sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

O MACACO ASTRAL ORDENA
Que seja feita sua vontade
Não no céu, mas sim na terra
Na terra ao seu redor
De acordo com suas conveniências
Sem levantar a bunda de sua poltrona
O MACACO ASTRAL ORDENA

sábado, 18 de novembro de 2017

Origami

Provavelmente mãos de trabalhadores mal pagos foram as que enrolaram aquele cigarro de "descer a ladeira" rumo à má saúde. Eu girava ele nos dedos enquanto ouvia o zumzumzum sobre as supostas virtudes alheias de fim de ano.
"Procuro ser uma pessoa correta, não faço o que não quero que façam pra mim."
"A gente procura não fazer o mal, mas também não levamos desaforo pra casa... Mexeu com um mexeu com todos"
Falou o corporativismo imundo da medicina que ninguém consegue processar na justiça, mesmo a causa sendo justa. Mexeu com um mexeu com todos. De fato. A minha vontade de falar isso era tanta que cheguei a esboçar um sorriso e em seguida peguei meu espelho de maquiar na bolsa, pra ver se não estava escorrendo veneno dos meus lábios. Eu sempre consegui fingir muito bem.
Era necessário pra sobreviver ali, eu não queria ser demitida.
Pelo menos o Rogério não era tão escroto. Eu notava em seu olhar que ele também se sentia mal com aquilo tudo.
E lá estava toda a direção do hospital, funcionários, até um ou outro político, todos muito bem arrumados, inclusive eu, para as tais boas festas de fim de ano. Já se passavam trinta minutos eu estava ficando com os dentes cerrados, precisava ir lá fora fumar aquele cigarro embrulhado pelos trabalhadores que provavelmente no fim da vida iriam parar na frente de pessoas como eu, temendo pela própria vida. A Aline se divertia muito com os contadores de piada nesse momento, tanto melhor pra mim, eu ficaria sozinha lá no terraço.
Iria tentar ver alguns semáforos funcionando sozinhos nas ruas da cidade, um dos meus passatempos noturnos de introspecção.
De volta na minha bolsa procurando o meu isqueiro me deparei com uma ave feita de papel, já um tanto amassada. A tinha ganho naquele mesmo dia de um dos garotos de uma escola de periferia na nossa ação de Natal anual. Uma boa ação por ano, é quase um recorde.
O pássaro era pintado com lápis de cor barato, feito com papel de rascunho da indústria calçadista, com vários números relacionados à produção mensal e algumas tabelas impressas no 'verso'.
A tamanha beleza daquilo só se comparava à ironia de que provavelmente aquele mesmo garoto viria a trabalhar com tais números e tabelas no futuro. Se for o melhor futuro entre os piores.
Naquele momento ouvi um disparo ao longe, em meio ao som de buzinas e motores. Novamente me surpreendia a capacidade daquela cidade de ler os pensamentos. Os ruins pelo menos.
Na metade do meu cigarro a Aline veio ao meu encontro.
Vim fugir de um cara chato que está tentando me desdobrar. Me dá cobertura.
Coloquei o origami no parapeito do terraço enquanto dava minha risada esfumaçada.
Ela não podia nem olhar para o origami direito. Era sempre uma experiência traumática essas visitas às escolas. Alguém tinha de chorar por mim, de qualquer forma.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Vésperas

Novamente com a nova velha sensação de não querer fazer parte de nenhum festejo, por não sentir que tenho algo a festejar, vem aquele trecho de ano batido, cansado. Amanhã eu não queria ter que acordar, eu não queria acordar, não queria estar viva e também não queria a vida dos que de mim às vezes dependem. Eu não me importo. Nunca me importei.
Só não queria estar viva amanhã. Não queria ver sangue e não queria sangrar como sempre sangro nessa época. Sangro e nunca morro. Há quem diga que é isso que nos deixa mais fortes, mas só o que sinto é um peso cada vez maior.
Cada vez mais enfado.
Cada vez mais, menos.
Como na noite passada onde sonhei me afogar, sem ar.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Teatro dos vampiros

