segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Nunca importou

Havia tempo demasiado.
Ou pelo menos assim eu sempre gostei de pensar que já havia decidido deixar de ser uma tola. Mas é no curto espaço de tempo, como entre um cigarro e outro, que tudo o que você tem de mais certo na vida lhe escapa por entre os dentes. Lhe escapa através dos dedos. Movimentos que dia após dia vão perdendo a habilidade que uma vez pareceu ser natural, incessante e sem esforço. Estabilidade.
Acho que já havia me acontecido antes. Parte de mim sempre se recusou a aceitar.
Que era ilusório e sempre foi.
Acho também, que em todas as vezes eu mantive a mesma pergunta presa aos lábios, senão assim, de que outra forma seria?
Que jeito, método, habilidade, teria a capacidade de dar conta do que insistimos em ser, incessantemente?
Não somente macacos, mas também pássaros, transmigratórios.
Dar cabo de algo que nem sequer se imagina a existência, nem mesmo no inconsciente. Parece fugir à compreensão, ou pior, a compreensão ser impossível, como em um terror cósmico.

Sonhei que estava em um bar, tentei fumar, tentei beber. Já não conseguia. Olhei para o fundo do copo vazio e o reflexo me mostrava no fim da vida, tendo o fôlego roubado por um súbito entendimento.
Todas as pessoas em volta me apontavam. Elas me diziam que eu era a única chance, que eu poderia ter consertado tudo: Quase como uma cena de um filme de ficção utópica, eu poderia ter sido perfeita, flutuando pelo espaço em uma redoma iluminada.
Ao mesmo tempo que apontavam, aos berros me julgavam e me xingavam por ter falhado. Senti todas as dores do mundo, desde o morador de rua até o pobre de espírito dono de coisas e pessoas, uma completa perdedora.
Não duraria para sempre é claro, mas a dor fazia vezes de mestre ilusionista.
Me senti novamente naquele lugar com uma vista privilegiada da cidade e o velho chorume em forma de organização humana.
A cidade sempre foi maior que eu e ela iria me esmagar mais cedo ou mais tarde.
Vozes isoladas me tinham em uma alta estima.
E por quê então eu me sentia como a pior coisa do mundo?

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Malditos milicos

O quanto incomoda uma estampa. Uma camiseta vermelha, a cor proibida, ensaiando um grito incessante que está presente na mente de todos mas sufocado por muitos.
O que te sufoca senão a estafa de ter que ver a mesma coisa todo santo dia? A crença de que é assim mesmo e assim foi desde sempre e pra sempre?
Mas é isso né... sempre a crença nisso e naquilo, nunca é sobre o que se vê e o que se sente, mas sim sobre algo que alguns poucos acreditam e empurram com socos e pontapés na vida dos outros.
Alto lá! Política aqui não!
Claro, aqui não pode. Não posso conversar com os amigos. Não posso conversar com a família. Não pode política nos jogos. Não pode política no esporte. Não pode na música. Não pode política na escola.
Aí o negro segue como escravo, aí a mulher segue violentada, o homem explorado, o homossexual agredido e morto, o pobre cada vez mais pobre e o rico cada vez mais rico. Do índio nem se fala.
O médico herói quando salva e o policial herói quando mata. Todos tementes a deus.
Adeus.