terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Velha-e-estranha sensação

Um dia eu soube como era ser jovem, mas não foi para sempre. Que estranha sensação: envelhecer. Esqueci tanto do pouco que aprendi, e tenho uma dívida com a minha consciência. Uma mistura borbulha num caldeirão enorme; tento decifrar sua fórmula sem a receita.

Que bizarra equação é essa que envolve o tempo que vivi, o quanto envelheci, a idade que tenho, as verdades que desconheço.

Agora penso em ser jovem novamente, mas essa é uma novidade da qual não me recordo. Tão longe, lá atrás, há tanto tempo, o futuro parecia um mistério. E como era belo não conhecê-lo. A mim ele me mostra a mesma cara: um rosto sem face - ou uma face sem olhar? Então não sei se ele mudou, se não mudou ou se eu simplesmente não saberia dizer mesmo se o conhecesse.

Há muito tempo eu pensava que os mistérios são, hm, coisas ocultas, sabedoria, receitas, fórmulas mágicas, alquímicas ou dietéticas, enfim. Eu era jovem, então. Agora não sei mais como é isso. Agora me parece que só existe mistério naquilo que alguém conhece. Não conhecer no sentido de saber como algo funciona, ou para que algo serve. Apenas conhecer do tipo já ter visto alguma vez na frente das fuças.

Sim, a minha curiosidade pela cachola que matuta somente passou a existir depois que a descobri, ali em cima, martelando a si mesma com planos e dúvidas. Com um velho e estranho sentimento: a confusão causada por um mistério indecifrado.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Elísio

Depois da ponta aguda, da dor no peito, e da lágrima última.
'Depois', era uma definição vaga. Em realidade, inexistente.
Já não havia mais o antes, o durante e o depois.
Mas podemos nos referir como antes, o brilho intenso da transição, para uma nova pessoa, um novo propósito.

Não havia dor, tristeza ou alegria. Apenas o estado natural de absoluta paz.
Quando ela abriu os olhos, a aurora familiar e o brilho da nova esperança, inundaram seus bonitos olhos verdes. O céu estava limpo. Estava deitada em um vasto campo verde.
Parecia que há muito tempo atrás ainda sentia-se pesada, como se vestisse uma volumosa armadura, grandes fardos e uma bravura no olhar. A bravura não esfriou, mas o tempo já deixara de existir.

Sentia-se leve.
A visão lúcida e plena.
Olhou seus pés. Os movimentos eram suaves como suas vestes. Mesmo se quisesse não iria conseguir nada brusco naquela ocasião.
Apoiou as mãos no gramado alto e macio para se sentar, lembrou-se da outra vida quando fora uma criança, quando os gramados costumavam irritar um pouco a pele, isso já não mais acontecia. Não ali.
Levantou.
Até mesmo isso, vindo dela, naquele lugar parecia um gesto de bondade e de paz.

Tinha poucas lembranças da batalha do dia anterior. O que era o dia anterior, para ela, já parecia tão distante... As lembranças estavam ficando para trás, junto com o tempo. Como se tivesse acordado de um sonho. Já não era mais importante.
Só o que importava agora era o novo propósito. A nova tarefa.

Já não havia nenhuma cicatriz em seu corpo.
E nenhuma cicatriz em seu coração.

Três por três

Aguardavam debaixo de uma sombra forte, num dia de sol bruto, esperando um bom momento para sair embora, mundear por aí, ir para casa, repousar em paz.
O espectro do necromante estava vencido, não poderia mais toca-los. Sentiam-se leves, vivos. Esperavam esperançosos pelo saboroso momento em que chegariam de volta à aldeia, onde veriam pessoas comuns, tão inofensivas quanto eles próprios foram um dia.
Entardecido, o sol brilhava sem queimar; havia paz; as perturbações passaram. Eram, de novo, donos de suas consciências. Vencido o inimigo, iriam embora carregando o tesouro.
Contarão sobre a aventura a outros amigos, que ouvirão incrédulos. Acabarão sendo convencidos - tudo parece tão possível, olhando para seus rostos pálidos, sofridos.
Partem; chegam, bebem e brindam. Há música na taverna, há alegria vitoriosa. Endurecidos pela experiência, seus corações agora se enlevam, aliviados, empolgados. Talvez essa vida lhes seja uma boa escolha. Aventurar-se, enfrentar perigos - quem sabe?
Os velhos amigos os reconhecem, mas somente se acostumam com seu novo aspecto após terem bebido alguns canecos. Os três jovens, que estavam sumidos há dias, finalmente voltaram, mas estão tão brancos e magros, com olhares tão diferentes da antiga inocência, que é como se fossem outros. O que teriam visto de tão impressionante, se pergunta o taverneiro.
Enquanto a noite avança, o ar esfria e um vento afiado sopra pelos becos, por entre as casas. Do lado de fora, o olho furtivo do necromante espreita. Pois ele jamais veria seu fim.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Separar rótulos com vírgulas

Parem! Por que não param?
Seria eu o responsável por parar?

Sigo a fila do caixa, a fila do banco, sigo ao passar pelo brete, tomar a vacina, sigo a fila do restaurante, sigo o caminho planejado, sigo sem parar por mais de um instante, sigo dando um passo a mais em direção ao início dessa fila que sempre existiu, não tomei meu remédio, não tomei um rumo, não tomei medidas, não apliquei sanções, não me especializei, não soube o que dizer, não soube perguntar para onde ia esta fila, continuo sem saber onde vai ela, onde vou eu, sem saber quando foi que entrei nesta fila, de fim tão distante, e quem são essas pessoas que me seguem, nem a quem eu sigo, sigo nesta fila sem saber onde ela vai dar, se é que vai dar pra chegar em algum destino, essa fila inafiançável que vai sempre curvando pra direita, com que direito nos colocaram aqui, não sei, quem foi que o fez, não sei, por que o fez, também não sei, só sei que quando a pessoa, que pessoa, a da frente, o que tem, só sei que quando ela dar um passo a frente eu farei o mesmo, por que, não sei, não tenho alternativa, o de trás fará o mesmo, deixe estar, somente posso deixar, deixar de dar mais um passo, posso, ainda não, é preciso chegar, chegar onde, no próximo passo, no fim da fila, mas o fim não é lá atrás, é. Então para onde vão estes que aqui caminham?

Daniel

Cadê você Jovem?
Por que trocaste a alegria
Pelo sorriso enferrujado pelo tempo?
Saberia dizer o que te faz bem.... ontem
Está diante daquilo que lhe estende os braços
Mas saiba que o que é dado não tem valor

São longos braços estendidos,
De um único desejo, coletivo
De mocinhos a bandidos
Saberia diferenciar os mortos dos vivos?

Hoje você está seco, duro
Dureza daquele que diz acreditar
E acaba acreditando mais do que diz
Faz sem falar, e fala sem pensar
Quer ter paz, mas não tem voz
Saiba que paz sem voz é medo

De quando brincava de qualquer coisa, lembra-te
De quando trocou o jovem pelo velho, aprende.

De quando pensou ouvir das genialidades e sabedorias de "mercado"... Esqueça.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014