Se for andar com o pescoço à mostra, é melhor ser vampiro.
Não tem nada a ver com estética, embora também se trate do mundo das aparências. Do contrário não estaria usando toda essa maquiagem, pra esconder a fragilidade iminente. Se tirar fica só um buraco.
A cidade te suga. As pessoas te sugam também.
Às vezes fico pensando se esse monstro tem um corpo, uma barriga, pra onde vai toda essa energia sugada, de tantas pessoas. E é muita gente. Tanto que acho não ter atendido duas vezes o mesmo paciente, ou a mesma ferida. O mesmo sintoma. Lá no hospital.
Trabalhar diretamente com o sofrimento não quer dizer saber de sua procedência ou mesmo saber como tratá-lo. Trata-se apenas de uma série de convicções medonhas. Afirmações. Cada um escolhe as suas no final e finge que é profissional. Ou vai dizer que o Clóvis tá errado quando diz não existirem padrões?
Você finge ser algo, eu finjo ser enfermeira, juntos fingimos ser uma sociedade que no fundo não é porra nenhuma.
Eu finjo me preocupar contigo e você finge que acredita. Só quero ver sangue mesmo.
Quando eu era pequena, eu lembro saber o que queria. Hoje eu procuro. Acho que essa é a ironia da vida: nascer sabendo pra quando estiver "adulta" ir procurar por aquilo que sabia, mas esqueceu.
Só quero ser feliz. Encontrar um cara legal, beber bastante e transar muito.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Que coisa bonita é um velório!

      Que coisa bonita é um velório!
Primeiro te besuntam, te arrumam, te enchem de flores e te colocam numa caixa feita sobre medida pra ti, às vezes até acolchoado da mais pura seda. Logo depois te levam para um lugar aconchegante onde tu és a atração principal - pelo menos uma vez na “vida” tu és o centro das atenções.
Nesse lugar especial tu vai estar rodeado daquelas pessoas maravilhosas que mal lembram o teu nome, uma vez que não te veem há mais de vinte anos porque estavam preocupadas demais com suas próprias vidas. Nesse local de reencontro, enquanto tu apodreces o pessoal bota o papo em dia – não poderiam ter feito isso em um domingo qualquer de sol, é claro - olhando pra teu corpo pálido, dizendo que a vida é muito curta e que deveriam ter aproveitado mais os momentos contigo e que vão valorizar mais cada momento em companhia dos amigos e parentes, já que não somos nada frente à face da morte.
O tempo vai passando e o assunto não para; aquelas tias velhas sentadas em volta do caixão, com suas caras de bunda de sofrimento e complacência acham que fazem uma diferença enorme no meio do sofrimento verdadeiro de poucos ali. Irônico é pensar que o que mais fede ali não é o cadáver, mas sim a hipocrisia dos seus “pêsames sinceros”, cheios de “carinho” e “dor”. Enquanto uma vela arde na frente de uma tela de Jesus Cristo, chegam ainda mais daquelas belas coroas enormes cheias de flores e mensagens de apoio, deixando o ambiente cada vez mais atraente.
Depois de um tempo chega um chazinho, um bolinho, aquele que era o teu preferido, e o papo não para. Ainda têm aquelas pessoas realmente importantes, não são aquelas que fizeram parte da tua vida e estavam contigo quando tu precisaste, mas aquelas que passam a madrugada no velório; Nossa! Esses realmente são importantes, porque deixaram de ir dormir nas suas camas quentes pra passar a noite junto do teu belo cadáver inchado. Que recompensador!
Mas ainda não terminou, tem aquele momento da “última olhada” antes de fecharem o caixão, nesse momento fazem fila, nesse momento tu és a estrela principal. A maioria tem que fazer isso porque não tem nem mesmo uma foto contigo. Tudo tem que ser cronometrado é claro porque já está chegando outro defunto. Dão-te o último adeus; sim, a última imagem que vão ter de ti é inchado, pálido, podre e cheio de algodão no nariz. Fecham teu caixão!
Que coisa bonita é um velório!

