Uma pétala no chão
O passado se deita ao solo
O vento não sopra
quarta-feira, 31 de dezembro de 2014
terça-feira, 30 de dezembro de 2014
Feelin' alright
Abra a porta, a porta não mente.
Abra a porta, alguém quer sair e alguém quer entrar.
Abra a porta, meu amigo, vamos carregar as compras.
Abra a porta, meu bem, eu bebi demais.
O olho que olha no olho mágico vê sem ser visto.
O olho que roda no meio da cara é algo meio místico.
Preciso de proteção anti-cáries.
Abra a porta, alguém quer sair e alguém quer entrar.
Abra a porta, meu amigo, vamos carregar as compras.
Abra a porta, meu bem, eu bebi demais.
O olho que olha no olho mágico vê sem ser visto.
O olho que roda no meio da cara é algo meio místico.
Preciso de proteção anti-cáries.
Separados por vírgulas
Four dead in Ohio
terça-feira, 23 de dezembro de 2014
O vento que se curve
Nada vai mudar meu mundo
é o mundo quem tem que mudar por mim
adaptar ou ceder
não
isso eu não faço
no meu mundo eu que mando
me mando
na ponta do laço
anotei um recado na ponta do nariz
evoluir é com vocês
eu já cheguei onde pretendia
por que eu deveria sair e procurar uma razão
se a plantei bem aqui
o vento que se curve
é o mundo quem tem que mudar por mim
adaptar ou ceder
não
isso eu não faço
no meu mundo eu que mando
me mando
na ponta do laço
anotei um recado na ponta do nariz
evoluir é com vocês
eu já cheguei onde pretendia
por que eu deveria sair e procurar uma razão
se a plantei bem aqui
o vento que se curve
Separados por vírgulas
Marta,
Nada muda se não mudamos,
Os pontos eu não pus,
Teimosia de raiz
sexta-feira, 19 de dezembro de 2014
Sobre um olhar atravessado
Por sobre o muro,
passa uma espiada envolta num disfarce que não a cobre totalmente:
aquela pessoa me despreza, bastando, para isso, os poucos motivos que
a dei. Não conhece meu nome, não sabe onde vivo, se vivo, não sabe
do que gosto nem do que ouço; me viu, e isso bastou.
Não me é
novidade. O cara vê a pessoa transformar a expressão num momento e
seguir adiante andando, como se tudo não tivesse acontecido. Senti
saudade disso, fazia mais de ano que não me deparava com isso, que
antes era tão comum. Atribuo esse tratamento, numa percepção
provavelmente grosseira, supostamente baseada no que sei, a minha
aparência que volta a ser ofensiva para alguns, esses que agem do
jeito que acabei de contar.
Quando cortei os
cabelos, me surpreendia quando esperava ser olhado com desgosto por
pessoas na rua e elas simplesmente não o faziam. Eu não fazia,
então, parte de nenhuma minoria enviesada, estava tudo bem para
eles.
Hoje pela manhã,
caminhando contente por uma calçada, encontrei de novo este velho
conhecido, aquele olhar neutro se transformando num esgar levemente
indignado com alguém que se apresenta por aí de maneira tão
ofensiva. Percebi isso e fiquei feliz, matei um pouco a saudade dessa
sensação. Segui pensando na importância desse momento, dessa
provocação cotidiana, sobre o que significa, num momento e num
local onde as pessoas simplesmente não conseguem suportar ser
ofendidas pelo que as outras falam, onde um comentário pode
facilmente eclodir em um processo, onde as pessoas caçam e pretendem
destruir, calar, suspender, invalidar, reprimir opiniões contrárias
as suas crenças, bem, me sinto feliz por poder ofender as pessoas
visualmente sem fazer esforço algum para isso. Me recolho na
confortável posição de ser assim e nada mais, andando desgrenhado
por onde quer que as calçadas me permitam.
Separados por vírgulas
Obrigado,
Sobre a vida e a verdade
quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
Me conta...
De onde vem vocês?
De onde vem esse vento morno?
De onde vem os bebês?
Donde vem inspiração?
Me conta, humanoide,
onde tu quer chegar com essas pernas de pau
De onde vem esse vento morno?
De onde vem os bebês?
Donde vem inspiração?
Me conta, humanoide,
onde tu quer chegar com essas pernas de pau
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... uma história
segunda-feira, 15 de dezembro de 2014
Pode digitar tua senha
É pra levar?
Mais alguma coisa?
Pode digitar tua
senha, pode dizer que eu anoto, pode informar o valor, pode creditar, pode sonegar, vale
tudo ou vale cultura, vale de lágrimas, chora cavaco, vai danada, é
marmelada, pode dizer, pode repetir, pode passar amanhã, passa
gelol, passa fome, passa roupa, cai balão, cai no golpe, cai na
farra, abre tuas asas, abre a porta, abre a porta, abre, abre, não
deixa, não descuida, vê se te cuida, vê se te emenda, fez uma
encomenda, anota na agenda, põe na conta do Abílio, pode por a tua
senha, pode deixar, pode defenestrar, não pode demorar, não digere,
não difere, não deixa passar, passa a manteiga, passa a dor,
passarela, canela fina, véia grossa, ninguém atende, ninguém
entende, ninguém se ofende, ninguém me pega, não pega ninguém, o
ano que vem, que tem, tá aí, mas não dura, não doura, não
duvida, não desliga, não desligatututututututututu tu pode botar
tua senha, é crédito ou incrédulo, é uma mosca sem asa que
ultrapassa a janela de nossa casa, não voa mas caminha, nada mas não
morre, morre na praia, na praia de azametifo onde se empilham os cadáveres
que a química sentenciou. Na atmosfera, os gases liberados pela
combustão das folhas arrancadas do calendário. Na estufa, o efeito
do carinho sobre uma planta que deixou de resmungar quando foi levada
para dentro. O mundo gira, submerso no conhaque que preenche o copo para onde tudo converge.
Separados por vírgulas
A sorte do dia se repetia,
Peixoto,
Tudo converge
segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
Por acaso
Não por
coincidência, Peixoto deu a Adolfo seu próprio nome. Seria
divertido: pintar um pintor com seu nome, um velhote como ele sabia
que um dia seria. Quem sabe uma espiada no futuro, uma brincadeira
com o que havia por vir, coisa de artista.
Pensou que, se continuasse pintando
até alcançar a idade do Adolfo do quadro, precisaria de umas
paredes bem enormes e o velho chalé não serviria mais; pelo menos
não sem alguma reforma.
Tentou fugir do excesso de pretensões,
pintou Adolfo como sentia que deveria e pronto. Era um pintor,
portanto pintava. Não por acaso, gostou do resultado. Pendurou o
quadro no quartinho onde ninguém dormia, contente, e saiu. No final
de semana foi a um festival de rock and roll; divertiu-se. Ficou
alguns dias sem pintar e na terça-feira seguinte, pela manhã, bem
cedinho, resolveu dar mais uma olhada nas suas obras. A primeira
delas era a mais antiga, já fazia dois anos que a pintara; o
primeiro quadro do qual havia realmente gostado, o seu preferido; uma
moça bonita que parecia não olha-lo diretamente, como se estivesse
preocupada em não se distrair com alguma coisa. Tentou acompanhar o
olhar dela, ver o que ela via, sabia que daria em nada e viu, do
outro lado do quarto, Adolfo segurando o pincel, mirando Sofia. Olhou
de um para outro, deu um passo atrás, e soube que não havia sido
uma coincidência. Enciumado, saiu dali e foi até a padaria. Na
volta, passou no mercadinho da esquina e comprou uma garrafa de
conhaque barato, onde, até onde sabia, um dia se afogaria.
Separados por vírgulas
Adolfo,
Fronteiras Flutuantes,
Peixoto,
Sofia
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
Entre a Lixeira e Eu
Eu encontrei uma
história no lixo. Mas não uma história impressa, nem datilografada
ou manuscrita. Não era um livro, essa história ainda não estava
num papel e o meu papel seria escrevê-la. Teria que escrevê-la,
simples assim: cumpri minha tarefa de levar o lixo para fora e lá
fora encontrei outra. É isso, a vida lá fora é cheia de encontros.
E tarefas.
A história que
encontrei é sobre um velho casal, um par que não se completa à
primeira vista, que parece não combinar. Vi-os de relance, por
obrigação, sem poder evitar, sem saber que estavam por ali até
descobri-los num meio segundo de contato visual. Não foi difícil
afugentar pensamentos de imediato mais profundos; estava atrasado e
não poderia ficar por ali muito tempo. Mas enquanto seguia meu
caminho, depois de ter fechado a tampa da lixeira, me permiti pensar
um pouco nos instantes que antecederam a chegada deles àquele local
onde os encontrei. Teriam sido levados pela mão, trazidos até ali
por alguém que não os queria mais por perto?
O fato é que era
um par peculiar, e somente as improbabilidades do destino, que
ousamos supor não exisitir, bem, somente elas poderiam causar uma
união deste tipo. Ele, um sapato preto feminino. Ela, uma sandália
marrom masculina. Lá estavam, lado a lado, descartados juntos por
alguma história confusa que levou a este suposto fim, que somente é
um fim para quem os deixou por lá.
Enquanto eu
caminhava, esperando chegar logo a um lugar onde pudesse anotar meus
pensamentos sobre o caso, pensava no futuro que esse par teria e em
como estavam condenados a serem separados assim que alguém que, como
eu, abrisse a tampa da lixeira mas que, ao contrário de mim, tivesse
pelo caso um interesse prático. Pensei, também, se em breve haveria
alguém menos descalço por aí, talvez até, sem se importar, usando
aqueles dois calçados, chamando atenção pela discordância entre
eles, em tantos aspectos; um de homem, outro de mulher, e a pessoa
caminhando meio torta pelo pequeno salto que o sapato preto tinha,
mas tudo bem, quem sabe esse alguém que os encontrou e os quis, quem
sabe tivesse uma perna um pouco maior e essa diferença fosse
exatamente compensada pelo salto preto, quem sabe essa pessoa fosse
metade mulher e metade homem e aqueles calçados representassem
perfeitamente essa essência, quem sabe eles combinariam
perfeitamente entre si, finalmente, com a roupa de tantos tons e
costuras usada por aquela pessoa que os trouxe de volta a vida, nisso
tudo penso lembrando daquele par, e pensando nele me recordo: eram
dois pés esquerdos. Teriam que ser encontrados por alguém bem
peculiar.
Separados por vírgulas
Fronteiras Flutuantes,
lixo,
Sobre caminhos e calmantes,
Sobre deixar o carro em casa
quinta-feira, 30 de outubro de 2014
Os Dois Minutos de Ódio
O tempo é
relativo: o dia tem 24 horas e mais de mil telejornais. Não me
interessa como se escreve telejornal. Não me interessa. O tempo é
uma farsa e o telejornal prevê o tempo. O tempo todo, prevê o ódio.
Prevejo um tempo
em que não seja possível deixar de odiar, o que eu preferiria
evitar. Somos rivais dos vizinhos, prega o comentário. Eles são
diferentes, nós somos iguais. O joio e o trigo só queriam se
enturmar, mas alguém pregou que isso não era permitido. Permitido
mesmo é proibir.
O telejornal ficou
pequeno e hoje é só mais um dos muitos veículos que servem para
nos impulsionar. Há tempos que não ando por algum lugar em que
consiga ficar muito tempo sem ver uma tela. As telas pulsam, pulsam
os pulsos dos ouvintes que queimam lentamente em ódio. Dois minutos
por hora, noventa batidas por minuto; e as doses aumentam. O
telejornal e as outras telas concordam sem dizer que sim; contam
histórias que só diferem no necessário. Por todo o lado, as telas
nos cercam – estão entre nós; evitam que cheguemos uns aos
outros, criando distâncias que não podemos saltar pelo peso do
ódio com que nos carregam.
Entre as torcidas,
uma grade suficientemente frágil isola as vontades de cada lado. Ela
os conta que devem estar separados daqueles outros, aqueles de lá,
que são adversários. E cada lado aprende essa lição em silêncio,
queimando dois minutos por vez até estourar em ódio. Quando
arrancam a grade de seu caminho, a motivação é destrutiva: em vez
de unirem-se aos que diferiam, querem aniquilá-los, torná-los nulos
e conseguir a unidade – mas não através da união. Foi assim que
aprenderam: temer o distinto, odiar o que se teme, destruir o que se
odeia. Sobre aprender, aprenderam muito pouco.
Bruxos e
necromantes fazem parte da ficção. Rogam pragas, sugam almas,
drenam vidas. Criaturas fantasiosas capazes de espalhar o mal
entre as pessoas. Telas e telejornais não são fictícios, estão aí
piscando de maneira odiosa, uma vez a cada dois minutos. Estão aí,
mobilizando-nos uns contra os outros, criando facções extremistas
em cada assunto que julguem que não deva ser ponderado
racionalmente. Aqueles, os do lado de lá,
dizem, eles estão errados, inimigos da verdade que são, e
devem ser calados. Gritem, meus aliados, gritem alto para que os
gritos dos outros não se ouçam, e se não for possível deixar de
ouvi-los, calem-nos a pontapés, tudo será justificado pela veracidade da nossa
causa.
As
telas e os telejornais agem de uma forma que me faz odiá-los
ardentemente; paro por dois minutos e percebo a armadilha. Recuo, me
livrando do ódio, até uma posição que me permita tentar entender.
Dois minutos depois, serei odiado por minha omissão, percebendo que
a grade que separa os dois lados, entre os quais decidi escolher nenhum, ela é uma
grade e não um muro exatamente para que eu não possa ficar sobre
ela. Porque odiar é preciso.
Separados por vírgulas
Chegamos ao cúmulo de batalhas de hatetags,
guerra é paz,
Mais de mil telejornais,
ministérios
terça-feira, 28 de outubro de 2014
Uma súplica pelos dias de hoje
E tu, viajante, não desconfia da tirania desses gigantes que te empurram contra as falésias? Tu não te perguntas: por que me sopram nessa direção? O que há de inimizade naqueles que tanto a mim se assemelham? Tu viajante, andando no trilho dos outros, não te surpreendas que não veja as paisagens que queres, que só conheça o mesmo ritmo dia-a-dia. Eles saúdam o seu próprio poder às custas de nós. Não somos inimigos por pensarmos diferente; arranque do mural o ódio que eles tanto pregam; não sou teu rival por não pensarmos igual. Pelo contrário e pelo bem, diria que isso possibilita uma boa conversa, cada um tem algo a dizer. Não deixe que te ensinem a não escutar. Pegue essas pedras que te deram e construa um abrigo; e quando a chuva for forte, me convide para entrar.
