parte dos fregueses, os mais frequentes. Os que
pouco vinham, esforçava-se para que voltassem mais vezes. Menos um
deles.
Aquele,
esperava jamais ver novamente.
Pois, na
única padaria daquele bairro tão simpático, ali bebeu e comeu uma
alma perversa, um biltre matador de mulheres. O padeiro ouviu dizer
que ele foi preso, que foi morto, que foi para o inferno e voltou e,
embora quisesse acreditar em qualquer uma das duas primeiras
hipóteses, nenhuma lhe trazia certeza, nem conforto.
Por meses
depois dos crimes, sempre fez questão de levar até em casa as suas
funcionárias sobreviventes, escrevendo uma história que ainda deve ser melhor
contada.
Bom
sujeito, diz-se dele. Uma foto na parede da padoca denuncia que já foi
guitarrista de uma banda de roque - mas não poderia ter levado aquilo
para o resto da vida: não era para ele. E quem o conhece melhor sabe
que, apesar do gosto pelo trabalho, a padaria é apenas o seu
ganha-pão. No seu íntimo, o que ele realmente é, o que realmente
ele sabe fazer, aquilo a que ele dedica os melhores e os piores de seus momentos, é ser pintor.
Separados por vírgulas
Fronteiras Flutuantes
terça-feira, 1 de dezembro de 2015
Velório
Passou muito rápido. Quase não vi passar.
As pessoas me olhavam como quem pede desculpa, sente muito ou mesmo com medo. Eu mesmo não tinha medo.
E agora, 7 meses depois, eu ainda me pergunto quantas pessoas teriam ido, caso fosse para aproveitar uma janta, almoço ou apenas mais uma reunião qualquer, tão em baixa hoje em dia, para desfrutar o pouco tempo que se tem.
É.
Acho que menos da metade, se tanto.
Dear father
Forgive me
I don't know what I've been doing...
As pessoas me olhavam como quem pede desculpa, sente muito ou mesmo com medo. Eu mesmo não tinha medo.
E agora, 7 meses depois, eu ainda me pergunto quantas pessoas teriam ido, caso fosse para aproveitar uma janta, almoço ou apenas mais uma reunião qualquer, tão em baixa hoje em dia, para desfrutar o pouco tempo que se tem.
É.
Acho que menos da metade, se tanto.
Dear father
Forgive me
I don't know what I've been doing...
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