                                                                                          Arthur Manara


                  Dedico esse texto ao forte ranço do meu amigo Maurício Ws.

domingo, 28 de maio de 2017

Do mingo


Enquanto engatava a segunda, para esperar sem pressa a abertura do sinal, senti um golpe sem força. Fui atingido por um pacote enviado do fundo do porão, me lembrando que eu pouco passava de um saco de ossos, remexendo pela estrada. Todo aquele brilho verde de repente inundou as ruas, calçada, fachadas, automóveis, a esperança de poder seguir sobrepondo-se à prisão que vigorava até então, dizendo: é seguro, vão. Dois para lá, dois para cá. Os segundos eram contados, e eu engatinhava sozinho pelo caminho até a zona onde residiria, perdido no próprio rastro que eu deixaria. Estava num local de onde é fácil sair, difícil entrar, incrível de se estar.
Sozinho, então.
Mas em trajetória de reencontro com outras órbitas que tantas vezes se aproximam e se afastam, nosso próprio sistema lunar.
De certa forma, recuperando a consciência de que só se perde cada coisa uma vez; e que algumas te tiram e tu nada pode fazer; e que tu pode conseguir outras coisas várias, algumas melhores, outras que substituirão aquilo que deixou de ter, mas nunca serão as mesmas.

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Se sentir um lixo é se sentir bem

Afinal, o que mais explicaria essa manada de gente reclamando?
Gente que não pára.
Na cidade que não pára. Talvez devesse, pelo menos um pouco.
Os sorrisos amarelos nas fotos pra justificar um retrato falado. Uma instituição falida.
Uma grande empresa, palavras-chave.
Uma grande confusão na cabeça, não é para menos. Um monte de comportamentos doentios aprendidos e apreendidos. Apreensão. Há.
Um belo montante de piadas sem graça, uma conversa que não agrada. Um papo de surdo e mudo.
Comer lixo pra sustentar engravatados com pose de bons moços, dizendo que os bandidos são os outros. Reclamar do outro. Há cusação.
Um grande grupo de culpados identificados, atrás de uma porta fechada. "O que tem pra hoje." quando "se iniciam os trabalhos.", porque é bonito fazer da loucura uma coisa legal.
Estudar pra se sentir superior. Não a toa, é o ensino superior. Não porque é mais feliz, pelo contrário.
Trabalhar pra adoecer. Adoecer para reclamar. E reclamar por prazer, pois foi só o que restou.
Se sentir mal é normal, é a vida.
Se sentir um lixo é se sentir bem.
Mas só pode se sentir um lixo sem aparentar. Se aparentar estar se sentindo mal, vem os dedos da acusação. Da manga de paletó. Paletó de madeira.
O morto agradecido, de ter morrido ainda em vida, de tanta tristeza, de se sentir um lixo, de ser tratado como lixo, de ter perdido o sorriso e por isso, agradecido. Viveu uma vida boa.
Morte por sufocamento é uma coisa boa também.
E depois dá velório. Assunto para os próximos dias. Melhor ainda, a morte de alguém pra poder dizer como tudo tá no fundo do poço e, portanto, ótimo.
A vida boa é aquela com muito sofrimento, nenhuma alegria, muitas reclamações, muitas acusações, nenhum afeto, muita violência. O lixo é bom.
Se sentir um lixo é se sentir bem.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Lost

Uma vida, uma jornada. Momentos de sabedoria perdida.
Redenção.
Sentir-se um fardo.
Um fardo para si e um pouco mais para outros. A balança desequilibrada.
Onde está o brilho de antigamente?
Uma fonte, uma luz, o coração de uma ilha.
Agora tudo escuridão.
Perdido no caminho e com medo de caminhar.
Um problema nas pernas que não permite andar.
Problema de coração, nem frio nem calor.
Uma ação entre amigos. Doação.
Há migos?
Perdido.