Separados por vírgulas
guerra é paz,
humanos,
Muita gente por aí se achando "melhor" que o Lobão
quinta-feira, 23 de outubro de 2014
Songaripa
Havia, no vilarejo
de Songaripa Nova, diziam os moradores, um homem que fazia milagres.
Uns diziam que era pura bobagem, baita charlatão; outros que era o
Messias, Cristo retornando para nos salvar. Viram-no andando na água,
curando cegueiras, transformando vinho em água, entendendo mentes
femininas. Cada coisa que diziam tornava mais difícil me fazer
acreditar na história.
Resolvi
conhecê-lo.
A única maneira
de chegar em Songaripa Nova, durante o verão, era pegar o trem de
Sacramento, onde eu me escondia na época, seguir até Sorrateiro do
Sul, e de lá subir o morro no lombo de um jegue, a um preço
ridículo de alto, ou alugar um jipe. Mas não tinha jipe para
alugar. Foram catorze horas de trem, devia ter levado só onze. Mas a
seca fode tudo. Inclusive, por causa dela não dava para simplesmente
subir o rio em algum barco a motor, o que seria bem mais confortável
que o jegue. Se eu quisesse conforto, não sairia de casa. Aliás,
nem entraria naquela casa, aquele ninho de lagarto que foi o que eu
consegui arranjar enquanto esperava a década passar.
Cheguei em
Songaripa Nova, que tinha ouvido falar ser um lugar fedido e imundo,
e vi que era mentira o que haviam me dito. Desinformação ou efeitos
dos milagres, eu descobriria em breve. Fui acompanhado por um sujeito
suficientemente simpático chamado Salvio. O filho mais velho dele,
cuja diferença de idade para o pai pouco passava de uma
adolescência, veio nos receber e levar a uma sombra onde os jegues
ficariam e nós não. Eu prentendia ver de zero a um milagres e me
mandar dali o quanto antes.
Esperava encontrar
um homem barbudo, cara de profeta vestindo roupas largas, alto,
esguio. Depois de tomar alguma água barrenta, comer uma fruta cujo
nome jamais saberei recordar, fui apresentado a um rapaz chamado
Jórbeson. O porqueira não passava de um metro e sessenta, tinha uma
barriga de vermes ou de chope, não tinha cabelo, estaria nu não
fosse por um shortinho ridículo da Umbro, atolado na bunda, e andava
descalço. Primeira surpresa positiva: era uma simpatia só. Me
recebeu com um sorriso caloroso, um abraço e me pediu que sentasse
com ele, na sombra de um murinho branco que separava a pobreza da
miséria. Sentamos numas cadeiras de palhas, seriam chamadas de
rústicas na cidade, ali era: o que tinha. Eram boas.
A dor nas costas
foi passando, ali o ar era fresco depois de ter parado um pouco
quieto. Haviam dito ao Jórbeson que eu viera procurá-lo e ele se
preparou para me receber – o que, depois, fui informado de que
significava, entre outras coisas, vestir aquele short. Na presença
de desconhecidos ele não andava pelado. Minha visita o deixara
contente, disse-me. Disse a ele que estive curioso e quisera
conhecê-lo o quanto antes, afinal Cristo não volta todo dia. “Ele
nunca nos deixou, vive em nós”. Perguntei se, afinal, ele não era
o próprio. “Não”; “E essa história dos milagres?”; “Eu
nada fiz”; “E o que aconteceu?”; “Não sei dizer, as pessoas
se deixam levar muito pela fé, o que é bom, mas tendem a relacionar
a ela acontecimentos cuja explicação está muito mais perto do que
pensam”. Sua eloquência me foi outra surpresa e me alegrou. Quando
fui tirar os óculos para limpar o suor pela terceira vez, percebi
que já não transpirava mais. Conversamos por mais uma hora ou
menos, ele me contou sobre algumas aflições que ajudara a superar
com um pouco de conversa, me disse o nome daquela fruta que depois eu
esqueci outra vez, disse que torcia para o XV de Songaripa Velha e
que morou lá até os dezesseis. Andara pelo país e veio parar ali,
tão perto. Morava em Songaripa Nova há menos de dois meses mas já
era amado por todos.
Comentei com ele
que duvidei sobre os milagres desde o início, o que ele concordou
ser sensato. Disse que um milagreiro não deixaria a região onde
mora na seca, o rio morto e esquecido. Ele perguntou “Tem um rio
aqui?” e eu expliquei que tem, quando resolve chover o suficiente,
disse onde ficava. Supreendeu-se e me lembrou que morava ali fazia
pouco e que chuva ainda não tinha visto.
Viu no dia
seguinte, alguns pingos pela manhã. O pessoal festejou e eu, que
pretendia passar apenas uma noite por lá, fiquei foi logo duas. Não
passei fome, e me perguntei se alguém ali passava. Comi um pão
muito bom no café da manhã; o almoço foi vegetariano, mas bastante
farto. No meio da última tarde, quando me preparava para ir embora,
sentia-me leve. Hoje, quem me acompanharia e ajudaria com os jegues era
o Claito, o filho do Salvio que nos recebera no outro dia.
Despedi-me de
Jórbeson, que agradeceu a visita e disse que eu deveria voltar em
breve. “Certamente”, respondi pensando que um falso messias não
leria a mentira em minha mente. Descemos até Sorrateiro do Sul sem
percalços, tirando uma pancada de chuva que teria sido incômoda não
fosse bem vinda.
Chegando na
estação, vi que o pequeno prédio onde fui deixado pelo transporte
animal tinha uma discreta placa que não havia notado antes,
cuidadosamente pintada, onde se lia: “Jórbeson Transportes”. Ri
enquanto ia até o banheiro da estação, vi que havia algum tempo
antes do trem, entrei para dar uma mijada e lavar o rosto. Fui tirar
o óculos e vi que não estava usando. Teria me olhado no espelho,
caso houvesse, mas logo deixei a surpresa de lado e tentei lembrar
onde o teria deixado, procurei na mochila, bolsos e nada. Puta que
pariu, aquela armação linda que foi o último presente do meu único
tio. Me dei conta, depois de algum tempo vagando perto da entrada do
banheiro, que estava sem óculos o dia inteiro. Na verdade, não
tinha usado no dia anterior, também. E lembrei do meu primeiro
encontro com o Jórbeson, quando tirei os óculos e, bosta, foi ali,
não coloquei de volta.
Logo pensei em
voltar lá e buscar, mas, antes de chegar de novo ao aluguel de
jegues, lembrei do compromisso que tinha assumido para dali a dois
dias, onde seria padrinho de crisma do filho de um primo. Olhando
para a placa, percebi que conseguia ler suficientemente bem. Testei
ambos os olhos, que praticamente concordaram com o que viram. Fiquei
mais tranquilo e resolvi deixar para subir o morro na semana
seguinte.
Doze dias depois,
numa terça-feira pela manhã, cheguei novamente à sede da Jórbeson
transportes, onde havia um movimento intenso. Pensei em quanto lucro
um profeta pode gerar e não fui capaz de condená-lo. Disse que
queria uma condução para subir até Songaripa Nova e a atendente me
perguntou se eu preferia ir de jegue ou fazer a volta subindo o rio.
Surpreso, escolhi subir o rio, incapaz de perguntar se era séria
esta opção. Partiria após o almoço. Partimos. No caminho,
descobri que o condutor do barco era sogro do Salvio, o qual comentei
que era um sujeito atencioso e que havia me atendido bem. Pouco
importava minha opinão, percebi.
Cheguei novamente
a Songaripa Nova pela tardinha. Fui recebido, naquele mesmo
patiozinho murado, por um Jórbeson alegre e sem camisa, vestido
apenas com uma bermuda preta de elástico, pés no chão. Disse
“Sabia que voltavas”, ao que respondi que foi bom ter a desculpa
de buscar o óculos, assim poderia vir até ali ter mais uns momentos
de prosa. Nisso ele lembrou que havia guardado para mim meus óculos,
pelo que lhe agradeci. Trouxe-me e logo os vesti. Estranhei.
Tirei-os, olhei-os, reconheci-os pela armação. Comentei que não
consegui enxergar direito com eles. “Estranho”, disse ele.
Levemente perturbado, deitei-os em alguma mesinha e logo me entreti
com alguma conversa. Afinal, era bom estar ali. Acabei ficando cinco
dias, e por três deles consegui me lembrar o nome daquela fruta, que
acabei esquecendo de novo. Chegando em Sorrateiro do Sul, me dei
conta de que não foi a única coisa que esqueci. Li a placa da
empresa de transportes, cada vez mais próspera, e percebi que a lia
perfeitamente. Apenas uma coisa me faria voltar lá de novo: a
armação.
Separados por vírgulas
Fronteiras Flutuantes
segunda-feira, 13 de outubro de 2014
Tentaria alcançar novamente a fronteira, caso houvesse alguma expectativa de êxito em tal intento
Árvores e telhas dançariam juntas se conhecessem os mesmos ritmos - não há motivos para brigar. Motivo talvez haja, razão não. Eu diria que seríamos bons amigos: tu, eu, aqueles que pisoteiam as calçadas que estendemos atrás de nós, aquele pessoal batendo papo ali debaixo da sombra.
Aqui na nossa terra não há pregadores de deserto, não há deserto, não tem nem trem que solte fumaça pelas ventas. Só nós, e nós cuspimos fogo quando preciso; mas não temos asa, nem andaimes, nem vagão. O desenho é inocente de seus traços: "eu sabia de nada". Hervé Joncour nada temia. Quem era Sofia, ele não sabia.
Acredite em mim quando eu disser: Oz nunca deu ao homem de lata algo que ele ainda não tivesse.
Me pergunto como se atrevem a descrever o invisível.
Aqui na nossa terra não há pregadores de deserto, não há deserto, não tem nem trem que solte fumaça pelas ventas. Só nós, e nós cuspimos fogo quando preciso; mas não temos asa, nem andaimes, nem vagão. O desenho é inocente de seus traços: "eu sabia de nada". Hervé Joncour nada temia. Quem era Sofia, ele não sabia.
Acredite em mim quando eu disser: Oz nunca deu ao homem de lata algo que ele ainda não tivesse.
Me pergunto como se atrevem a descrever o invisível.
Separados por vírgulas
Acabo de descobrir que fizeram um filme,
Preso na alfândega
quinta-feira, 9 de outubro de 2014
*•*
Somente foi entre tropeços e solavancos que o senhor subiu a montanha. Pra quê? Pra sentir-se pequeno. Sucesso? Não sei... Não no calor do momento talvez. Era possível residir no início da escalada, no verdinho, pra não se cansar muito.
No processo do pequeno gesto não importava muita coisa. O que se pode fazer?
Quando sobram pessoas e faltam dedos para apontar, talvez a maneira certa seja outra.
Lá de cima o que se vê é o que se é. Somente quem senta no trono poderia ver adiante, e verá o que quiser ver. Ou estaria vendo somente o que o trono quisesse mostrar?
Se algo aconteceu é porque ainda não chegamos lá.
Ainda está incomodando o problema do outro. A sabedoria do espelho viaja longe em um Ba Chuan chinês, entre vários outros espelhos para todos os gostos e ao mesmo tempo nenhuma sabedoria.
Porque o que precisamos ver não é o que queremos ver e sim o que é.
Assim, depois de muito tempo, ao retornar da montanha, quase morrer de fome em um jejum sem precedentes, após a jovem camponesa o ajudar, após o barco passar e a corda do violão afinar, nem muito apertada e nem muito solta...
Nós lhe chamaremos Cygnus. O deus do equilíbrio você será.
No processo do pequeno gesto não importava muita coisa. O que se pode fazer?
Quando sobram pessoas e faltam dedos para apontar, talvez a maneira certa seja outra.
Lá de cima o que se vê é o que se é. Somente quem senta no trono poderia ver adiante, e verá o que quiser ver. Ou estaria vendo somente o que o trono quisesse mostrar?
Se algo aconteceu é porque ainda não chegamos lá.
Ainda está incomodando o problema do outro. A sabedoria do espelho viaja longe em um Ba Chuan chinês, entre vários outros espelhos para todos os gostos e ao mesmo tempo nenhuma sabedoria.
Porque o que precisamos ver não é o que queremos ver e sim o que é.
Assim, depois de muito tempo, ao retornar da montanha, quase morrer de fome em um jejum sem precedentes, após a jovem camponesa o ajudar, após o barco passar e a corda do violão afinar, nem muito apertada e nem muito solta...
Nós lhe chamaremos Cygnus. O deus do equilíbrio você será.
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
Prova Real
Tu chega num resultado e faz a prova real pra saber se ele é verdadeiro. Na vida, não teríamos uma consulta depois das escolhas, nos dizendo se foram acertos. Ou sim. Nos dias que se enfileiram, sensações e percepções nos dão a resposta. Acertei hoje, errarei amanhã. Não que certo ou errado seja tão simples, até porque o que foi certo um dia pode ser errado em todos os outros, mas nessa transmutabilidade, portanto, reside a simplicidade - não há o que se analisar se a resposta é inobtível. O que não é o caso. Quando estou com ela, estou no lugar certo; me sinto feliz. Amor é a resposta.
Separados por vírgulas
Amor é a resposta,
Sim... amor
terça-feira, 30 de setembro de 2014
Revestido de Xadrez
Dormia noites em claro num travesseiro
de duras penas. Escolhia meias, escolhia um prato; para votar, um
candidato; para escrever, nenhuma ideia. A duras penas desligava o
cabo de força, quando a fraqueza tomava conta do corpo. Olhava os
poetas, suas auras de mistério, envoltos em mantos que somente o
tempo sabe tecer. Fechava os olhos e eles cantavam. Abria os olhos,
eles sumiam até serem encontrados, por acaso, outra vez.
Cada dia era uma partida.
