quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Uma pétala no chão
O passado se deita ao solo
O vento não sopra

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Feelin' alright

Abra a porta, a porta não mente.
Abra a porta, alguém quer sair e alguém quer entrar.
Abra a porta, meu amigo, vamos carregar as compras.
Abra a porta, meu bem, eu bebi demais.
O olho que olha no olho mágico vê sem ser visto.
O olho que roda no meio da cara é algo meio místico.
Preciso de proteção anti-cáries.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Sabedoria do Tio Pedro

Paulinho é um cara estudado, chegou em casa e chorou.

O vento que se curve

Nada vai mudar meu mundo
é o mundo quem tem que mudar por mim
adaptar ou ceder
não
isso eu não faço
no meu mundo eu que mando
me mando
na ponta do laço
anotei um recado na ponta do nariz
evoluir é com vocês
eu já cheguei onde pretendia
por que eu deveria sair e procurar uma razão
 se a plantei bem aqui

o vento que se curve

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Sobre um olhar atravessado


Por sobre o muro, passa uma espiada envolta num disfarce que não a cobre totalmente: aquela pessoa me despreza, bastando, para isso, os poucos motivos que a dei. Não conhece meu nome, não sabe onde vivo, se vivo, não sabe do que gosto nem do que ouço; me viu, e isso bastou.
Não me é novidade. O cara vê a pessoa transformar a expressão num momento e seguir adiante andando, como se tudo não tivesse acontecido. Senti saudade disso, fazia mais de ano que não me deparava com isso, que antes era tão comum. Atribuo esse tratamento, numa percepção provavelmente grosseira, supostamente baseada no que sei, a minha aparência que volta a ser ofensiva para alguns, esses que agem do jeito que acabei de contar.
Quando cortei os cabelos, me surpreendia quando esperava ser olhado com desgosto por pessoas na rua e elas simplesmente não o faziam. Eu não fazia, então, parte de nenhuma minoria enviesada, estava tudo bem para eles.
Hoje pela manhã, caminhando contente por uma calçada, encontrei de novo este velho conhecido, aquele olhar neutro se transformando num esgar levemente indignado com alguém que se apresenta por aí de maneira tão ofensiva. Percebi isso e fiquei feliz, matei um pouco a saudade dessa sensação. Segui pensando na importância desse momento, dessa provocação cotidiana, sobre o que significa, num momento e num local onde as pessoas simplesmente não conseguem suportar ser ofendidas pelo que as outras falam, onde um comentário pode facilmente eclodir em um processo, onde as pessoas caçam e pretendem destruir, calar, suspender, invalidar, reprimir opiniões contrárias as suas crenças, bem, me sinto feliz por poder ofender as pessoas visualmente sem fazer esforço algum para isso. Me recolho na confortável posição de ser assim e nada mais, andando desgrenhado por onde quer que as calçadas me permitam.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Me conta...

De onde vem vocês?
De onde vem esse vento morno?
De onde vem os bebês?
Donde vem inspiração?
Me conta, humanoide,
onde tu quer chegar com essas pernas de pau

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Pode digitar tua senha


É pra levar?
Mais alguma coisa?
Pode digitar tua senha, pode dizer que eu anoto, pode informar o valor, pode creditar, pode sonegar, vale tudo ou vale cultura, vale de lágrimas, chora cavaco, vai danada, é marmelada, pode dizer, pode repetir, pode passar amanhã, passa gelol, passa fome, passa roupa, cai balão, cai no golpe, cai na farra, abre tuas asas, abre a porta, abre a porta, abre, abre, não deixa, não descuida, vê se te cuida, vê se te emenda, fez uma encomenda, anota na agenda, põe na conta do Abílio, pode por a tua senha, pode deixar, pode defenestrar, não pode demorar, não digere, não difere, não deixa passar, passa a manteiga, passa a dor, passarela, canela fina, véia grossa, ninguém atende, ninguém entende, ninguém se ofende, ninguém me pega, não pega ninguém, o ano que vem, que tem, tá aí, mas não dura, não doura, não duvida, não desliga, não desligatututututututututu tu pode botar tua senha, é crédito ou incrédulo, é uma mosca sem asa que ultrapassa a janela de nossa casa, não voa mas caminha, nada mas não morre, morre na praia, na praia de azametifo onde se empilham os cadáveres que a química sentenciou. Na atmosfera, os gases liberados pela combustão das folhas arrancadas do calendário. Na estufa, o efeito do carinho sobre uma planta que deixou de resmungar quando foi levada para dentro. O mundo gira, submerso no conhaque que preenche o copo para onde tudo converge.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Por acaso

Não por coincidência, Peixoto deu a Adolfo seu próprio nome. Seria divertido: pintar um pintor com seu nome, um velhote como ele sabia que um dia seria. Quem sabe uma espiada no futuro, uma brincadeira com o que havia por vir, coisa de artista.
Pensou que, se continuasse pintando até alcançar a idade do Adolfo do quadro, precisaria de umas paredes bem enormes e o velho chalé não serviria mais; pelo menos não sem alguma reforma.
Tentou fugir do excesso de pretensões, pintou Adolfo como sentia que deveria e pronto. Era um pintor, portanto pintava. Não por acaso, gostou do resultado. Pendurou o quadro no quartinho onde ninguém dormia, contente, e saiu. No final de semana foi a um festival de rock and roll; divertiu-se. Ficou alguns dias sem pintar e na terça-feira seguinte, pela manhã, bem cedinho, resolveu dar mais uma olhada nas suas obras. A primeira delas era a mais antiga, já fazia dois anos que a pintara; o primeiro quadro do qual havia realmente gostado, o seu preferido; uma moça bonita que parecia não olha-lo diretamente, como se estivesse preocupada em não se distrair com alguma coisa. Tentou acompanhar o olhar dela, ver o que ela via, sabia que daria em nada e viu, do outro lado do quarto, Adolfo segurando o pincel, mirando Sofia. Olhou de um para outro, deu um passo atrás, e soube que não havia sido uma coincidência. Enciumado, saiu dali e foi até a padaria. Na volta, passou no mercadinho da esquina e comprou uma garrafa de conhaque barato, onde, até onde sabia, um dia se afogaria.