terça-feira, 25 de abril de 2017

Na esteira

Um viva à terça-feira, que nos mostra que o pior passou, mesmo que ainda tenha muita merda por vir.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

No centro do balde

O pequeno barco girou em seu próprio lugar, inclinando-se para o lado, dando a Sofia a impressão de que iria virar.
Mas não foi desta vez.
Feito de dentes claros e buraquinhos, contrastado pelo azul do céu, um pequeno sorriso surgiu em seu rosto.
Ela sequer percebeu.
Tomou folego e soprou outra vez.

Versinho de banheiro

É sempre bom relembrar
  O que todos insistem em esquecer
De nada adianta se lamentar
  O mundo não gira ao redor de você

terça-feira, 18 de abril de 2017

Gota

O mais pavoroso. O mais desesperançoso, desesperador.
Como uma nota musical há muitos anos de distância, de um outro tempo bom, que parecia bom mas na verdade era igual, ruim também. Solitário no meio da multidão. Ninguém se importa, ninguém vê. Não se quer que vejam. Uma gota sequer.
Não há pegadas num caminho sem chão e não há chão para ser achado no frio do vazio.
Um punhado de anos estúpidos vividos por viver por sobreviver, sem muito o que falar sobre viver.
Um punhado outro de bobagens feitas seguidas, algumas bobagens ouvidas e outras tantas sem solução.
Fim da questão.

Nem líquido nem rots

Eu até sei como manejar algumas partes, sílabas tais, palavras a mais. Pontue, rotule, quem nunca. O que eu perdi no meio do tempo que perdi foi a manha de pegar uma assunto pela raba, enroscá-lo na mão, dar vazão às ideias que me circundam no momento em que faço isso. Perdi, mas ainda posso encontrar; na verdade, só esqueci onde se encontra.
Eu contaria uma história, mas perco a conta de quantas vezes deixei uma ou duas escapar por entre os dedos, no tempo entre olhar de uma janela para outra.
É difícil fazer um croissant numa fábrica de pregos, ainda mais se for só nas horas vagas.
É difícil concluir uma fala sobre o não-começo.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Hotel

Eu quero morar aqui, eu quero sonhar aqui, banhar aqui, sentir a toalha limpa e a roupa de cama esticada pra sempre. Quero ter um cartão ao invés de chave, um frigobar no quarto, serviço de quarto, um cofre. Voltar do passeio e ver o quarto todo arrumado, bonito e limpo... tem preço!

MALHAÇÃO ANOS 2000

Eu me sinto numa novelinha, onde as pessoas disputam, perdem, ganham, são passadas pra trás, namoram um amigo, que antes era namorado de outra amiga, depois namoram outro amigo, que antes era namorado de outra amiga, e assim sucessivamente. Acredito que as pessoas deixam a Serramalte esquentar porque querem. Se reinventar é uma forma de conhecer o diferente. Mas voltando ao assunto da novelinha, eu seria capaz de colocar fogo no Giga Byte só pra ver uma galerinha aí junta de novo. Ahhhh...já ia esquecendo... tem como deixar de gostar de Nutella?

É sobretudo sobre tudo

  É sobre querer ser sincero, sobre querer te dizer tudo, mas suar frio só de pensar em abrir a boca ou mexer os dedos.
  É sobre ser curioso e ter um sentimento bom. É sobre ser receoso e ter um sentimento ruim. Sobre equilibrar as coisas.
  É sobre não se prender aos outros pra ser feliz.
  Sobre colocar histórias na bagagem, mas deixar o final aberto pra se transformar em algo melhor.
  Sobre ter dúvidas, sair da zona de conforto, experimentar coisas novas.
  Sobre tomar um café e talvez sentir o mesmo sabor de sempre, mas quem sabe sentir que existe um pouco de doçura no amargor; que em cada xícara pode haver um novo sabor.
  Sobre poder estar em qualquer lugar, mas se agradar da ideia de estar aqui.
  É sobre perder os medos e se entregar por um momento.
  Sobre se re-conhecer.
  Sobre cruzar o olhar e sorrir.