Contra si, dizia que não importava
concordar, importava mesmo era a reflexão. Retratos, pedregulhos,
uma colcha, um vestido. Não fez a cama, não fez um plano, não fez
o tema, não fez amor, não fez faculdade, não fez de salame, não
fez careta, não fez nem nada.
Nunca mais vi Jairo. A culpa dele e
disso é minha, percebo sua ausência por pouco. Ele de repente vem me visitar e todas mágoas jamais
existiram. Acolho-o, feliz por seu retorno e deixo-nos estar por um
momento. Em breve ele volta para o seu canto. Poeta que é, cantará
atrás das grades e um dia me darei conta novamente de que há tempos
não o vejo.
Cada dia na vida é uma partida.
Bom mesmo é ter um segundo controle.
Separados por vírgulas
Amor é a resposta,
Separar Rótulos com Vírgulas
Desafilho
Desafiei a mim mesmo: deveria
enfileirar palavras, ordenando-as de maneira que formassem sentido.
Escrever. Desatinei pensar em um tema que as fileiras obecessem,
tropas governadas pelo autor que um dia poderia ter sido. Desafinei
no grito de pedido de socorro, não sei nadar, morrerei enforcado por
uma gargantilha sem nome. Deixei pra lá, pra outra hora, quem sabe.
segunda-feira, 15 de setembro de 2014
Diabos e Demônios
Eles não dão satisfações, não votam eleições, não praticam meditações, não vestem aos gibões; diabos e demônios gritam em diferentes línguas. No fim, somente querem uma coisa: o poder.
Separados por vírgulas
O oeste é o melhor
quarta-feira, 10 de setembro de 2014
Ventania
Por trás de corredores labirínticos, entre as janelas quebradas dos becos antagônicos, viradas surpreendentes em trajetórias imprevisíveis: ventava, inquieta, a calada noite. O surdo tiroteio do firmamento, na sua eterna ameaça de queda, anunciava acontecimentos inevitáveis para antes da aurora. Nada havia a dizer, e nada seria feito quanto a isso.
Separados por vírgulas
Não sei o que dizer
sábado, 30 de agosto de 2014
Por pouco
Tenho pensado pouco, escrito pouco, lido pouco. Tenho expressado pouco, tenho parado pouco para pensar em tudo. Me tornei alguém produtivo. Quando trabalho, trabalho. Deixei de ser um autor clandestino, porque tenho escrito pouco. Podei de mim a criatividade que poderia ter. Lendo textos publicados em 2012, percebo que já desempenhei melhor o papel. Todos nós, na verdade. Ando preocupado, ando distraído por outras necessidades da minha atenção. Perdi a coragem, revesti a sensibilidade que aprendi, outrora, a valorizar.
Vendi-me por pouco; por pouco, eu poderia ter sido outra pessoa; por pouco que me resta, ainda não me desintegrei por completo.
Céus, até me queixar sobre o tempo passado eu fazia melhor antigamente.
Vendi-me por pouco; por pouco, eu poderia ter sido outra pessoa; por pouco que me resta, ainda não me desintegrei por completo.
Céus, até me queixar sobre o tempo passado eu fazia melhor antigamente.
Separados por vírgulas
40d6,
A vida é mais simples que um teste de agarrar,
deserto mental
sexta-feira, 22 de agosto de 2014
Algo
Há algo nesse
lance de viver, nesse jeito de atravessar pontes, andar entre os dias
de um futuro sem promessas. Há algo que reluz em um sorriso, algo
que se possa dizer de uma pessoa para outra, sem pretensões.
É muito bom ser
quase ninguém. Pisotear calçadas sem se importar com a chegada, ver
uma coruja nos galhos de uma árvore. Ser alguém só para quem tu
quer. Escolher seguir as melhores regras, aquelas que nos servem. Não
ser reconhecido. Não ser esquecido por gente que não pretendia te
conhecer.
Há algo de doce
naquela caixa de correio na casa sem cerca bem na frente da padaria
mais simpática da cidade. Há uma cidade esperando, borbulhando,
querendo nascer. Sim, nossos personagens querem vir à tona, querem
ser atoa, ficar devarde.
Há todo amor em
uma sensação que se perde e reencontra, acima das distrações, dos
embustes e outras peripécias que os meios de tarde nos pregam; não
existem pacotinhos, objetos que possam contê-lo. Esse advento
chamado amor rodopia sob o sol, preenche as ruas, atropela os planos,
explode cabeças, ocupa espaços. Sinto-o no ar, sinto em mim todo
amor que pode existir no mundo, e o mundo vive por ele e a primavera
vem chegando, como sempre, finalmente, amemos.
Separados por vírgulas
Amor é a resposta,
Há mor,
Levado pela canção,
Primavera
terça-feira, 5 de agosto de 2014
Papo de Surdo e Mudo
Diziam, que todo advento necessita uma proclamação.
Mas o advento daquele que não veio é um simples piscar de olhos, uma simples constatação. Graças ao Diabo. Isso, se relaxado e bem servido, de uma grande fatia do bolo místico que rege a consciência.
Do contrário, graças a Deus.
Afinal, graças a Deus, não tenho tempo para fazer o que eu gosto, ou o que eu quero e quando quero.
É graças a Ele, que não chego a conclusão nenhuma em função do pouco tempo que tenho para dedicar-me a mim mesmo, ou aos que gosto, naturalmente nem Ele nem o Outro entram nesse jogo astuto. Porque? Acho que porque não cabe. O que é parte não cabe ao todo.
Chuva.
E era uma chuva boa, mas não para limpar a imundície das ruas. Márcia dizia que quando se ficava em silêncio, havia um choque. Era um grande choque, as pessoas ficam chocadas com o que vêem quando realmente vêem. Só parecia um esgoto aberto na verdade, uma cegueira daqueles que podem ver.
Chuva.
Quinta-feira e um homem velho, bem sucedido, mas não na arte do bem estar, nem na arte de falar.
Ela tinha perguntado se o moço que o acompanhava era seu filho. Não. Não que ela já não soubesse a resposta, mas dizia respeito aos bons costumes e também a ser uma boa moça para com os pacientes.
O filho dele, provavelmente estaria estudando medicina ou direito.
Media a pressão do senhor enquanto ele comentava azedo sobre estar chovendo.
Ele pedia sem ao menos falar, uma injeção para a alma. Pedia um remédio para a solidão. Trocaria suas roupas caras por um caro carinho.
E era caro, porque nesse caso ela não saberia dar. Poderia trocar por algo que ela quisesse, não sendo mais um carinho, afinal o que é dado não tem valor.
Estava quase suando. Pela janela embaçada, o movimento e o calor do lado de fora indicavam o humor da cidade.
Choveu mas não esfriou.
Mas o advento daquele que não veio é um simples piscar de olhos, uma simples constatação. Graças ao Diabo. Isso, se relaxado e bem servido, de uma grande fatia do bolo místico que rege a consciência.
Do contrário, graças a Deus.
Afinal, graças a Deus, não tenho tempo para fazer o que eu gosto, ou o que eu quero e quando quero.
É graças a Ele, que não chego a conclusão nenhuma em função do pouco tempo que tenho para dedicar-me a mim mesmo, ou aos que gosto, naturalmente nem Ele nem o Outro entram nesse jogo astuto. Porque? Acho que porque não cabe. O que é parte não cabe ao todo.
Chuva.
E era uma chuva boa, mas não para limpar a imundície das ruas. Márcia dizia que quando se ficava em silêncio, havia um choque. Era um grande choque, as pessoas ficam chocadas com o que vêem quando realmente vêem. Só parecia um esgoto aberto na verdade, uma cegueira daqueles que podem ver.
Chuva.
Quinta-feira e um homem velho, bem sucedido, mas não na arte do bem estar, nem na arte de falar.
Ela tinha perguntado se o moço que o acompanhava era seu filho. Não. Não que ela já não soubesse a resposta, mas dizia respeito aos bons costumes e também a ser uma boa moça para com os pacientes.
O filho dele, provavelmente estaria estudando medicina ou direito.
Media a pressão do senhor enquanto ele comentava azedo sobre estar chovendo.
Ele pedia sem ao menos falar, uma injeção para a alma. Pedia um remédio para a solidão. Trocaria suas roupas caras por um caro carinho.
E era caro, porque nesse caso ela não saberia dar. Poderia trocar por algo que ela quisesse, não sendo mais um carinho, afinal o que é dado não tem valor.
Estava quase suando. Pela janela embaçada, o movimento e o calor do lado de fora indicavam o humor da cidade.
Choveu mas não esfriou.
Separados por vírgulas
júlia,
papo de surdo e mudo
quinta-feira, 24 de julho de 2014
Nem tudo tem uma sigla
Agora que dei um recado a uma amigo,
não tenho mais o que dizer. Mentira, tenho sim, só que ainda não
sei o que é, e a forma de extrair as ideias, não, não são ideias,
seriam, sei lá, pensamentos, sensações, percepções, tudo menos
algo que se saiba nomear, enfim, a forma de extrair essas coisas que
se diz num texto, ela ainda não é um processo documentado, como uma
receita de bolo ou um manual de operação do seu amigão de
plástico. Não. É algo como voar, existe todo um jeitinho para
isso. Tu pega o papel em branco, ou a tela, ou o quadro negro, enfim,
o que raios tu for usar pra escrever, tu encara aquele troço ali,
sem coisa alguma, e não olha nele, tu não pensa nele, tu só faz com
que ele deixe de estar em branco e, quando vê, tá ali, alguma coisa
escrita, sabe-se lá o que queira dizer, na verdade tudo que a gente
queria dizer era algo que explicasse o que a gente não consegue
dizer, que vem a ser muita coisa, a imensa maioria, e como bom mesmo
é ser minoria, a gente finge que sabe do que tá falando num
charlatanismo mútuo: eu finjo que demonstro, tu finge que percebe.
Conoto, discorro. De tudo um pouco; tudo menos algo que saiba se
explicar. Quem faz o manual de instruções da máquina de lavar
roupa, de lavar prego, qualquer máquina, que eu saiba não é ela
mesma. E quem é esse cara que diz como se deve usar alguma coisa, se
ele nem sabe usar a cabeça, a mão ou a orelha pra dizer o que ele
pensa, que não vem nem a ser pensamento, porque o que ele pensa ele
até entende, agora essa coisa que sai quando o cara resolve se
expressar, o que é isso?, expressão?, isso eu não sei, nem ele,
mas ele escreveu um manual, pelo menos não se atreveu a falar de si,
e eu, de que ouso falar aqui, ah, Joe, é só sobre o tempo, que tá
uma chuvinha boa demais, adoro essa época, o tempo passa e a chuva
também, mas explicação, essa não vem, e nem precisa. Eu devia ter
anotado o telefone do doutor.
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Sobre caminhos e calmantes,
Someone call for de docter?
Bitcho!
Houve uma época em que a chuva
inspirava, em que as bétulas eram algo de que eu me lembrava. Eu
sabia o que dizer entre um ponto e outro, numa palavra trocada por
outra, na hora certa. Ouvia uma canção, lembrava de alguém,
esquecia o assunto. Tropicava em frases que não esperava,
silenciosamente me aproximando do fim de um parágrafo não
planejado. Não era eu que escrevia. Talvez por isso eu não possa
desaprender.
Meu amigo, deixa as palavras saírem,
deixa que elas não são tuas, não é com elas que tens de lidar.
Sobre pensar: nem pensar. Scataplam!
Separados por vírgulas
Escrever por escrever,
expressarporexpressar
terça-feira, 22 de julho de 2014
Eco
Na mesma chuva que despertava um
pássaro, um desenho se apagava na calçada. O pássaro decidiu subir
na vida; o homem buscava reconhecimento.
Sujeito oculto, pretérito
mais-que-imperfeito, futuro insensato; suspeito de um crime
imprevisto, foi reconhecido por um auto-retrato falado feito às
cegas; não, não voltaríeis para o inferno. Cada lugar tem seu
tempo, e sem o espaço o tempo não exisitiria. Encaro a tela em
branco como quem encara a navalha do barbeiro.
Arrastam-no solito ao
xilindró, que cúmplices não havia. Culpado de não saber é
condenado sozinho. E, não sabendo, apenas invento, imagino, seguindo
adiante depois da vírgula, parando um pouco antes do ponto.
quinta-feira, 17 de julho de 2014
Ás de Copas
Diferentes línguas falam diferentes
palavras,
diferentes histórias variam entre bem
e mal contadas
Sufoca um grito,
deixa escapar um gemido
desaba em suspiro na vontade de mudar a
si mesmo, que vem e até vai
mas volta
Separados por vírgulas
Separar Rótulos com Vírgulas,
Sobre caminhos e calmantes
Si bemol
Houve uma época sobre a qual eu falaria no final desta frase, mas ela passou.
Separados por vírgulas
Fá sustenido menor,
Sobre o tempo e a tontice
Sobre refugos e resmungos
Me dei conta há pouco de que o processo que compreende o ciclo de escrita de textos é composto em forma de círculo. Mais ou menos como um cu.
Primeiro, se pensa em algo; segundo, se começa a escrever sobre o algo; terceiro, se perde o foco e muda de assunto; quinto, se se esquece de alguma coisa sobre o algo. Depois, a ordem não importa e as frases vareiam de tamanho, acabou-se de escrever errada uma palavra, ora até eu erro, chora cavaco, vai-se embora a prosa, porque da poesia não se tem notícias há tempos. Ah, há deus? Somente um, mas não é o mesmo para todos. Então ele teria várias facetas, pois cada um o enxerga de uma forma, tipo isso? Então ele é um duas-caras, é isso? Sendo um para cada um, seu tamanho, pressuposto pela quantidade de um's que tem por aí, acreditando nele mesmo contra todas as probabilidades, enfim, seu tamanho variaria de acordo com a quantidade de cada um's disponíveis para ter um dels, o que, aimeldeus, faz com que ele possa variar até o infinito, o que seria deveras divino, mas poderia cair a zero, o que seria diabólico. Há quem? Não, muito além, cidadão qual, tão jovial me sinto a saber que ainda falta muito tempo para que se chegue a uma conclusão sobre toda essa história, e nesse meio tempo, mas como que vai dividir tempo no meio!, é que nem dizer "meio eito", o eito é universal, assim como o universo é atemporal, assim como um temporal se avizinha com um propósito siniesto, oras, nesse tempo, então, que falta para se chegar a qualquer lugar, bem, eu posso procurar aprender se ali atrás eu devia ter usado próclise ou ênclise e, quem sabe, sair corrigindo as cagaditas desse tipo que eu venho deixando pra trás há tempos. Aliás, há tempo?
