sábado, 28 de agosto de 2021

O MACACO ASTRAL SE SENTE MAL
Com o melindre ao seu redor
Com o macaco no galho vizinho
Com a falta de perspectiva
Com a ausência da humanidade
O MACACO ASTRAL SE SENTE MAL

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Parecer

Ao final da terceira consulta, o doutor já tinha o parecer: dissimulação de infelicidade soterrada.
Soava fúnebre para alguém tão cheio de vida. Alguém que jamais parecesse cabisbaixo, lamuriando a própria má-sorte. Pelo contrário: entre produções, posturas e poses para fotografias, construía a imagem mais inimaginavelmente positiva e de constantes alegrias que eram interrompidas apenas pelo gozo seguinte. “O quê?, não parece a mesma pessoa”, seria a possível legenda de um olhar que o encontrasse pela rua, inesperadamente, indo de um escritório a um consultório.
Diante do laudo médico, a recepção foi de surpresa. Márcio sempre se considerou alguém de bem – com a vida e tudo mais que lhe cruzava o caminho. Alguém do bem, também. Responsável, caridoso. Ninguém tinha um piu para falar sobre ele. Não na sua frente, pelo menos.
Escolado e vivido, marcado pelo tempo, o doutor aceitava tudo com a cabeça e um fino sorriso abaixo dos óculos. Não havia paciente que não se explicasse diante do diagnóstico. “Nunca tive problema algum, jamais suspeitaria”. Mas era exato, era ciência. E fazer aqueles exames sempre tem a chance do imprevisível. É como pescar em águas turvas, disse.
O grande problema, seguiu na explicação, era que o jovem Márcio vivia numa duplicidade inconciliável. O brilho que se pode enxergar sobre sua vida fragmentada não bate com a respiração pesada e o suspiro que lhe escapa no apagar das luzes, nunca antes notado. Isso veio à tona apenas nos caros exames que, repita-se, nunca falham e, por sorte, são cobertos pelo plano de saúde da companhia. Esse desencaixe entre sentidos produziu um desgaste que passou de uma leve perturbação a insatisfação constante. Como uma dentadura mal ajustada, explicou o doutor.
“E tem tratamento?” Só com internação. E tem que ser voluntária. Conversariam melhor dali a duas semanas. Que pensasse no assunto, discutisse com a família. “Claro, doutor. Família em primeiro lugar”.  O médico apenas sorriu em resposta, sem abrir a boca. Continuou sorrindo enquanto redigia e assinava um atestado, pra apresentar na empresa. Lendo o papel recém produzido, o paciente protestou: “Doutor, meu nome não é Márcio, é Claiton”.
Me perdoe, disse o velho psiquiatra, é que você não tem cara de Claiton.