Sobre o que fica, o resto é rascunho

A vida é realmente inesperada, por alguns minutos me fiz a pensar sobre as perguntas sem resposta imediata. Alguém me disse um dia que algumas coisas ruins acontecem para que piores não aconteçam, e eu repito isso as vezes, porém dúvidas permanecem. Nesse dia cinza, me fiz a pensar que  a vida é tão frágil e os relacionamentos são tão vulneráveis. É tão triste se decepcionar, principalmente por amor. Me parece que falta comunicação, mas comunicação demais, também causa estragos, principalmente quando se quer mudar atitudes. Você(cabeça dura) tem que entender que não se muda alguém do dia para a noite, obrigando, humilhando. As pessoas não mudam assim, elas mudam por si próprias, quando mudam. Não perca tempo tentando mudar o outro, isso será ruim pra você e para o outro. E você(pirralha), não faça o outro de palhaço, nunca! As mágoas ficam e causam estragos.  Eu aprendi isso da maneira mais dolorosa, eu senti os estilhaços, mesmo de longe. Mas serviu para que eu possa constatar que os relacionamentos são vulneráveis. Por atitudes idiotas, mal pensadas, eles terminam, eles simplesmente se vão. Triste. E o que fica? Ah... o aprendizado, sempre fica. 

sábado, 15 de abril de 2017

Descanse

Percebi como agira depois de já haver se manifestado
  Infiltrando-se nas falhas de quem não se permite a paz
  Enraizando-se nesta mente que pensou não ser capaz
Em lidar com os próprios danos, como houvera esperado
Permitindo-lhe a entrada, a este hóspede indesejado
  Que da angústia se fartou, com seu apetite voraz

O rancor, por curto momento, aprisionou seu hospedeiro
  Naquele breve instante onde as barreiras foram ao chão
  Banhando-se na intensidade de cada contusa emoção
Irrompendo, com sua força, de seu fragilizado cativeiro
Não proibi que de meu palavreado fizesse seu viveiro
  E assim causei seu dano, entregue ao lapso da razão

Causara, porém, e acima de tudo, nada além de pesar
  Fiz em mim a tempestade, fiz a mim mesmo forte vento
  Fiz do luto que me permiti, meu castigo, meu tormento
Fui o que não gostaria de ser, estado ao qual jamais voltar
Reflexo da omissão de construir sobre si mesmo seu lar
  De não lutar por meus anseios, de fugir ao meu intento

A paz cresce, sobretudo, em quem entrega e não resiste
  Em assumir seus erros, em compreender cada falta
  A cada pequeno pensamento, onde o amor se exalta
Gerando simples sorrisos, no que não se via senão triste
O tempo foi curto, mas sinto que em mim ela já existe
  E no que o amanhã trouxer, que seja ela a se fazer mais alta

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Ain't that feeling like shit...

E como.
E faz tempo que não consigo enxergar direito.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Há Cidez