Primeiro, se pensa em algo; segundo, se começa a escrever sobre o algo; terceiro, se perde o foco e muda de assunto; quinto, se se esquece de alguma coisa sobre o algo. Depois, a ordem não importa e as frases vareiam de tamanho, acabou-se de escrever errada uma palavra, ora até eu erro, chora cavaco, vai-se embora a prosa, porque da poesia não se tem notícias há tempos. Ah, há deus? Somente um, mas não é o mesmo para todos. Então ele teria várias facetas, pois cada um o enxerga de uma forma, tipo isso? Então ele é um duas-caras, é isso? Sendo um para cada um, seu tamanho, pressuposto pela quantidade de um's que tem por aí, acreditando nele mesmo contra todas as probabilidades, enfim, seu tamanho variaria de acordo com a quantidade de cada um's disponíveis para ter um dels, o que, aimeldeus, faz com que ele possa variar até o infinito, o que seria deveras divino, mas poderia cair a zero, o que seria diabólico. Há quem? Não, muito além, cidadão qual, tão jovial me sinto a saber que ainda falta muito tempo para que se chegue a uma conclusão sobre toda essa história, e nesse meio tempo, mas como que vai dividir tempo no meio!, é que nem dizer "meio eito", o eito é universal, assim como o universo é atemporal, assim como um temporal se avizinha com um propósito siniesto, oras, nesse tempo, então, que falta para se chegar a qualquer lugar, bem, eu posso procurar aprender se ali atrás eu devia ter usado próclise ou ênclise e, quem sabe, sair corrigindo as cagaditas desse tipo que eu venho deixando pra trás há tempos. Aliás, há tempo?
Separados por vírgulas
A sorte do dia se repetia,
adeus,
Há deus?,
Um Scataplam! cairia bem
segunda-feira, 14 de julho de 2014
Uop
A janela mostra um mundo mais escuro do que aquele que eu me recordo de ter deixado lá fora, tempos atrás, quando entrei aqui. Numa sala com muitas luzes, a minha mão tem várias sombras, umas mais fracas que as outras. A parte sobre a qual as lâmpadas concordam: "não a vemos", essa é a mais forte.
Falar em tempo é tão incerto... mas deixei para trás uma época em que era mais natural sentar aqui e me expressar. Nunca me tornei um especialista, desconfio que primeiro por conveniência e, depois, por concordar comigo mesmo. É, foi escolha minha - mesmo que eu não a tenha feito a princípio, depois acabei por adotar; e pai é quem cria. Fico feliz por não ter, por isso, precisado deixar de lado algumas coisas, como quem abdica das escolas proibidas - e não como quem abdica de um toco; Ao contrário, pude deixar de lado tantas coisas quando quis, sendo não mago nem mestre, mas aprendiz universalista de uma escola em suspensão temporal por falta de conclusões práticas - a prática leva à confusão.
Mas isso também é bom; aprendi a não me deixar impressionar por aqueles que queimam cana com chuvas de meteoros. Em vez de criar fogo a partir de um nada, aprendi muito bem a não conseguir fazer funcionar um isqueiro.
Acumulo as funções de mago e escriba, mas escrever minhas memórias ainda é um processo mundano. Me incomoda, apenas, não lembrar onde guardei a pena e a tinta invisível.
Falar em tempo é tão incerto... mas deixei para trás uma época em que era mais natural sentar aqui e me expressar. Nunca me tornei um especialista, desconfio que primeiro por conveniência e, depois, por concordar comigo mesmo. É, foi escolha minha - mesmo que eu não a tenha feito a princípio, depois acabei por adotar; e pai é quem cria. Fico feliz por não ter, por isso, precisado deixar de lado algumas coisas, como quem abdica das escolas proibidas - e não como quem abdica de um toco; Ao contrário, pude deixar de lado tantas coisas quando quis, sendo não mago nem mestre, mas aprendiz universalista de uma escola em suspensão temporal por falta de conclusões práticas - a prática leva à confusão.
Mas isso também é bom; aprendi a não me deixar impressionar por aqueles que queimam cana com chuvas de meteoros. Em vez de criar fogo a partir de um nada, aprendi muito bem a não conseguir fazer funcionar um isqueiro.
Acumulo as funções de mago e escriba, mas escrever minhas memórias ainda é um processo mundano. Me incomoda, apenas, não lembrar onde guardei a pena e a tinta invisível.
Separados por vírgulas
Separar Rótulos com Vírgulas,
Uma dinamite pangalática cairia bem
sexta-feira, 4 de julho de 2014
Alcancei Godofredo com certa facilidade enquanto cruzávamos pátios acolhedores e surpreendentemente mais tranquilos. Ali não tínhamos pressa e era mais fácil caminhar sem ter que desviar das carcaças, dos pedintes e dos advogados que encontrávemos em ambientes passados.
Quando cheguei até ele, encontrava-se iracundo, pela falta de
Quando cheguei até ele, encontrava-se iracundo, pela falta de
Separados por vírgulas
Silent Sorrow In Empty Boats
quarta-feira, 2 de julho de 2014
Talvez não vale a pena
Ela dizia que se o horário que deve cumprir, o trabalho que deve realizar, o trânsito que deve enfrentar ou a conversa que urge comunicar, ficar no caminho daquilo que considera o famoso "Bom Senso", havia algo errado com a sua ação.
Normalmente suas críticas e seus argumentos desviavam ao longe, os olhares raivosos e as aproximações latentes, odiosas, providas talvez daquilo que ela mesma falava, inclusive. O seu ato de fumar, beber e gastar dinheiro em coisas como festas.
Talvez o que escapasse fosse o fato de tudo o que ela fazia ser equilibrado. Fumava pouco, bebia pouco, e festejava pouco, em um estranho ciclo. Transava pouco inclusive.
Aí um cara se atira do último andar do prédio do Banco do Brasil. "Talvez não valha a pena trabalhar em um banco."Se a coisa ultrapassa o limite do "Bom Senso", é algo que talvez não valha a pena ser feito.
Existe tanta gente dizendo o que precisamos fazer, mas poucas nos dizendo para pensarmos por nós mesmos.
Existem pessoas que te perguntam: "O que é a felicidade?" Para logo em seguida 'combater' toda e qualquer resposta no melhor estilo Sebrae de ser.
Decididamente ela odiava as palavras 'chave'.
O ônibus ainda estava na Ipiranga. Era um dia de chuva e as pessoas se xingavam como nunca no trânsito.
As pessoas no sinal eram ignoradas como de costume. Ao menor sinal de aproximação o vidro do carro levantava, como se alguma coisa podre exalava seu cheiro, insuportável... Não sei mais o que é insuportável.
No banco vermelho e preferencial da frente, duas adolescentes, cada uma em uma bolha diferente. A maçã mordida em suas mãos, do grande gênio que mostrou ao mundo que o mundo precisava de fato de algo que não se precisava. Enquanto os velhos ficavam de pé olhando o horizonte nebuloso, e esperando o momento de sentar nos bancos destinados a eles.
Havia quem reclamasse de seu azedume, mas com certeza não seria o senhor que sentou em seu lugar quando ela se levantou.
O que vale a pena ser feito?
Normalmente suas críticas e seus argumentos desviavam ao longe, os olhares raivosos e as aproximações latentes, odiosas, providas talvez daquilo que ela mesma falava, inclusive. O seu ato de fumar, beber e gastar dinheiro em coisas como festas.
Talvez o que escapasse fosse o fato de tudo o que ela fazia ser equilibrado. Fumava pouco, bebia pouco, e festejava pouco, em um estranho ciclo. Transava pouco inclusive.
Aí um cara se atira do último andar do prédio do Banco do Brasil. "Talvez não valha a pena trabalhar em um banco."Se a coisa ultrapassa o limite do "Bom Senso", é algo que talvez não valha a pena ser feito.
Existe tanta gente dizendo o que precisamos fazer, mas poucas nos dizendo para pensarmos por nós mesmos.
Existem pessoas que te perguntam: "O que é a felicidade?" Para logo em seguida 'combater' toda e qualquer resposta no melhor estilo Sebrae de ser.
Decididamente ela odiava as palavras 'chave'.
O ônibus ainda estava na Ipiranga. Era um dia de chuva e as pessoas se xingavam como nunca no trânsito.
As pessoas no sinal eram ignoradas como de costume. Ao menor sinal de aproximação o vidro do carro levantava, como se alguma coisa podre exalava seu cheiro, insuportável... Não sei mais o que é insuportável.
No banco vermelho e preferencial da frente, duas adolescentes, cada uma em uma bolha diferente. A maçã mordida em suas mãos, do grande gênio que mostrou ao mundo que o mundo precisava de fato de algo que não se precisava. Enquanto os velhos ficavam de pé olhando o horizonte nebuloso, e esperando o momento de sentar nos bancos destinados a eles.
Havia quem reclamasse de seu azedume, mas com certeza não seria o senhor que sentou em seu lugar quando ela se levantou.
O que vale a pena ser feito?
terça-feira, 1 de julho de 2014
O Feitiço
Era uma noite espelhada; as pedras das
ruas e as calçadas refletiam a chuva que caía e não passava. Atrás
de uma porta, ouvia-se gritos alegres e protestos inúteis.
Debaixo da ponte que levava à cidade alta, um guerreiro pede ao seu escudeiro que lhe traga sua espada larga e sua cruz de ouro. Numa batalha que deve ser decidida na força, poderá encontrar reforço na fé.
Um sinal e um amuleto o acompanham até a saída da cidade.
Longe dali, no terceiro andar de uma torre sem fim, um mago prepara um feitiço. Que caiam os cavaleiros; queimaremos as pontes. Sobre a estante cheia de poeira e tomos, um corvo observa com cara de corvo. O feitiço não tarda. O mago não se atrasa.
No segundo andar da torre vizinha, um escriba comete uma profecia e tenta esquecê-la: é tarde demais.
Amanhece na taverna. A umidade seca e as paredes se negam a cair por mais um dia; bebedeiras viram ressacas e os estupros resultarão em bastardos - ou não.
Num campo cinzento, a espada desce num golpe, a cruz de ouro cai; romperam-se a corrente, os vasos sanguíneos do guerreiro e a fé que ele ousava carregar em mais uma derrota.
O mago abre a porta e desce as escadas. Não usa amuletos. O corvo o acompanha num bater de asas vagaroso.
O escriba perece em meio às chamas em que tentou desfazer a profecia - que sobrevive: era tarde demais.
O mago chega ao pé da torre, caminha até a ponte que leva à cidade baixa. Apoia no chão o seu cajado e lança dali um feitiço que consome toda a terra que se estende até o horizonte. Sem esperar seu efeito, retorna até sua torre, tranca-se no terceiro andar, onde preparará um feitiço.
O dia desemboca numa noite chuvosa. Na taverna, mulheres fogem de homens que chovem da chuva, protestando em vão: é cedo demais. Uma batalha será perdida; nesta guerra que nunca acaba, jamais conheceremos o vencedor.
Debaixo da ponte que levava à cidade alta, um guerreiro pede ao seu escudeiro que lhe traga sua espada larga e sua cruz de ouro. Numa batalha que deve ser decidida na força, poderá encontrar reforço na fé.
Um sinal e um amuleto o acompanham até a saída da cidade.
Longe dali, no terceiro andar de uma torre sem fim, um mago prepara um feitiço. Que caiam os cavaleiros; queimaremos as pontes. Sobre a estante cheia de poeira e tomos, um corvo observa com cara de corvo. O feitiço não tarda. O mago não se atrasa.
No segundo andar da torre vizinha, um escriba comete uma profecia e tenta esquecê-la: é tarde demais.
Amanhece na taverna. A umidade seca e as paredes se negam a cair por mais um dia; bebedeiras viram ressacas e os estupros resultarão em bastardos - ou não.
Num campo cinzento, a espada desce num golpe, a cruz de ouro cai; romperam-se a corrente, os vasos sanguíneos do guerreiro e a fé que ele ousava carregar em mais uma derrota.
O mago abre a porta e desce as escadas. Não usa amuletos. O corvo o acompanha num bater de asas vagaroso.
O escriba perece em meio às chamas em que tentou desfazer a profecia - que sobrevive: era tarde demais.
O mago chega ao pé da torre, caminha até a ponte que leva à cidade baixa. Apoia no chão o seu cajado e lança dali um feitiço que consome toda a terra que se estende até o horizonte. Sem esperar seu efeito, retorna até sua torre, tranca-se no terceiro andar, onde preparará um feitiço.
O dia desemboca numa noite chuvosa. Na taverna, mulheres fogem de homens que chovem da chuva, protestando em vão: é cedo demais. Uma batalha será perdida; nesta guerra que nunca acaba, jamais conheceremos o vencedor.
Separados por vírgulas
ecos de um tempo distante,
Gigantes falecidos,
magos,
Não queira ver o filho da Aloria
sexta-feira, 27 de junho de 2014
Vai sonhando
Que sonho. Que coisa.
Coisa alguma agora.
Ela olhou o celular. Ainda era noite, madrugada, horário de estar dormindo.
Tinha a impressão de ter tido uma paralisia do sono, como se alguém estivesse no quarto. Alucinações.
Na sua cabeça, pairava uma adorável música. Adorável, porém desesperada:
"All you maggots smokin' fags on Santa Monica boulevard..." Cantavam duas vozes.
Nesse momento Júlia curiosamente estava procurando o maço de cigarro. Desistiu.
Quando foi até a cozinha atrás de um copo d'água, percebeu que sua mãe teria um treco ao ver aquele apartamento. Ela diria que tudo estava fora de 'ordem'.
"Humpf. Como se houvesse uma regra..." pensou alto. O velho azedume se manifestando novamente.
Pegou o celular enquanto sentava no sofá. Havia uma mensagem de um cara muito chato, que parecia estar a fim dela. Mas era aquela coisa, ele havia demonstrado tudo que faz uma garota não querer se envolver de forma alguma.
Jogou o celular no sofá e bebeu um gole de água.
