Eu entrei em acordo
com alguma entidade que controla os dedos dessa mão que aqui
escreve; num acordo sobre achar que a vida ainda não me foi
explicada. É um acordo antigo, este, sacramentado há tempos em
escrituras profanas - que de sagradas já estou farto. Enfim, mesmo
este acordo sendo tão antigo, e as coisas antigas tendem a serem
deixadas de lado, sabe-se lá porque, bem, as vezes me pego a
revisá-lo, a fim compreender seus pormenores. Começo, as vezes, a
pensar sobre a manifestação física da minha pessoa. Minha?
Seria eu apenas um
veículo? E ainda, sendo apenas parte de uma ferramenta,
homem-ferramenta, qual parte é minha, sou eu, e o que veio do além,
veio controlar essa estranha máquina que eu ouso chamar de lar? Será
que foi um empréstimo, um contrato de aluguel, uma ocupação, uma
visita sem convite, como foi que se chegou a conclusão de que algo
ou alguém deveria habitar esse composto de carne, cartilagens e
entranhas, essa casca que envolve... envolve o quê, mesmo? Não sei
como é o centro do meu mundo, do meu ser. Conheço apenas essa forma
barriguda, este corpo celeste mundano, que vagueia e cantarola por
calçadas acidentadas, terreno insaturado; que troca de pele e muda
de forma: pouco a pouco. Qual é o propósito - e será de propósito?
- em tratar este filhote de hipopótamo, que ocupa tanto espaço? É
curioso pensar em si mesmo como um livro não lido, uma carta num
envelope fechado.
Ouvi há pouco uma
música que falava sobre um navio de tolos, e me senti navegando em
algo semelhante. Prefiro, na verdade, traduzir como ingênuo. Implica
inocência. Mas pensando bem, talvez isso revele alguma neglicência,
ao concluir que posso ser culpado da minha própria inocência, em
não descobrir explicações para as confusas ideias que transitam
entre o início e o fim destas questões: quais eram mesmo? Eis uma
delas:
Sobre isso que aqui
escrevo, serei apenas cúmplice ou culpado?
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