Quem prova do meu veneno morre. Mas eu morro aos poucos também, não sou mais que mera mortal.
O veneno faz mal e é uma produção diária, da toxicidade das relações líquidas. Quando se diz que quer algo mas desejando o inverso e se consegue aquilo que tanto diz querer, há conflito na certa.
E é melhor ter alguém. Em sentido de posse mesmo, afinal, eu não conheci e nem mesmo vi outro tipo por aí.
É melhor você ter alguém, pois a sua falsa importância aparente se revela como tal, sem importância nenhuma, diante daqueles que você pensou que talvez te achassem importante em algum momento. Eram situações de último recurso, conhecidas por outro nome: amizade.
Tá e como você sabe?
Ora, meu caro, eu também faço isso. É normal. Se eu tivesse alguém agora eu nem estaria aqui falando com você. Desculpe a sinceridade.
Quando alguém aparece e reaparece de maneira cíclica, pode ter certeza que é alguém que não tem alguém para si a longo prazo, se é que você me entende. É uma escolha. Você precisa ver o que quer.
Acabou o meu cigarro, tem algum aí? Que bom que estamos do lado de fora, assim ninguém enche o saco e podemos fumar à vontade.
Enfim, eu sei que você está pensando que eu devo ser uma pessoa tóxica e eu não lhe tiro a razão. Escolhi ser assim por uma série de motivos e um deles é fingir que eu tenho uma escolha.
Aquele cara naquela mesa estava no hospital esses dias, ficava me olhando daquele jeito que vocês caras ficam olhando as gurias, pensando que nós não estamos olhando de volta.
Agora lá está ele com sua mulher em um retrato perfeito disso tudo que to te falando, ou não.
Quantas cervejas já tomamos?
Parece que só eu estou falando e você me ouvindo enquanto as pessoas passam nos olhando e pensando que você de repente esteja na friendzone.
Não precisa ficar vermelho.
Acho que devemos beber mais uma, aí de repente tu me conta sobre o que ficou pensando todo esse tempo...

All alone and no play makes Julia a dull girl

Febre da selva de pedra, não da cabana. As piores doenças sem dúvida.
Árvores de concreto de mais de vinte metros de altura que não refrescam o ar, mosquitos mecânicos que não precisam picar pra transmitir doenças e uma manada de porcos soltos que incomodam bastante. Cuspo no prato que como. Não nego que aqui é o meu lugar, desde que eu sempre possa voltar ao meu casulo e me esconder entre quatro paredes como um animal ferido procurando se curar.
Mas essa é a desculpa na verdade. Muitas vezes não se sabe o que quer, e normalmente não se quer a cura. Produzir saúde não é livrar as pessoas da doença.
Sinto muito.
Deitar em posição fetal com os olhos abertos em pavor encarando o abismo interior.
Volta e meia ver a saudade bater como um tambor fúnebre. Engolir em seco sem café, sem um drink para acompanhar, sabendo que vai cair mal e que vai pesar apesar.
Vontade de quebrar alguma coisa e se arrepender depois.
Mania de perseguição.
O que que os outros vão pensar?
Transar com medo de se apaixonar.
Fear not ranger.
Há pressão, opressão.

Acho que vou fazer alguma besteira.

sábado, 4 de março de 2017

Tarde de Scataplam! [04]

Quem disse que raiva não é um bom sentimento? Raiva é uma constante de valor variável. Foda-se o sentido.
Não há sentido numa rua que ninguém usa.
Um trem que vai de lugar algum até logo ali, transportando apenas uma promessa não cumprida, obras da copa.
Uma torrada com queijo colonial e copa, ô coisa boa, lanche épico.
Sentimentos divertidos, de monte.
Eu quero, eu posso, eu gosto, eu vou.
A felicidade é um par de coxa quente, diria o John se fosse mais Juán.
Mas uma arma, ela tem seu charme. Um gatilho, como uma chave da vida, "ligado/desligado".
É como se houvesse um monte de interruptores num corredor, cada um esperando pra mandar um de nós pro beleléu, todos eles sem o nome de a quem pertencem.
Você viraria alguns, se tivesse oportunidade?
Tanto para vivo quando para morto, arriscaria?
Como disse o Gandalf, muitos que vivem merecem morrer e vice-versa.
Quem é você para dar ou tirar a vida, para dizer "tu, ó, verme, não mereces viver, portanto morra";
"Tu, ó, centurião dos bons feitios, volte à vida para dar ao mundo a felicidade que merecemos", ressucitai ao terceiro dia.
Deixa estar, que uma hora a chave cai, e nós não estaremos aqui para estranhar a escuridão.

