domingo, 28 de fevereiro de 2021

O MACACO ASTRAL SE RECONHECE
Como obra sui generis
realizando suas atividades exclusivas
se sentindo um alienígena
prestando pouca atenção
nos demais macacos ao redor
todos, também macacos entediados
O MACACO ASTRAL SE RECONHECE

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Angus

Saber qual remédio preciso tomar.
Não conseguir abrir a boca e engolir.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Mercado

Percorro sem pressa os retilíneos corredores
na solidão de um supermercado
prateleiras vazias, exceto por um item
o prazo de validade expirado
.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O trono do querer

O desejo é um vício.
O vício é comportamento.
Comporte-se bem e ganhará recompensas.

Mais um outdoor e menos um momento de sossego. A velhidade era um lançamento das 7 lições sobre negócios. Nada de novo. Não tem como não envelhecer moralmente, decadentemente. É uma avalanche.
O que você faria sem que ninguém visse? O que você faria se todos lhe vissem?
Às vezes tudo o que você precisa é o nada que ninguém lhe oferece. Um silêncio. Uma companhia. Um lapso de compreensão.
Vou buscar um café com açúcar, tapando a tristeza de descobrir uma dependência tão pequena. Não é querer, é necessidade. Tenho muitas certezas largadas pelo caminho, pelo chão do meu quarto, dentro do meu cinzeiro, na lixeira da cozinha e na última embalagem de tinta de cabelo. Muitas delas foram em campos de batalha. De onde fui tirada de maca, cheia de feridas e escoriações. Em grande parte por besteira grande. Quando a emoção fala mais alto. Fala alto e fala muito.
E é essa soberania que renuncio. Essa monarquia. Desse reino não quero mais ser rainha.
Muito tempo nesse trono, enxergando muito longe. Você se sente poderoso. Entrega a sua autonomia e ganha um novo par de olhos. Vê longe, apenas o que o trono lhe mostra. Do alto da soberba só lhe resta um tapete vermelho feito de várias rotinas insuficientes e um sem-fim de intrigas que apequenam.
A cúpula do palácio segura, entre quatro paredes, a sua certeza absoluta. O sustento de seu reino imaginário.
Fica meio estranho, depois de uma vida inteira de massacre, se você sair um mero passo longe do caminho pisado gera um desconforto. Você fica uma pessoa indesejável.
Não se contenta com nada e, portanto, não quer nada.
Se tudo já se acabou, por que devo querer coisa alguma?
O que sobrou para se querer?

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Já, já

Já passou da hora de fechar
Já passou o último ônibus
Pedir um táxi seria sacanagem
por levar mais alguém para o mesmo buraco
A pé é perigoso, sozinha tarde da noite
Logo vem o primeiro coletivo
com o fim da madrugada
Mas já não vale mais a pena
.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Raivinha

Só resta mesmo bater a cabeça. Bater contra a parede. Bater como pêndulo musical. Um trovejo depois do outro. Depois da era da razão.
Porque o que sobrou foi a treva. Atrevo a dizer em alto e bom som.
Um dizer cansado e transbordante. Triste e melancólico.

Não tem muito tapete pra debaixo de onde varrer o ranço que escorre de meus lábios.
Uma vez quando criança, eu tinha a esperança de um futuro não exatamente alegre, mas também não um marasmo de incerteza, uma tragédia atrás da outra. Um sisteminha lixo engolindo tudo e todos um atrás do outro. Pra trás soltando merda e pra frente soltando gorfo. Reduzindo pessoas ao lixo que consomem.
Tudo bem baratinho, taí tudo a venda pro pessoal comprar. A gente viu no que deu a venda de sonhos na última eleição. Um bando de burros teimosos.

Um punhado de mortos. E tá barato né? Podia ser a economia. Ah não, ela também quebrou.
Curiosamente culpa dos outros, os de vermelho, do malzinho e do diabinho. Os capatazes molengas que jogavam migalhas e davam um ou outro colchão pros miseráveis poderem pelo menos dormir com algum calor, alguma dignidade.
Nada que os heróis não resolvam não é mesmo?
Crianças engravatadas com poses mimadas, crianças criminosas. Brincando de heróis nacionais.

O importante é vencer na vida. E aqui eu sigo, salvando vidas não sei pra quê. Se a vitória maior é a da morte sempre.
Disse o jornal do almoço, falando dos heróis que mataram os bandidos.