sexta-feira, 27 de junho de 2014

Vai sonhando

Que sonho. Que coisa.
Coisa alguma agora.
Ela olhou o celular. Ainda era noite, madrugada, horário de estar dormindo.
Tinha a impressão de ter tido uma paralisia do sono, como se alguém estivesse no quarto. Alucinações.
Na sua cabeça, pairava uma adorável música. Adorável, porém desesperada:
"All you maggots smokin' fags on Santa Monica boulevard..." Cantavam duas vozes.
Nesse momento Júlia curiosamente estava procurando o maço de cigarro. Desistiu.
Quando foi até a cozinha atrás de um copo d'água, percebeu que sua mãe teria um treco ao ver aquele apartamento. Ela diria que tudo estava fora de 'ordem'.
"Humpf. Como se houvesse uma regra..." pensou alto. O velho azedume se manifestando novamente.
Pegou o celular enquanto sentava no sofá. Havia uma mensagem de um cara muito chato, que parecia estar a fim dela. Mas era aquela coisa, ele havia demonstrado tudo que faz uma garota não querer se envolver de forma alguma.
Jogou o celular no sofá e bebeu um gole de água.
A tv a sua frente era quase como um espelho... empoeirado. Mas ela não esquecia, e ficava feliz sempre que lembrava o quanto não lembrava da última vez que ligou o aparelho.

Lembrou novamente do sonho. Era quase um pesadelo, quando se acorda. Porque no sonho estava muito melhor, havia aquela coisa boa que os sonhos gostam de proporcionar só para quando você for acordar se lembrar que a realidade é diferente.

Por que as coisas que não existem, geralmente são mais atrativas?

Com certeza era por alguma razão muito estranha que somente se pode ver o que não existe, de olhos bem fechados.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Fica proutra hora

Para hoje, um hiato.
Fica pra'manhã aquela conversa sobre o tempo, sob o vento, debaixo de uma marquise que protege da chuva mas não da friagem.
Para hoje, apenas um gole d'água que nos ajude a engolir mais uma pílula frívola de passagem temporânea; depois, uma bolacha maria encharcada por um excesso de saliva que não significa coisa alguma.
Para uma tarde que ainda não principiou, mas já se anuncia malpassante, eu nada preparei. Nem mesmo a mim, e nem um sanduba.
Penso que deveria invocar alguma coisa. Ou evocar. Ou comer uma pizza com os sabores da minha preferência. Ou escrever um texto. Não, amanhã eu faço isso. Para hoje: um silêncio.
Shiu

terça-feira, 3 de junho de 2014

Ka-tet

No início, era só uma voz agradável tentando agradar um número indeterminado de outras vozes: entre duas e cinco mil. Pelo que me lembro, aquela tentativa não estava muito exitosa. Não que isso fosse levá-lo a desistir, afinal tentar era tudo que ele precisava. Uma parede fina e fajuta separava-nos visualmente, mas por enquanto não importava, em um dia por vir eu estaria lá dentro.
Um tempo depois, acabei de perceber que nesse dia eu conheci, sem me dar conta, a essência do dono daquela voz: tentar agradar àqueles de quem gosta. Ao contrário de mim, que do outro lado daquela parede me esforcei um tantinho para que não me gostassem; mas ele não sucumbiu ao poder da minha antipatia - de início, o único. Pelo contrário, acabou por me guardar um lugar dentro de si, carregando-me com ele debaixo do guarda-chuva que nos une, lugar este onde, um dia, deixarei de lembrança um peido bem fedido antes de partir - e ele vai cheirar com muito gosto: ele adora isso.
Apesar da minha velhice, ele sempre foi mais velho do que eu, e como é natural que aconteça, me ensinou oh so many coisas. E me orgulho às pampas de ter-lhe ensinado umas duas ou seis. Bem, de fato ele me apresentou um guia, e desde então nunca mais estive em pânico.
Aprendemos juntos que as garotas azuis vêm em todos os tamanhos, e ele me levou até aquela que tem o tamanho certo pra mim; mas isso é outra história, e cada história é uma história de amor.
Quem diria que um dia eu sentiria saudades de uma coisa tão feia e peluda?! E tão amável e supimpa, e outras qualidades catastróficas! Falo do meu discípulo preferido, o inestimável companheiro da liturgia da palavra e da experiência única que é conhecê-lo. Pois ora, ninguém o conhece como eu conheço - e eu não o conheço como outros o conhecem. É assim, para cada um somos um; ele que me ensinou isso.  E veja, ele andou tanto e chegou tão longe (perto) - imagina se tivesse boas as duas pernas; chegou, enfim, à posição de segunda pessoa na sonora frase: Te amo, cara.