Tarde de Scataplam! [03]

Vacas Anônimas

Você a chama da maneira que prefere. Nomeia aos bois, as vacas deixa no escuro. Não te importam. São putas, são biscas. São numerais, são ordinais, ordinárias, que abundância delas que há na tua fila, ó, vermezinho.
O que vale um nome numa relação que não tem valor?
O que se espera de alguém que não sabe por que motivos aghe feito um bosta, cagando na cara das pessoas, fazendo sentirem-se um lixo, consumindo-as o melhor que pode, no menor esforço possível pela felicidade alheia, enquanto durar seu prazo de validade, depois, é só descartar, jogar porta afora que alguém passa e junta, "não gostou, pega pra ti e leva embora".
Um cara que vive assim, não me importa que nome tenha, é Pedro Bosta e nada mais.
Sejamos de outra forma.

Tarde de Scataplam! [02]

Não há sentido único, mão única. Uma mão leva a outra, dentro de si. Mãos dadas, gente junta.
Somos uma sociedade. Anônima. Há quem queira se destacar, ser nomeado alguma coisa, ter seu nome lembrado. Boa sorte, que tudo dê certo. Tudo passa, tudo passará.
E a capacidade de alguém que se lembra de uma lembrança de não esquecer de alguém que viveu há muito tempo, que há morreu há vidas, um dia se dissipa.
Temos imortais na nossa história, mas só porque ainda vivemos.
Nossa casa está em chamas, quanto tempo ainda poderemos morar nela?
Torneiras secando, a indispensável despensa chegando a um vazio impensável.
Por sorte, cada um habita um seu trailer, algo como a cabana de Baba Yaga.
Levemo-nos adiante, não olhemos para trás.
Apenasa começamos.

Tarde de Scataplam! [01]

Eu não sei o que dizer mas nem por isso desistirei de tentar
Porque a vida, ela reserva supresas, mano
Ela te dá um caminho que não tem placas, a não ser aquelas que as pessoas costumam pregar pra ti, dizendo "não vai por ali, que lá adiante eu me fodi", mas elas se enganam achando que o caminho que elas estão falando é o mesmo que tu vai encontrar, como se houvesse uma estrada por onde passa muita gente, enquanto, diria eu, na verdade, mas não sei quanto de verdade há nisso, enfim, enquanto o mais provável é que haja todo um universo de trilhas que se moldam conforme quem anda nela.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Epitáfio

Fui jovem.
Estou velho.
Minha perna direita treme. Uma vez era pelo chão frio da calçada. Hoje é por nada.
Longe se foram os dias de festa do mutirão. Os dias das empreitadas, empadas, mandiocadas. Até galinhada.
Mas não reclamo porque lembro do Antônio. Pobre infeliz morreu sem por quês, não morreu de velho. Morreu de velha. A velha mania das pessoas fazerem as coisas sem motivo, sem saber.
Isso já faz tempo.
Tempo faz também em que minha mãe morreu apedrejada, também na calçada. Mas que marmelada.
Uma tragédia na verdade. Mas ela não era muito bonita, nem tinha maneiras refinadas. Era como eu, comia com as mãos. Se coçava com os pés. Tinha cheiro de chuva e por isso pouco importava.
Ao passo que passa, já não mais passo aí. Me faltam as forças. Já se foram os dias de guri.
Vou pra dentro da minha casa, ali debaixo do pé de manga. O antigo local onde encontrava meus camaradas. Gritávamos para as máquinas a passar. Máquinas de passeio.
A minha casa fica na rua, porque das ruas eu sempre serei.
Dimes meu nome.
Um último gemido suspirado.
Uma prova de que não há nada de errado.
Em celebrar uma vida simples.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

M.I.F.O.

