quinta-feira, 8 de abril de 2021

Pertencimento

É perturbador, depois de uma década, ainda sentir os ecos de um antigo urro. Acomodado em um novo ninho, lar de alegres gorjeios e plumosos carinhos, em hiatos silenciosos percebo que certas coisas não mudaram. Escamas branquearam e murcharam, sem perder a aspereza. Mesmo ainda desconhecendo minha forma real, já não tenho dúvidas das imensas diferenças entre eles e eu. Talvez não estivesse nos planos feitos para mim, mas mesmo na marra dei um jeito de voar; tão longe quanto possível.

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Dos males, o pior

É uma boca matraca afiadamente dentuça. É um hábito pessimamente canibal. Uma espécie carniceira, nutrida pela própria miséria.
É um desprezo por tudo que não compete às suas fuças. Incapacidade de ver a dor do outro.
É um apetite por agredir, por destruir. Abocanhar e rasgar. Desmoralizar.
É uma espécie que transforma um pacifista numa nuvem de ódio e potencial agressividade.
É um par de patas pesadas pisoteando os tornozelos alheios, procurando contradizer o que não entende. Querendo achar que sabe mais. Sem saber de merda nenhuma. Vão à merda, aliás.
É difícil conciliar: saber não ser-se uma ilha e, ao mesmo tempo, ser parte desse continente de zebus radioativos, dessa menos-que-gente que faz travesseiro da infelicidade dos outros pra achar que dorme por cima da carne seca.
Cabeça seca.
É difícil aceitar que nossos ares são os mesmos. É odioso, é insuportável não ter como canalizar essa repulsa.
A palavra "humano" é tão esvaziada de significado. Na média ou na soma, o ser humano é mau. É ruim. Quer mal a quem deveria ser visto como igual. Que espécie miserável. Entre tudo que há de ruim, nada é pior.