quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O Nosso Clube

  "A partir do momento em que você recebe sua carteirinha do clube, você está sempre certo. Essa carteirinha é um pedaço de plástico, cabe no bolso da camisa; contém informações importantes, sua foto e seu nome, data de filiação e alguns ornamentos gráficos aqui e ali. Este artefato comprova que você é um membro do Clube dos Corretos, estando, então, sempre certo, tendo sempre razão e tendo acesso à piscina do clube, que está sempre cheia.
  Para ser um membro deste clube, que tem muitos mais membros do que se percebe, mais até do que se imagina, o que não tende a ser pouco, visto que se imagina muita coisa, e muita coisa pode ser muita gente, enfim, existem alguns requisitos, com variados níveis de exigência e complexidade. Primeiramente, é necessário estar sempre certo. Este é o mais simples, pois estar certo depende de poucas coisas e dentre elas não está, por razões óbvias, saber muita coisa. Sabendo muita coisa tende-se a estar, em algum fatídico momento, errado e estando-se uma vez errado nunca mais se pode estar sempre certo; em contrapartida, ao estar sempre certo nunca mais se está errado, portanto a filiação é perpétua, o que não é, de forma alguma, ruim, pois ao entrar para o clube você fez a coisa certa.
  O segundo requisito é um pouco mais trabalhoso, mas também não é difícil de ser cumprido. É necessário que o postulante tenha, em sua vida, formulado pelo menos três contundentes opiniões irrevogáveis, não importando muito sobre qual assunto. Não é exigida justificativa sobre a formação destas opiniões, nem sobre o ponto de vista que levou a elas, pois isto simplesmente não é necessário, visto que este requisito somente é avaliado após o cumprimento do primeiro, colocados nesta ordem por este motivo. Então o postulante está, nestas opiniões, pelas razões explicadas, obviamente correto, não cabendo qualquer avaliação posterior sobre o que ele pensa sobre os três assuntos citados - está certo, está certo, oras.
  Existia um terceiro requisito que deixou de ser avaliado, portanto não é mais de nosso interesse e não será citado aqui, cabendo apenas comentar que, segundo rumores, ele não estava certo, mas esses rumores não são nossos e estão errados. Sigamos para o quarto, que passou a ser o terceiro, o que está dentro da ordem prática das coisas, ou seja, corretíssimo. O quarto é requisito é: ter dinheiro. Para ser membro do clube logicamente é necessário contribuir financeiramente, pois tudo custa algo, normalmente dinheiro. Portanto há de se arcar com o custo da confecção da carteira, que é extremamente barata, e pagar a taxa de manutenção da piscina e charutos para as reuniões, que são extremamente caros, entre outros gastos menos relevantes e mais baratos.
  O quarto requisito, atualmente o último, exige competência e capacidade, demonstradas e testadas em entrevistas e práticas, para intervir veementemente nos atos e decisões de não-membros do clube, isso mesmo, os que provavelmente não estão sempre certos. Isso porque o Clube dos Corretos não é apenas um lugar para reunir quem tem razão, mas um instrumento de correção social, que age pelo bem dos menos certos. Que nem agradecem. Na verdade reclamam, o que é uma postura certamente esperada, mas que não abate nosso ânimo, pelo contrário.
  Uma dúvida comum entre quem não faz parte do clube, pessoas sobre as quais não há certeza sobre serem certas, é sobre possíveis discordâncias entre os membros. Pois, perguntam, se alguém vai a um grupo de pessoas julgando estar certo, não tendo combinado ou trocado verdades antes, a tendência quase inevitável é encontrar quem discorde e, dessa forma, romper a corrente de certeza do conjunto. Ora, este problema não existe, pois os membros aqui estão, em tudo que expressam ou manifestam, absolutamente corretos. Todos, claro. Não há, então, como discordar."
 
  Isto ouvia o mais novo associado no dia em que juntou-se ao Clube dos Corretos. Saulo, o velhote grisalho responsável por esta integração, falava pausadamente e sem nunca gaguejar. Enquanto explicava sobre a admissão e os posteriores testes, nos quais o novato certamente passou, estendeu a este um vidrinho com balas. Eram de funcho. Adão sentiu que viera ao lugar certo.

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