A tv a sua frente era quase como um espelho... empoeirado. Mas ela não esquecia, e ficava feliz sempre que lembrava o quanto não lembrava da última vez que ligou o aparelho.
Lembrou novamente do sonho. Era quase um pesadelo, quando se acorda. Porque no sonho estava muito melhor, havia aquela coisa boa que os sonhos gostam de proporcionar só para quando você for acordar se lembrar que a realidade é diferente.
Por que as coisas que não existem, geralmente são mais atrativas?
Com certeza era por alguma razão muito estranha que somente se pode ver o que não existe, de olhos bem fechados.
Coisa alguma agora.
Ela olhou o celular. Ainda era noite, madrugada, horário de estar dormindo.
Tinha a impressão de ter tido uma paralisia do sono, como se alguém estivesse no quarto. Alucinações.
Na sua cabeça, pairava uma adorável música. Adorável, porém desesperada:
"All you maggots smokin' fags on Santa Monica boulevard..." Cantavam duas vozes.
Nesse momento Júlia curiosamente estava procurando o maço de cigarro. Desistiu.
Quando foi até a cozinha atrás de um copo d'água, percebeu que sua mãe teria um treco ao ver aquele apartamento. Ela diria que tudo estava fora de 'ordem'.
"Humpf. Como se houvesse uma regra..." pensou alto. O velho azedume se manifestando novamente.
Pegou o celular enquanto sentava no sofá. Havia uma mensagem de um cara muito chato, que parecia estar a fim dela. Mas era aquela coisa, ele havia demonstrado tudo que faz uma garota não querer se envolver de forma alguma.
Jogou o celular no sofá e bebeu um gole de água.
A tv a sua frente era quase como um espelho... empoeirado. Mas ela não esquecia, e ficava feliz sempre que lembrava o quanto não lembrava da última vez que ligou o aparelho.
Lembrou novamente do sonho. Era quase um pesadelo, quando se acorda. Porque no sonho estava muito melhor, havia aquela coisa boa que os sonhos gostam de proporcionar só para quando você for acordar se lembrar que a realidade é diferente.
Por que as coisas que não existem, geralmente são mais atrativas?
Com certeza era por alguma razão muito estranha que somente se pode ver o que não existe, de olhos bem fechados.
quarta-feira, 18 de junho de 2014
Fica proutra hora
Para hoje, um hiato.
Fica pra'manhã aquela conversa sobre o tempo, sob o vento, debaixo de uma marquise que protege da chuva mas não da friagem.
Para hoje, apenas um gole d'água que nos ajude a engolir mais uma pílula frívola de passagem temporânea; depois, uma bolacha maria encharcada por um excesso de saliva que não significa coisa alguma.
Para uma tarde que ainda não principiou, mas já se anuncia malpassante, eu nada preparei. Nem mesmo a mim, e nem um sanduba.
Penso que deveria invocar alguma coisa. Ou evocar. Ou comer uma pizza com os sabores da minha preferência. Ou escrever um texto. Não, amanhã eu faço isso. Para hoje: um silêncio.
Shiu
Fica pra'manhã aquela conversa sobre o tempo, sob o vento, debaixo de uma marquise que protege da chuva mas não da friagem.
Para hoje, apenas um gole d'água que nos ajude a engolir mais uma pílula frívola de passagem temporânea; depois, uma bolacha maria encharcada por um excesso de saliva que não significa coisa alguma.
Para uma tarde que ainda não principiou, mas já se anuncia malpassante, eu nada preparei. Nem mesmo a mim, e nem um sanduba.
Penso que deveria invocar alguma coisa. Ou evocar. Ou comer uma pizza com os sabores da minha preferência. Ou escrever um texto. Não, amanhã eu faço isso. Para hoje: um silêncio.
Shiu
Separados por vírgulas
O que há no vidro de pílulas que tu carregas?,
Oh come on Joe
terça-feira, 3 de junho de 2014
Ka-tet
No início, era só uma voz agradável tentando agradar um número indeterminado de outras vozes: entre duas e cinco mil. Pelo que me lembro, aquela tentativa não estava muito exitosa. Não que isso fosse levá-lo a desistir, afinal tentar era tudo que ele precisava. Uma parede fina e fajuta separava-nos visualmente, mas por enquanto não importava, em um dia por vir eu estaria lá dentro.
Um tempo depois, acabei de perceber que nesse dia eu conheci, sem me dar conta, a essência do dono daquela voz: tentar agradar àqueles de quem gosta. Ao contrário de mim, que do outro lado daquela parede me esforcei um tantinho para que não me gostassem; mas ele não sucumbiu ao poder da minha antipatia - de início, o único. Pelo contrário, acabou por me guardar um lugar dentro de si, carregando-me com ele debaixo do guarda-chuva que nos une, lugar este onde, um dia, deixarei de lembrança um peido bem fedido antes de partir - e ele vai cheirar com muito gosto: ele adora isso.
Apesar da minha velhice, ele sempre foi mais velho do que eu, e como é natural que aconteça, me ensinou oh so many coisas. E me orgulho às pampas de ter-lhe ensinado umas duas ou seis. Bem, de fato ele me apresentou um guia, e desde então nunca mais estive em pânico.
Aprendemos juntos que as garotas azuis vêm em todos os tamanhos, e ele me levou até aquela que tem o tamanho certo pra mim; mas isso é outra história, e cada história é uma história de amor.
Quem diria que um dia eu sentiria saudades de uma coisa tão feia e peluda?! E tão amável e supimpa, e outras qualidades catastróficas! Falo do meu discípulo preferido, o inestimável companheiro da liturgia da palavra e da experiência única que é conhecê-lo. Pois ora, ninguém o conhece como eu conheço - e eu não o conheço como outros o conhecem. É assim, para cada um somos um; ele que me ensinou isso. E veja, ele andou tanto e chegou tão longe (perto) - imagina se tivesse boas as duas pernas; chegou, enfim, à posição de segunda pessoa na sonora frase: Te amo, cara.
Um tempo depois, acabei de perceber que nesse dia eu conheci, sem me dar conta, a essência do dono daquela voz: tentar agradar àqueles de quem gosta. Ao contrário de mim, que do outro lado daquela parede me esforcei um tantinho para que não me gostassem; mas ele não sucumbiu ao poder da minha antipatia - de início, o único. Pelo contrário, acabou por me guardar um lugar dentro de si, carregando-me com ele debaixo do guarda-chuva que nos une, lugar este onde, um dia, deixarei de lembrança um peido bem fedido antes de partir - e ele vai cheirar com muito gosto: ele adora isso.
Apesar da minha velhice, ele sempre foi mais velho do que eu, e como é natural que aconteça, me ensinou oh so many coisas. E me orgulho às pampas de ter-lhe ensinado umas duas ou seis. Bem, de fato ele me apresentou um guia, e desde então nunca mais estive em pânico.
Aprendemos juntos que as garotas azuis vêm em todos os tamanhos, e ele me levou até aquela que tem o tamanho certo pra mim; mas isso é outra história, e cada história é uma história de amor.
Quem diria que um dia eu sentiria saudades de uma coisa tão feia e peluda?! E tão amável e supimpa, e outras qualidades catastróficas! Falo do meu discípulo preferido, o inestimável companheiro da liturgia da palavra e da experiência única que é conhecê-lo. Pois ora, ninguém o conhece como eu conheço - e eu não o conheço como outros o conhecem. É assim, para cada um somos um; ele que me ensinou isso. E veja, ele andou tanto e chegou tão longe (perto) - imagina se tivesse boas as duas pernas; chegou, enfim, à posição de segunda pessoa na sonora frase: Te amo, cara.
Separados por vírgulas
"Isso aí é teu chefe",
19,
42,
Abrace um amigo,
Jacó,
No homo intended,
Sobre um cara tão legal que eu nem sei o que dizer,
Te amo cara
quarta-feira, 21 de maio de 2014
Júlia talvez estava certa
Porque era sempre assim. Como a palavra de Sêneca, ecoando pelos tempos, ou numa nota musical do lado escuro da lua. Ela gostava da lua, mas isso fugia ao assunto.
Tantos papéis de fórmulas falidas, apontando apenas uma direção. Eu sei, parece tão óbvio. Mas não é.
Eu tentei dizer, que andar em círculos não é percorrer um caminho. Qual é o caminho?
Eu disse que o ponto era o acúmulo de riquezas, e que isso era assunto que não deveria vir à tona, afinal, em que chão repousariam as "instituições" e a máscara do "estado", caso um dedo incômodo do questionar tocasse a ferida deixada de lado?
Enfim, você deve perseguir a riqueza e o sucesso na vida. Pra mim isso é claro. Mas posso citar dois desfechos muito recorrentes. Ou você de fato consegue o sucesso e a riqueza através do convencional esqueça-de-tudo-o-que-pode-te-atrapalhar-na-grande-escadaria-para-o-sucesso e escreva livros sobre atitude e palavras chaves, ou você pode acabar no outro lado, que muitos podem forçar o esquecimento. Talvez por ser extremamente parecido com o "homem de bem", palestreiro e grande escritor.
Você pode vir a ser famoso nas reportagens dos jornais e em grandes campanhas de ódio promovidas pelos mesmos... Já pensou?
É. É disso que falo. De arma na mão, atirando no espelho vazio que restou da própria sanidade. Ferida social, mancha do progresso e alvo da sociedade.
Tá. Pena de morte. Mate-os então. Mate todos.
Nessa hora, acendeu um cigarro e olhou em volta.
Centro 1, noite chuvosa e um cheiro de cachorro molhado. As pessoas saíam das salas. Muitas provas.
Ela estava escorada na parede, com o pé apoiado e cigarro pro lado.
O que quero dizer, é que a busca é a mesma, de arma na mão ou de barba feita e paletó engomado. E um lado sempre vai achar que o outro está errado, acredite...
Eu não tenho a solução.
Sinceramente, parei de procurar.
Por um momento ele olhou daqueles coturnos pretos até as pontas rosas dos cabelos dela.
Irritado.
"Esperava mais de ti. Uma guria tão inteligente..."
O blábláblá continuou.
Por entre a fumaça do cigarro veio aquele sorriso de sarcasmo barato e de dentes escovados.
Muitas pessoas estavam indo pegar o ônibus, era final de semestre.
É.
Por que me pergunta?
Tu não quer minha opinião, tu só quer que eu concorde.
O rapaz, irritado e ao mesmo tempo pensando se ela não estaria certa. O que o deixava mais irritado ainda.
Isso era muito comum. Mais comum do que imaginamos.
Era delicado, no fundo. Era como jogar ping pong, era necessária a força certa, nem muito forte e nem muito fraca.
Normalmente ela falava sem pensar muito, e as conversas dificilmente duravam mais que um cigarro.
É o que temos.
Colocou os fones, enquanto o rapaz se distanciava.
Banda Focus.Destino: Topique e depois casa.
Tantos papéis de fórmulas falidas, apontando apenas uma direção. Eu sei, parece tão óbvio. Mas não é.
Eu tentei dizer, que andar em círculos não é percorrer um caminho. Qual é o caminho?
Eu disse que o ponto era o acúmulo de riquezas, e que isso era assunto que não deveria vir à tona, afinal, em que chão repousariam as "instituições" e a máscara do "estado", caso um dedo incômodo do questionar tocasse a ferida deixada de lado?
Enfim, você deve perseguir a riqueza e o sucesso na vida. Pra mim isso é claro. Mas posso citar dois desfechos muito recorrentes. Ou você de fato consegue o sucesso e a riqueza através do convencional esqueça-de-tudo-o-que-pode-te-atrapalhar-na-grande-escadaria-para-o-sucesso e escreva livros sobre atitude e palavras chaves, ou você pode acabar no outro lado, que muitos podem forçar o esquecimento. Talvez por ser extremamente parecido com o "homem de bem", palestreiro e grande escritor.
Você pode vir a ser famoso nas reportagens dos jornais e em grandes campanhas de ódio promovidas pelos mesmos... Já pensou?
É. É disso que falo. De arma na mão, atirando no espelho vazio que restou da própria sanidade. Ferida social, mancha do progresso e alvo da sociedade.
Tá. Pena de morte. Mate-os então. Mate todos.
Nessa hora, acendeu um cigarro e olhou em volta.
Centro 1, noite chuvosa e um cheiro de cachorro molhado. As pessoas saíam das salas. Muitas provas.
Ela estava escorada na parede, com o pé apoiado e cigarro pro lado.
O que quero dizer, é que a busca é a mesma, de arma na mão ou de barba feita e paletó engomado. E um lado sempre vai achar que o outro está errado, acredite...
Eu não tenho a solução.
Sinceramente, parei de procurar.
Por um momento ele olhou daqueles coturnos pretos até as pontas rosas dos cabelos dela.
Irritado.
"Esperava mais de ti. Uma guria tão inteligente..."
O blábláblá continuou.
Por entre a fumaça do cigarro veio aquele sorriso de sarcasmo barato e de dentes escovados.
Muitas pessoas estavam indo pegar o ônibus, era final de semestre.
É.
Por que me pergunta?
Tu não quer minha opinião, tu só quer que eu concorde.
O rapaz, irritado e ao mesmo tempo pensando se ela não estaria certa. O que o deixava mais irritado ainda.
Isso era muito comum. Mais comum do que imaginamos.
Era delicado, no fundo. Era como jogar ping pong, era necessária a força certa, nem muito forte e nem muito fraca.
Normalmente ela falava sem pensar muito, e as conversas dificilmente duravam mais que um cigarro.
É o que temos.
Colocou os fones, enquanto o rapaz se distanciava.
Banda Focus.Destino: Topique e depois casa.
sábado, 17 de maio de 2014
As calçadas e eu
Coisas aconteceram e as percebo enquanto caminho em alguma calçada. Vejo sinais que poderiam ser interpretados de tantas formas diferentes que acabo escolhendo apenas uma: um dia inteiro aconteceu ontem, aqui.
Borboletas voam baixo, vejo um lixo sem educação jogado ao chão; um cachorro cagou aqui; um homem comeu ali e deixou o que restou da sua marmita; outro deixou o que restou da sua sorte, nas gotas de sangue arrancadas por mais uma tentativa.
