quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Adão e as pílulas

    Adão tomava, com certa frequência e certa fé, uma larga pílula verde alaranjada com sabor adocicado. Rapaz, aquilo era bom demais. O efeito que tinha sobre ele, obviamente positivo, era de um poder incrível. Esta maravilha medicinal ele a trazia consigo, para o caso de uma dose fazer-se necessária em momentos imprevistos. Pois, segundo ele bem sabia, aquele remédio era prescrito a todos e a qualquer um, e não há de haver quem desaprove o seu sabor.
    Engolindo frequentemente aquela magia, sua mente estava inexoravelmente ligada ao efeito que aquilo produzia, seu pensamento seguia o fluxo que levava a droga, aquela linda droga, pelo seu sangue, pelo seu corpo. Com o passar do tempo, via naquela pílula uma resposta além de qualquer dúvida e ali estava sua mensagem para o mundo. Ora, passara pois a receitar este remédio a seus próximos, àqueles que amava ou queria bem.
    Jorge, seu compadre, aceitou de imediato a sugestão, enfiando na boca a pílula que Adão lhe alcançou logo na primeira vez que tocou no assunto. E ela entalou na sua goela. O sabor era horrível, até mamão tem gosto melhor, Jorge constatou. Isso magoou Adão profundamente; ocorria ali uma ofensa à maravilha de sua vida, a pílula fantástica que mudou sua mente e seus dias. Descartou aquela que fora cuspida por Jorge e insistiu que ele provasse outra, proposta que foi aceita com alguma relutância. E era a mesma coisa. "Não pode ser", ele pensava.
    Deixou de lado aquele infeliz e buscou outros companheiros para compartilhar a pílula: vizinhos, amigos, sua esposa e seu filho; seus colegas, seu patrão, sua sogra e seu irmão. Alguns gostaram, outros não. Outros ofereceram suas próprias pílulas, as quais Adão não foi capaz de aceitar e nem imaginava que tomassem. Outros, principalmente os mais próximos, ele tentou fazer engolir a força, enfiar goela abaixo.
    Tempos depois, o mais comum era que este assunto, a ingestão do que era oferecido por ele e por outros, acabasse quase sempre em briga, sempre em discussão. Entre malefícios e maledicências, jamais era obtido algum acordo e as relações com quem discordava daquela prática eram difíceis, tempestuosas.
    Um dia, envolveu-se nas tais contendas um antigo amigo de Adão que era médico, o doutor Dario. Quando o objeto da discussão foi exposto, ao perceber do que se tratava, ele resolveu estudar o vidro de remédio e seu conteúdo por um instante. Adão, que respeitava a opinião de seu amigo, ficou estarrecido ao receber o parecer. Aquilo era bala de funcho.

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