Atravesso ruas para chegar em outras calçadas, sigo por elas acompanhado apenas pela história silenciosa que habita aquele ar que, ontem, alguém respirou; se paro, não volto e enquanto caminho me lembro que somos um pássaro num galho. Passo pelas esquinas e elas me soam tão cretinas: paradas ali, dizendo-me que eu vá, escolha um lugar para ir.
É, Zé, os passos que nos restam estão contados, mas não sabemos o tamanho desta conta. E um dia eu voltarei aqui pela última vez.
Borboletas voam baixo, vejo um lixo sem educação jogado ao chão; um cachorro cagou aqui; um homem comeu ali e deixou o que restou da sua marmita; outro deixou o que restou da sua sorte, nas gotas de sangue arrancadas por mais uma tentativa.
Atravesso ruas para chegar em outras calçadas, sigo por elas acompanhado apenas pela história silenciosa que habita aquele ar que, ontem, alguém respirou; se paro, não volto e enquanto caminho me lembro que somos um pássaro num galho. Passo pelas esquinas e elas me soam tão cretinas: paradas ali, dizendo-me que eu vá, escolha um lugar para ir.
É, Zé, os passos que nos restam estão contados, mas não sabemos o tamanho desta conta. E um dia eu voltarei aqui pela última vez.
Separados por vírgulas
Oh come on Joe,
Sobre caminhos e calmantes,
Sobre deixar o carro em casa
terça-feira, 13 de maio de 2014
De alma armada
"Deve ser muito bacana cuidar dos outros né?"
"Deve ser gratificante. Um dia queria aprender a fazer algo parecido."
Na verdade, não sabem do que falam. Nem como falam.
Aliás, só falam mesmo. Não querem saber de pensar criticamente, ser cri-cri, chata, incomodativas mais do que investigativas. Como ela era.
"Então por que tu não faz?"
O velho azedume.
Na primeira vez que a vó dela a viu com o uniforme de enfermeira, foi igual. Um igual mais familiar, aquela simpatia de velhinhas bondosas que querem o bem para as netas.
"Que coisa bonita! De uniforme e tudo para trabalhar bastante."
Por baixo do uniforme, mal sabia a avó, estava aquele tecido com estampa de banda de "róque pauleira", definição dos mais velhos.
Júlia nunca se incomodou com isso. Na verdade fazia tempo que não se incomodava mais com nada. Ia para a faculdade, fazia os trabalhos, assistia as aulas. Ia ao trabalho, cumpria seu horário, suas obrigações. E era isso. Na verdade gostava de ser enfermeira, só não admitia.
Tinha amigos no Bloco A do centro 1 da Unisinos, de calças surradas, all-stares, cheios de ideias na cabeça sobre mudanças sociais. Ela achava tudo muito interessante, gostava de todos eles, sem dúvida, mas não se importava.
No fundo a não-importância era superficial. Mas não se engane: Nem mesmo com uma arma apontada na cabeça ela admitiria que se importava.
Seria por isso suas lágrimas?
Mas isso é o que eu acho. Não sei se naquela cabeça as coisas funcionariam assim.
Eu acho que ela entende muito sobre o que 'precisa ser feito', só talvez perdeu o jeito no caminho.
O seu jeito de desleixo charmoso e bagunça ordeira iria dizer "Por que?".
Muitas noites olhando para aquela cidade grande, na vista do seu apartamento, os porque's ecoavam de volta para ela. Numa retórica destrutiva, silenciosa.
Onde o cigarro não traz nada além de fumaça.
Diabólica.
E a maquiagem serve apenas para tapar as olheiras do dia seguinte.
A sua paz.
Era quando ela lembrava daquele trecho do Rappa:
Paz sem voz, não é paz é medo.
"Deve ser gratificante. Um dia queria aprender a fazer algo parecido."
Na verdade, não sabem do que falam. Nem como falam.
Aliás, só falam mesmo. Não querem saber de pensar criticamente, ser cri-cri, chata, incomodativas mais do que investigativas. Como ela era.
"Então por que tu não faz?"
O velho azedume.
Na primeira vez que a vó dela a viu com o uniforme de enfermeira, foi igual. Um igual mais familiar, aquela simpatia de velhinhas bondosas que querem o bem para as netas.
"Que coisa bonita! De uniforme e tudo para trabalhar bastante."
Por baixo do uniforme, mal sabia a avó, estava aquele tecido com estampa de banda de "róque pauleira", definição dos mais velhos.
Júlia nunca se incomodou com isso. Na verdade fazia tempo que não se incomodava mais com nada. Ia para a faculdade, fazia os trabalhos, assistia as aulas. Ia ao trabalho, cumpria seu horário, suas obrigações. E era isso. Na verdade gostava de ser enfermeira, só não admitia.
Tinha amigos no Bloco A do centro 1 da Unisinos, de calças surradas, all-stares, cheios de ideias na cabeça sobre mudanças sociais. Ela achava tudo muito interessante, gostava de todos eles, sem dúvida, mas não se importava.
No fundo a não-importância era superficial. Mas não se engane: Nem mesmo com uma arma apontada na cabeça ela admitiria que se importava.
Seria por isso suas lágrimas?
Mas isso é o que eu acho. Não sei se naquela cabeça as coisas funcionariam assim.
Eu acho que ela entende muito sobre o que 'precisa ser feito', só talvez perdeu o jeito no caminho.
O seu jeito de desleixo charmoso e bagunça ordeira iria dizer "Por que?".
Muitas noites olhando para aquela cidade grande, na vista do seu apartamento, os porque's ecoavam de volta para ela. Numa retórica destrutiva, silenciosa.
Onde o cigarro não traz nada além de fumaça.
Diabólica.
E a maquiagem serve apenas para tapar as olheiras do dia seguinte.
A sua paz.
Era quando ela lembrava daquele trecho do Rappa:
Paz sem voz, não é paz é medo.
terça-feira, 6 de maio de 2014
Lágrima de Júlia
A Júlia não era nenhuma dama fantasia, que andava em nuvens provocando sonhos lúcidos nos jovens desavisados em topiques ou parques... Mas, não posso dizer que se tratasse de uma garota ordinária, de vida comum, que adorasse comprar roupas ou ir no salão de beleza.
Uma das poucas enfermeiras que conheci, que se recusava a consultar, ou mesmo tomar remédios. Júlia estava certa nisso. Estava certa até mesmo em pintar o cabelo de rosa. Não que fosse feio na cor natural.
"O que eram as doenças?"
Ela sempre perguntava num azedume.
Aliás, perguntava tudo, perguntava os por quê's. Questionava e insistia, era chata demais.
Ela era brilhante.
Havia algo, no entanto, havia algo escondido dentro daquela mente.
Talvez a razão pela qual ela não consultava psicólogos ou psiquiatras, nunca sei qual é qual...
Pelo menos pra mim ela nunca falou. Acho que nunca vai falar.
Se ela estivesse no meu lugar, teria dito: "é impossível saber exatamente o que se passa na cabeça de outra pessoa, logo, não há preocupação".
Era simples assim.
Em diversos momentos, ela já foi surpreendida com os olhos repletos de lágrimas, seja numa visita inesperada, em seu apartamento em Porto Alegre, ou mesmo, perto do xerox no Centro 1 da Unisinos, naqueles lugares escuros de noite. Sempre na mesma posição, escorada na parede com um cigarro entre os dedos, às vezes apagado e às vezes aceso. Uma das poucas coisas que ela fazia que podemos dizer que era 'estático'. Além de vestir sua baby look do Led Zeppelin é claro...
E é isso que me preocupa.
Por que chora uma pessoa que parece estar certa sobre muitas coisas?
Uma das poucas enfermeiras que conheci, que se recusava a consultar, ou mesmo tomar remédios. Júlia estava certa nisso. Estava certa até mesmo em pintar o cabelo de rosa. Não que fosse feio na cor natural.
"O que eram as doenças?"
Ela sempre perguntava num azedume.
Aliás, perguntava tudo, perguntava os por quê's. Questionava e insistia, era chata demais.
Ela era brilhante.
Havia algo, no entanto, havia algo escondido dentro daquela mente.
Talvez a razão pela qual ela não consultava psicólogos ou psiquiatras, nunca sei qual é qual...
Pelo menos pra mim ela nunca falou. Acho que nunca vai falar.
Se ela estivesse no meu lugar, teria dito: "é impossível saber exatamente o que se passa na cabeça de outra pessoa, logo, não há preocupação".
Era simples assim.
Em diversos momentos, ela já foi surpreendida com os olhos repletos de lágrimas, seja numa visita inesperada, em seu apartamento em Porto Alegre, ou mesmo, perto do xerox no Centro 1 da Unisinos, naqueles lugares escuros de noite. Sempre na mesma posição, escorada na parede com um cigarro entre os dedos, às vezes apagado e às vezes aceso. Uma das poucas coisas que ela fazia que podemos dizer que era 'estático'. Além de vestir sua baby look do Led Zeppelin é claro...
E é isso que me preocupa.
Por que chora uma pessoa que parece estar certa sobre muitas coisas?
Separados por vírgulas
1984,
júlia,
Mentes,
Não tomem 100g de soma
terça-feira, 29 de abril de 2014
Alma
N'alma perdida que foi revelada como familiar.
Na pedra amanhecida da beira do mar. Musgo.
Mar revolto, no entanto, distante, quando grande é o pesar.
Que reino é este? Já não mais esquecido?
No sonho que a vi, não mais a mesma, cara pálida, caolha, nada de mais. Pra talvez nunca mais. Espero que não.
Cara escorrida quando pego nos braços, diferente sem ser desigual.
Cadê você?
Engraçado. Estava tudo como antes, a mesma aparência. Mas algo havia mudado, não em seu coração, nem na paisagem. Mas eu havia mudado.
No meu novo 'eu', sem precedentes, nada mais deixaria de sucumbir, tamanha a especulação de uma varredura minuciosa e derradeira.
E assim, mais uma coisa você se tornou.
Como todas as pessoas que eu vejo na rua, você é comum.
Você tem defeitos e está impregnada, assim como eu, nesta existência, onde nada que for mágico resiste.
Como as frases de motivação que não passam de uma cilada. Dos muitos gênios de escadarias, e engenheiros de sapatos...
Como em uma reunião beneficente, onde favores são trocados na base da moeda e a moeda de base é o seu mais frágil princípio. Decadente.
Onde o deus maligno das tentações e duras provações anda à espreita.
E quando ele lhe disser: "Você venceu. Você é poderoso." Recue.
Da prisão eficiente, uma saída: A sua lucidez.
Na pedra amanhecida da beira do mar. Musgo.
Mar revolto, no entanto, distante, quando grande é o pesar.
Que reino é este? Já não mais esquecido?
No sonho que a vi, não mais a mesma, cara pálida, caolha, nada de mais. Pra talvez nunca mais. Espero que não.
Cara escorrida quando pego nos braços, diferente sem ser desigual.
Cadê você?
Engraçado. Estava tudo como antes, a mesma aparência. Mas algo havia mudado, não em seu coração, nem na paisagem. Mas eu havia mudado.
No meu novo 'eu', sem precedentes, nada mais deixaria de sucumbir, tamanha a especulação de uma varredura minuciosa e derradeira.
E assim, mais uma coisa você se tornou.
Como todas as pessoas que eu vejo na rua, você é comum.
Você tem defeitos e está impregnada, assim como eu, nesta existência, onde nada que for mágico resiste.
Como as frases de motivação que não passam de uma cilada. Dos muitos gênios de escadarias, e engenheiros de sapatos...
Como em uma reunião beneficente, onde favores são trocados na base da moeda e a moeda de base é o seu mais frágil princípio. Decadente.
Onde o deus maligno das tentações e duras provações anda à espreita.
E quando ele lhe disser: "Você venceu. Você é poderoso." Recue.
Da prisão eficiente, uma saída: A sua lucidez.
Separados por vírgulas
impermanência,
sonhos
segunda-feira, 28 de abril de 2014
Por que você não me toca?
Me toca!?
Por que você não me toca?
Me toca!
ME TOCA!
AGORA!
AGORA!
AGORA!
AGORA!
AGORA!
Me toca!?
Por que você não me toca?
Me toca!
ME TOCA!
AGORA!
AGORA!
AGORA!
AGORA!
AGORA!
Separados por vírgulas
Genesis - The Musical Box
sábado, 26 de abril de 2014
terça-feira, 22 de abril de 2014
Angu
Léo é uma bunda com nome, um dos
poucos casos conhecidos.
Preferência nacional, nunca sofreu
muito com qualquer tipo de rejeição. Mesmo assim, houve uma época
difícil em sua vida, onde outras bundas a encaravam com desdém e
seus cus peidavam palavras de deboche, por causa de uma
característica sua que a diferenciava das demais - fisicamente. Léo
era uma bunda estranha.
Acostumou-se: era quem era. Encarava
seus deveres e sua rotina com a determinação mediana de qualquer
um; ia levando a vida, que mais poderia fazer? Sabia que as outras
bundas queriam vê-la pelas costas, mas seu desprezo não a
atingiria.
Com o tempo e a maturidade, vivendo
numa época que pretende fortalecer auto-estimas, Léo passou a
valorizar a sua chamativa diferença: era quem era.
Quarta-feira pela manhã, enquanto
seguia em direção ao centro e ouviu, sem se importar, alguém
peidando baixinho: "Olha aquilo ali! Uma bunda com cara de
gente", simplesmente seguiu adiante: estava cagando e andando.
Separados por vírgulas
Alguém aí trocou de cara com o Léo?,
Fronteiras Flutuantes,
Nádegas
terça-feira, 15 de abril de 2014
Segura a carga da Fâni
Segura a carga de graça
Segura a carga da Fâni
Eeeeeeeeeeeee
Põe a carga logo em mim!
Segura a carga de graça
Segura a carga da Fâni
Eeeeeeeeeeeee
Põe a carga logo em mim!
Separados por vírgulas
Ih pai!,
Peiteiro Maluco
segunda-feira, 7 de abril de 2014
sábado, 29 de março de 2014
O MACACO ASTRAL RECORDA
Do dia em que não calou,
da noite que não veio
Da vontade de berrar incontrolavelmente
e de uma época onde tinha algo a dizer
O MACACO ASTRAL RECORDA
Do dia em que não calou,
da noite que não veio
Da vontade de berrar incontrolavelmente
e de uma época onde tinha algo a dizer
O MACACO ASTRAL RECORDA
Separados por vírgulas
Macaco Astral
sexta-feira, 28 de março de 2014
Peixes
Incapazes de encontrar uma saída, desaguaram em uma história absurda. Batiam no vidro, voltavam para cama. Sentam sobre suas bundas, olhando para fora da vidraça: Espectando.
Separados por vírgulas
Inauxiliados,
Separar Rótulos com Vírgulas
terça-feira, 25 de março de 2014
Dente-de-leite e a guerra fria
Caí num poço por
toda uma vida. Caio enquanto tento compreender as paredes tão
distantes, que passam sem se mover, sem se deixar nada a mim. Mas oh,
repentinamente as encontro, a brisa que quase nunca interveio me
joga, lentamente, de um lado ao outro. Caio sem ruído e dou de cara
na pedra fria das paredes de um poço que não sei quando acaba.
Minha face se esfacela lentamente, meus cabelos vão caindo; aqui jaz
um fio branco.
Passaram-se
estações, uma após outra; as paredes mudaram sem minha
intervenção, sem pedir opinião. Deixei de minha pele uma trilha,
partes de mim que virarão poeira antes do resto, enquanto vou me
raspando incontrolavelmente neste túnel inexplicável.
Penso em como
seria ter a opção de voltar. Nadar até a superfície, descobrir
como foi que caí aqui, neste mundo feito de nós desatados.
Chovesse.
Se houvesse água neste poço e eu soubesse nadar, quem sabe
não
há
água
nem
deus
Quem sabe; eu poderia subir, sim, se este não fosse um buraco vazio
que alguém cavou sem motivo, se é que alguém cavou, se é que
poderia haver motivo para alguém que cava sem saber, buracos e
trincheiras, pátios e patíbulos, uma guilhotina sem fio barbeando
a esperança de uma mente que pensa, quem sabe se eu aprender a
nadar, se aprender a matar, quem sabe se eu aprender a voar, quem sabe se ele, ele quem,
não sei, se ele o que, se ele atirar uma corda e me puxar de volta,
pra cima, sim, pra cima, o que tu faria então, não sei, então o
que queres de lá, saber como vim parar aqui, mas não parei,
continuo caindo sem saber onde, como saberia se não estou em lugar
algum enquanto caio, sim, Joe, eu caio e como sei, porque debaixo de
meus pés nada há, nem botinas, nem salvação, nem tesouro, nem
miséria, só um destino de cair onde não sei se pararei, dando de
cara no caminho, devagar, ralando o nariz, perdendo a face, perdendo
o sorriso, empurrado por uma brisa que não sei de onde vem, ou será
uma mão, mas de quem, de deus, que deus, não tem, não tem mão nem
deus nem nada me levando para baixo, se é que vou para baixo, agora
me ocorre, nada há sob meus pés, e porque haveria, e não sei se
não caio de cabeça, a verdade, existe, não, mas a vejo, ora nem saber eu sei,
só acho que não saberia dizer se caio de pernas para o ar ou para o
chão
ah, Joe, sinto nos poucos cabelos que me restam, sim, sinto algo
tocar de leve minha cabeça, estou sentado de pernas estendidas,
escorado num pequeno muro de pedra, o sol não brilha, eu não
brilho, venta pouco um vento bom, é tarde mas há tempo, nuvens
cinzentas esbravejam: é chegada a hora de levantar. Ergo a cabeça e
encaro a jovem que sorri me perguntando onde estive, em que pensava.
Eu jamais saberia responder.
chove
(Sobre nós dois e o mundo, sobre todos nós um pouco de chuva deve cair)
Separados por vírgulas
Canção da chuva,
Haveria água se deus quisesse?,
Jorge cadê você?,
Separar Rótulos com Vírgulas,
Um homem vive sua vida em guerra
quarta-feira, 12 de março de 2014
A esquina e eu
A cidade é tão pequena e sofre tantas mudanças. Quanto a isso, não somos diferentes. Uma esquina por onde pouco passei no passado, plantada num lugar tão distante, repentinamente é logo ali: perto de casa. A casa e eu somos outros. Mudou a cidade, mudei eu - nós.
Aquela esquina continua lá, bem ali onde a deixei. Quanto tempo levou até que eu a reencontrasse, hoje, tão mudados nós dois? Deixei-a para trás, segui meu caminho caminhando.
Ouvi palavras e frases, vi pessoas e gestos. Uma reclamação sobre etiquetas de preços, um até logo murmurado por preguiça, um diálogo decisivo sobre o futuro das portas do automóvel: abertas ou não. Pedaços daquelas pessoas, partículas que elas atiraram ao vento, como pingos de chuva contra os quais eu jamais me chocaria caso tivesse dado aquele passo em qualquer outro lugar que fosse.
Como eu teria me visto se aquela esquina cruzasse consigo mesma dez anos atrás, dez anos passados num piscar de passos, oh questão improvável. Em verdade, ainda me vejo por lá, esperando o dia de hoje chegar, esperando à toa, vadiando como sempre, viajando em passos curtos um caminho indefinido, procurando sem achar, passando por si sem saber, como passo hoje por alguém que me viu, invisível, a não reparar que me via. Ah, Joe, que belo lugar é este por onde ando.
Aquela esquina continua lá, bem ali onde a deixei. Quanto tempo levou até que eu a reencontrasse, hoje, tão mudados nós dois? Deixei-a para trás, segui meu caminho caminhando.
Ouvi palavras e frases, vi pessoas e gestos. Uma reclamação sobre etiquetas de preços, um até logo murmurado por preguiça, um diálogo decisivo sobre o futuro das portas do automóvel: abertas ou não. Pedaços daquelas pessoas, partículas que elas atiraram ao vento, como pingos de chuva contra os quais eu jamais me chocaria caso tivesse dado aquele passo em qualquer outro lugar que fosse.
Como eu teria me visto se aquela esquina cruzasse consigo mesma dez anos atrás, dez anos passados num piscar de passos, oh questão improvável. Em verdade, ainda me vejo por lá, esperando o dia de hoje chegar, esperando à toa, vadiando como sempre, viajando em passos curtos um caminho indefinido, procurando sem achar, passando por si sem saber, como passo hoje por alguém que me viu, invisível, a não reparar que me via. Ah, Joe, que belo lugar é este por onde ando.
Separados por vírgulas
Separar Rótulos com Vírgulas,
Sobre caminhos e calmantes,
Sobre deixar o carro em casa
terça-feira, 25 de fevereiro de 2014
Velha-e-estranha sensação
Um dia eu soube como era ser jovem, mas não foi para sempre. Que estranha sensação: envelhecer. Esqueci tanto do pouco que aprendi, e tenho uma dívida com a minha consciência. Uma mistura borbulha num caldeirão enorme; tento decifrar sua fórmula sem a receita.
Que bizarra equação é essa que envolve o tempo que vivi, o quanto envelheci, a idade que tenho, as verdades que desconheço.
Agora penso em ser jovem novamente, mas essa é uma novidade da qual não me recordo. Tão longe, lá atrás, há tanto tempo, o futuro parecia um mistério. E como era belo não conhecê-lo. A mim ele me mostra a mesma cara: um rosto sem face - ou uma face sem olhar? Então não sei se ele mudou, se não mudou ou se eu simplesmente não saberia dizer mesmo se o conhecesse.
Há muito tempo eu pensava que os mistérios são, hm, coisas ocultas, sabedoria, receitas, fórmulas mágicas, alquímicas ou dietéticas, enfim. Eu era jovem, então. Agora não sei mais como é isso. Agora me parece que só existe mistério naquilo que alguém conhece. Não conhecer no sentido de saber como algo funciona, ou para que algo serve. Apenas conhecer do tipo já ter visto alguma vez na frente das fuças.
Sim, a minha curiosidade pela cachola que matuta somente passou a existir depois que a descobri, ali em cima, martelando a si mesma com planos e dúvidas. Com um velho e estranho sentimento: a confusão causada por um mistério indecifrado.
Que bizarra equação é essa que envolve o tempo que vivi, o quanto envelheci, a idade que tenho, as verdades que desconheço.
Agora penso em ser jovem novamente, mas essa é uma novidade da qual não me recordo. Tão longe, lá atrás, há tanto tempo, o futuro parecia um mistério. E como era belo não conhecê-lo. A mim ele me mostra a mesma cara: um rosto sem face - ou uma face sem olhar? Então não sei se ele mudou, se não mudou ou se eu simplesmente não saberia dizer mesmo se o conhecesse.
Há muito tempo eu pensava que os mistérios são, hm, coisas ocultas, sabedoria, receitas, fórmulas mágicas, alquímicas ou dietéticas, enfim. Eu era jovem, então. Agora não sei mais como é isso. Agora me parece que só existe mistério naquilo que alguém conhece. Não conhecer no sentido de saber como algo funciona, ou para que algo serve. Apenas conhecer do tipo já ter visto alguma vez na frente das fuças.
Sim, a minha curiosidade pela cachola que matuta somente passou a existir depois que a descobri, ali em cima, martelando a si mesma com planos e dúvidas. Com um velho e estranho sentimento: a confusão causada por um mistério indecifrado.
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014
Elísio
Depois da ponta aguda, da dor no peito, e da lágrima última.
'Depois', era uma definição vaga. Em realidade, inexistente.
Já não havia mais o antes, o durante e o depois.
Mas podemos nos referir como antes, o brilho intenso da transição, para uma nova pessoa, um novo propósito.
Não havia dor, tristeza ou alegria. Apenas o estado natural de absoluta paz.
Quando ela abriu os olhos, a aurora familiar e o brilho da nova esperança, inundaram seus bonitos olhos verdes. O céu estava limpo. Estava deitada em um vasto campo verde.
Parecia que há muito tempo atrás ainda sentia-se pesada, como se vestisse uma volumosa armadura, grandes fardos e uma bravura no olhar. A bravura não esfriou, mas o tempo já deixara de existir.
Sentia-se leve.
A visão lúcida e plena.
Olhou seus pés. Os movimentos eram suaves como suas vestes. Mesmo se quisesse não iria conseguir nada brusco naquela ocasião.
Apoiou as mãos no gramado alto e macio para se sentar, lembrou-se da outra vida quando fora uma criança, quando os gramados costumavam irritar um pouco a pele, isso já não mais acontecia. Não ali.
Levantou.
Até mesmo isso, vindo dela, naquele lugar parecia um gesto de bondade e de paz.
Tinha poucas lembranças da batalha do dia anterior. O que era o dia anterior, para ela, já parecia tão distante... As lembranças estavam ficando para trás, junto com o tempo. Como se tivesse acordado de um sonho. Já não era mais importante.
Só o que importava agora era o novo propósito. A nova tarefa.
Já não havia nenhuma cicatriz em seu corpo.
E nenhuma cicatriz em seu coração.
'Depois', era uma definição vaga. Em realidade, inexistente.
Já não havia mais o antes, o durante e o depois.
Mas podemos nos referir como antes, o brilho intenso da transição, para uma nova pessoa, um novo propósito.
Não havia dor, tristeza ou alegria. Apenas o estado natural de absoluta paz.
Quando ela abriu os olhos, a aurora familiar e o brilho da nova esperança, inundaram seus bonitos olhos verdes. O céu estava limpo. Estava deitada em um vasto campo verde.
Parecia que há muito tempo atrás ainda sentia-se pesada, como se vestisse uma volumosa armadura, grandes fardos e uma bravura no olhar. A bravura não esfriou, mas o tempo já deixara de existir.
Sentia-se leve.
A visão lúcida e plena.
Olhou seus pés. Os movimentos eram suaves como suas vestes. Mesmo se quisesse não iria conseguir nada brusco naquela ocasião.
Apoiou as mãos no gramado alto e macio para se sentar, lembrou-se da outra vida quando fora uma criança, quando os gramados costumavam irritar um pouco a pele, isso já não mais acontecia. Não ali.
Levantou.
Até mesmo isso, vindo dela, naquele lugar parecia um gesto de bondade e de paz.
Tinha poucas lembranças da batalha do dia anterior. O que era o dia anterior, para ela, já parecia tão distante... As lembranças estavam ficando para trás, junto com o tempo. Como se tivesse acordado de um sonho. Já não era mais importante.
Só o que importava agora era o novo propósito. A nova tarefa.
Já não havia nenhuma cicatriz em seu corpo.
E nenhuma cicatriz em seu coração.
Separados por vírgulas
Aloria,
Elísio,
Jip,
sempre quis descrever o rpg
Três por três
Aguardavam debaixo de uma sombra forte, num dia de sol bruto, esperando um bom momento para sair embora, mundear por aí, ir para casa, repousar em paz.
O espectro do necromante estava vencido, não poderia mais toca-los. Sentiam-se leves, vivos. Esperavam esperançosos pelo saboroso momento em que chegariam de volta à aldeia, onde veriam pessoas comuns, tão inofensivas quanto eles próprios foram um dia.
Entardecido, o sol brilhava sem queimar; havia paz; as perturbações passaram. Eram, de novo, donos de suas consciências. Vencido o inimigo, iriam embora carregando o tesouro.
Contarão sobre a aventura a outros amigos, que ouvirão incrédulos. Acabarão sendo convencidos - tudo parece tão possível, olhando para seus rostos pálidos, sofridos.
Partem; chegam, bebem e brindam. Há música na taverna, há alegria vitoriosa. Endurecidos pela experiência, seus corações agora se enlevam, aliviados, empolgados. Talvez essa vida lhes seja uma boa escolha. Aventurar-se, enfrentar perigos - quem sabe?
Os velhos amigos os reconhecem, mas somente se acostumam com seu novo aspecto após terem bebido alguns canecos. Os três jovens, que estavam sumidos há dias, finalmente voltaram, mas estão tão brancos e magros, com olhares tão diferentes da antiga inocência, que é como se fossem outros. O que teriam visto de tão impressionante, se pergunta o taverneiro.
Enquanto a noite avança, o ar esfria e um vento afiado sopra pelos becos, por entre as casas. Do lado de fora, o olho furtivo do necromante espreita. Pois ele jamais veria seu fim.
O espectro do necromante estava vencido, não poderia mais toca-los. Sentiam-se leves, vivos. Esperavam esperançosos pelo saboroso momento em que chegariam de volta à aldeia, onde veriam pessoas comuns, tão inofensivas quanto eles próprios foram um dia.
Entardecido, o sol brilhava sem queimar; havia paz; as perturbações passaram. Eram, de novo, donos de suas consciências. Vencido o inimigo, iriam embora carregando o tesouro.
Contarão sobre a aventura a outros amigos, que ouvirão incrédulos. Acabarão sendo convencidos - tudo parece tão possível, olhando para seus rostos pálidos, sofridos.
Partem; chegam, bebem e brindam. Há música na taverna, há alegria vitoriosa. Endurecidos pela experiência, seus corações agora se enlevam, aliviados, empolgados. Talvez essa vida lhes seja uma boa escolha. Aventurar-se, enfrentar perigos - quem sabe?
Os velhos amigos os reconhecem, mas somente se acostumam com seu novo aspecto após terem bebido alguns canecos. Os três jovens, que estavam sumidos há dias, finalmente voltaram, mas estão tão brancos e magros, com olhares tão diferentes da antiga inocência, que é como se fossem outros. O que teriam visto de tão impressionante, se pergunta o taverneiro.
Enquanto a noite avança, o ar esfria e um vento afiado sopra pelos becos, por entre as casas. Do lado de fora, o olho furtivo do necromante espreita. Pois ele jamais veria seu fim.
Separados por vírgulas
Fronteiras Flutuantes,
Onde estão os magos quando se precisa deles?,
Rush - The Necromancer
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014
Separar rótulos com vírgulas
Parem! Por que não param?
Seria eu o responsável por parar?
Sigo a fila do caixa, a fila do banco, sigo ao passar pelo brete, tomar a vacina, sigo a fila do restaurante, sigo o caminho planejado, sigo sem parar por mais de um instante, sigo dando um passo a mais em direção ao início dessa fila que sempre existiu, não tomei meu remédio, não tomei um rumo, não tomei medidas, não apliquei sanções, não me especializei, não soube o que dizer, não soube perguntar para onde ia esta fila, continuo sem saber onde vai ela, onde vou eu, sem saber quando foi que entrei nesta fila, de fim tão distante, e quem são essas pessoas que me seguem, nem a quem eu sigo, sigo nesta fila sem saber onde ela vai dar, se é que vai dar pra chegar em algum destino, essa fila inafiançável que vai sempre curvando pra direita, com que direito nos colocaram aqui, não sei, quem foi que o fez, não sei, por que o fez, também não sei, só sei que quando a pessoa, que pessoa, a da frente, o que tem, só sei que quando ela dar um passo a frente eu farei o mesmo, por que, não sei, não tenho alternativa, o de trás fará o mesmo, deixe estar, somente posso deixar, deixar de dar mais um passo, posso, ainda não, é preciso chegar, chegar onde, no próximo passo, no fim da fila, mas o fim não é lá atrás, é. Então para onde vão estes que aqui caminham?
Seria eu o responsável por parar?
Sigo a fila do caixa, a fila do banco, sigo ao passar pelo brete, tomar a vacina, sigo a fila do restaurante, sigo o caminho planejado, sigo sem parar por mais de um instante, sigo dando um passo a mais em direção ao início dessa fila que sempre existiu, não tomei meu remédio, não tomei um rumo, não tomei medidas, não apliquei sanções, não me especializei, não soube o que dizer, não soube perguntar para onde ia esta fila, continuo sem saber onde vai ela, onde vou eu, sem saber quando foi que entrei nesta fila, de fim tão distante, e quem são essas pessoas que me seguem, nem a quem eu sigo, sigo nesta fila sem saber onde ela vai dar, se é que vai dar pra chegar em algum destino, essa fila inafiançável que vai sempre curvando pra direita, com que direito nos colocaram aqui, não sei, quem foi que o fez, não sei, por que o fez, também não sei, só sei que quando a pessoa, que pessoa, a da frente, o que tem, só sei que quando ela dar um passo a frente eu farei o mesmo, por que, não sei, não tenho alternativa, o de trás fará o mesmo, deixe estar, somente posso deixar, deixar de dar mais um passo, posso, ainda não, é preciso chegar, chegar onde, no próximo passo, no fim da fila, mas o fim não é lá atrás, é. Então para onde vão estes que aqui caminham?
Daniel
Cadê você Jovem?
Por que trocaste a alegria
Pelo sorriso enferrujado pelo tempo?
Saberia dizer o que te faz bem.... ontem
Está diante daquilo que lhe estende os braços
Mas saiba que o que é dado não tem valor
São longos braços estendidos,
De um único desejo, coletivo
De mocinhos a bandidos
Saberia diferenciar os mortos dos vivos?
Hoje você está seco, duro
Dureza daquele que diz acreditar
E acaba acreditando mais do que diz
Faz sem falar, e fala sem pensar
Quer ter paz, mas não tem voz
Saiba que paz sem voz é medo
De quando brincava de qualquer coisa, lembra-te
De quando trocou o jovem pelo velho, aprende.
De quando pensou ouvir das genialidades e sabedorias de "mercado"... Esqueça.
Por que trocaste a alegria
Pelo sorriso enferrujado pelo tempo?
Saberia dizer o que te faz bem.... ontem
Está diante daquilo que lhe estende os braços
Mas saiba que o que é dado não tem valor
São longos braços estendidos,
De um único desejo, coletivo
De mocinhos a bandidos
Saberia diferenciar os mortos dos vivos?
Hoje você está seco, duro
Dureza daquele que diz acreditar
E acaba acreditando mais do que diz
Faz sem falar, e fala sem pensar
Quer ter paz, mas não tem voz
Saiba que paz sem voz é medo
De quando brincava de qualquer coisa, lembra-te
De quando trocou o jovem pelo velho, aprende.
De quando pensou ouvir das genialidades e sabedorias de "mercado"... Esqueça.
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014
segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
Breve-Idade Crônica de Uma Passagem
Nasci sem saber onde estava. Enxergava nada, conhecia menos ainda. Fui estapeado, primeiro de leve, depois mais forte. Chorei até parar e parei. Acabei aprendendo que as intenções estão por trás de tudo que é feito entre duas pessoas. Fossem elas boas; fossem más. Intenções.
Cresci acreditando que todos precisam de alguém, tendo provas disso a cada dia em que aprendia algo novo. Alguém me ajudou a comer, a limpar o cu. Depois eu pude fazer isso sozinho. Percebi, com o tempo, que tudo que está limpo tende a se sujar; limpar. Tudo pode ocorrer sozinho.
Vivi pensando sobre não saber quem somos, o que viemos fazer aqui nesse mundo, se é que ele é um mundo, seja lá o que for isso. Havia perguntas, havia respostas, mas elas não estavam ligadas umas às outras - e continuam assim. Não estão ligadas ao meu entendimento, que, por sinal, não conheço, apenas ouso tentar adivinhar - e nisso eu falho.
Tenho um abrigo onde me refugio dessas sensações, e por formidável que seja ele e nossa união, ora, nada é impermeável, nada é intransponível para energias cósmicas sem corpo. Percebo que eis uma diferença entre mim e meu desconhecimento. Eu tenho um corpo, ele não. Apesar de eu ser um dos tantos universos que preenchem a calçada, sou menor que o infinito; ele se expande a cada momento; eu me dissolvo a cada momento. O tempo é um inimigo fiel: nunca me abandonou. Criou-me esperanças de crescer e aprender, que foram gradativamente frustadas, substituídas pela divertida sensação de estar zonzo de tanto pensar, essa sensação boa de só achar que nada sei. Pois, cresci, aprendi e continuo sem saber. Ultrapassei os primeiros horizontes que, anos atrás, eu mesmo me impunha e até onde tentava imaginar no futuro, no longínquo ano em que eu esperava ver algo acontecer e que já passou, me deixando na dúvida entre eu ter esperado algo que não existia ou eu não ter percebido o que aconteceu.
Tenho em casa um óculos de lentes grossas, que uso quando necessito me iludir pela ordem das coisas ou saber onde encontrar uma cueca limpa pela manhã. A cada manhã, encontro lentamente a mente e uma ou outra ideia que saiu do meu corpo durante a noite.
Ah, Joe! Eu tenho no peito uma contagem regressiva.
Cresci acreditando que todos precisam de alguém, tendo provas disso a cada dia em que aprendia algo novo. Alguém me ajudou a comer, a limpar o cu. Depois eu pude fazer isso sozinho. Percebi, com o tempo, que tudo que está limpo tende a se sujar; limpar. Tudo pode ocorrer sozinho.
Vivi pensando sobre não saber quem somos, o que viemos fazer aqui nesse mundo, se é que ele é um mundo, seja lá o que for isso. Havia perguntas, havia respostas, mas elas não estavam ligadas umas às outras - e continuam assim. Não estão ligadas ao meu entendimento, que, por sinal, não conheço, apenas ouso tentar adivinhar - e nisso eu falho.
Tenho um abrigo onde me refugio dessas sensações, e por formidável que seja ele e nossa união, ora, nada é impermeável, nada é intransponível para energias cósmicas sem corpo. Percebo que eis uma diferença entre mim e meu desconhecimento. Eu tenho um corpo, ele não. Apesar de eu ser um dos tantos universos que preenchem a calçada, sou menor que o infinito; ele se expande a cada momento; eu me dissolvo a cada momento. O tempo é um inimigo fiel: nunca me abandonou. Criou-me esperanças de crescer e aprender, que foram gradativamente frustadas, substituídas pela divertida sensação de estar zonzo de tanto pensar, essa sensação boa de só achar que nada sei. Pois, cresci, aprendi e continuo sem saber. Ultrapassei os primeiros horizontes que, anos atrás, eu mesmo me impunha e até onde tentava imaginar no futuro, no longínquo ano em que eu esperava ver algo acontecer e que já passou, me deixando na dúvida entre eu ter esperado algo que não existia ou eu não ter percebido o que aconteceu.
Tenho em casa um óculos de lentes grossas, que uso quando necessito me iludir pela ordem das coisas ou saber onde encontrar uma cueca limpa pela manhã. A cada manhã, encontro lentamente a mente e uma ou outra ideia que saiu do meu corpo durante a noite.
Ah, Joe! Eu tenho no peito uma contagem regressiva.
Separados por vírgulas
Sobre a morte e a mentira,
Sobre a vida e a verdade,
Sobre abrigos e abraços,
Sobre respostas e refúgios
quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
Você é um cocô
Triste resquício de uma frustrada perspectiva de existência; roendo e rastejando pelos corredores, cochichando e lastimando sobre o que poderia ter sido ou o que procura fingir ser; deixando-se corroer por lamentações de uma saúde nunca tida, uma riqueza que só existe em planos indignos; contaminando aqueles ao seu redor com os mesmos sentimentos pútridos que correm por sob a sua pele; sugando, usurpando, malfadando; incapaz de cumprir um propósito na terra; pobre, triste e desprezível.
Você é um cocô. Mas eu não vou matar você. Não eu.
Você é um cocô. Mas eu não vou matar você. Não eu.
Separados por vírgulas
Não que merecessem minhas palavras mas né
terça-feira, 14 de janeiro de 2014
Conheceu ele em um veranico sem lua. Noite de pouco vento.
Não falhou a voz, não parou no tempo. Não dividiu a cerveja, a conversa e nem guardou os traços vistos.
Ficou poucos minutos. Despediu-se sem contato físico.
Já era frio quando ele apareceu novamente.
Olhares foram dados, sorrisos aumentados e portas se abriram com leveza.
Abraços, agora, eram dados com frequência.
Cativou-se em fracas luzes.
Amou sob as estrelas.
Se deixou levar mesmo quando sua birra era bastante intensa.
Ele era seu lugar. Ela disse que ali ficaria.
Num tom-batida-compasso de quem não sabe o que fazer além de piscar os olhos e abrir os braços.
"Vem, constrói aqui tua morada.
Com café quente e um espaço pronto para criar histórias.
Com bagagens tuas, das quais me encarrego."
Com amor, em uma estratosférica batida - seja lá o que isso significa.
Não falhou a voz, não parou no tempo. Não dividiu a cerveja, a conversa e nem guardou os traços vistos.
Ficou poucos minutos. Despediu-se sem contato físico.
Já era frio quando ele apareceu novamente.
Olhares foram dados, sorrisos aumentados e portas se abriram com leveza.
Abraços, agora, eram dados com frequência.
Cativou-se em fracas luzes.
Amou sob as estrelas.
Se deixou levar mesmo quando sua birra era bastante intensa.
Ele era seu lugar. Ela disse que ali ficaria.
Num tom-batida-compasso de quem não sabe o que fazer além de piscar os olhos e abrir os braços.
"Vem, constrói aqui tua morada.
Com café quente e um espaço pronto para criar histórias.
Com bagagens tuas, das quais me encarrego."
Com amor, em uma estratosférica batida - seja lá o que isso significa.
Separados por vírgulas
apenas sentimentos,
Todas as coisas pequenas
segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
Tivera o azar de nascer um daqueles que não chama muito a atenção, filhote de uma inúmera mistura de raças, no fundo do quintal de pessoas que o consideravam apenas como um objeto de decoração. Tivera o azar de crescer, deixando de ser bonito e fofinho, e de ter seu olhar de tristeza coberto por pelos cinzentos, grandes e desordenados.
Vagara de um lado para outro durante um dia inteiro, procurando alguém que pudesse lhe dar o que fora negado pelo dono do carro vermelho, que há três dias o abandonara próximo dali.
Buscara, sem muito sucesso, entre latas e sacos plásticos jogados pelos outros veículos, por algo para matar sua fome e sua sede.
Vagara de um lado para outro durante um dia inteiro, procurando alguém que pudesse lhe dar o que fora negado pelo dono do carro vermelho, que há três dias o abandonara próximo dali.
Buscara, sem muito sucesso, entre latas e sacos plásticos jogados pelos outros veículos, por algo para matar sua fome e sua sede.
Repousando, agora, abaixo de um sol escaldante, movendo-se, ocasionalmente, ao passar dos carros, um pouco pra cá, um pouco pra lá, os olhos do cão se mantém grudados na estrada que desaparece no horizonte.
Cortesia da roda do caminhão, que não teve tempo de frear.
Separados por vírgulas
"But all that lives is born to die",
Figurantes,
tristeza
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