Cinquenta. Um. Um e cinquenta. Dois.
E se acabaram as moedas, simples assim.
O aperto de um botão, uma máquina zunindo. Da repetição ao vício. Lá e de volta outra vez.
Mesmo papo furado, mesmas pessoas, diferentes semblantes.
Talvez eu devesse comprar um par de peitos. O sorriso eu já tenho. Talvez a bunda também.
É, acho que só faltaria o par de peitos. E a pele bronzeada. Passar um tempo dentro de uma outra máquina pra sair com a aparência de ter pego sol. Que é tipo fabricar em laboratório uma carne para honrar as tradições sem porquê, sem saber. Haha. É. Mais uma risada falsa seu idiota. De toda forma não passo de uma piada ruim, sei disso.
Como se eu já não pegasse sol o suficiente. Sol que me torra. Certamente gostaria de parecer mais bonita, talvez não por vontade própria. Só não quero pegar câncer, então continuo meio branca.
Ir tomar um 'chima na redença', encontrar todo tipo de gente, todo o tipo de igualdade. Parece que são todos iguais. É tudo muito 'zueiro'.
Deixemos a seriedade para depois. Depois quando?
No velório talvez. Ou quando for da própria conveniência.
No hospital se pensa que normalmente é tudo muito sério. Ai de quem falar o contrário.
Mal sabem.
Esperar a sexta-feira pra repetir o bordão já batido. E continuar fingindo que tá tudo bem.
A seriedade da realidade é demais. É muito. É preciso adquirir muita coisa pra poder tapar a visão direta, nojenta.
Mas eu sei. Eu sei que isso tudo é pra bonito.
Te daria um abraço movido por compaixão se eu não estivesse puta da cara.
De qualquer forma um abraço não te ajudaria em nada, já que tu tem que ver por si só.
Sozinho. Nu.
Não. Eu não sei como resolver.
Só tento fugir e não consigo.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Debaixo do sol IV

Realmente quando há a moda o indivíduo some. Porque parece que todo mundo é igual dentro de uma mesma onda de um mesmo mar de gente. A coletividade nos empurra a fazer coisas estúpidas, tipo ser igual para ser feliz. Não me diga que não é assim. Por favor.
Nunca havia entendido o abrigo artificial da felicidade por trás das fotos de sorrisos e aparência de bem-viver permanente. Mas posso entender quando bebo um café com açúcar ou quando fumo um cigarro em um dia cinzento prestes a chover.
Bato de frente, certamente, e me debato em vão desespero. Pois o que vejo nada mais é do que a mim mesma em outras faces.

Como pessoa, ainda me reservo o direito ao desgosto.
"I just believe in myself 'cause no one else is true"
Uma chuva de verão. Um chove e não molha, uma chuva que causa a falsa sensação de alívio e frescor para logo em seguida o sol voltar com o dobro do calor.
E que tarde quente.
Posso sentir o calor da rua aqui dentro do hospital no "ar condicionado". Um nome mal colocado, para não dizer errôneo.
Posso sentir o calor na minha cabeça, na fala alheia e no olhar minguante dos doentes.
Bem que o calor poderia derreter também a falsa esperança, as máscaras comerciais e as prisões alegres.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Sozinho, agora. Inspeciono os arredores, minuciosamente.
São como câmaras que oferecem reflexões profundas para quem olhar com cuidado.
Notas de guitarra, rebatendo sem ecoar.
No futuro não há nada e o passado está enterrado. Ou quer estar.

"And nothing is very much fun anymore..."

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Morrência

Tive um sonho, onde todas as coisas ruins se juntaram. Um "sonho", comumente chamado de pesadelo. Do pior tipo, que tu acorda não de susto, mas de desânimo, com a impressão de que é um dia a menos, e não a mais, de vida. Um ano a menos.
E na verdade é... Mas a realidade é pesada demais pra se suportar sem defesas, sem remédios. O remédio não deixa de ser uma desculpa esfarrapada que tu finge acreditar pra poder continuar seguindo. Tu e toda a sociedade.
Que droga. Acordei com dor de cabeça. Cólica também. Não basta a sensação horrível do sonho.
O café está quase pronto, minha segunda droga favorita. Só que hoje ele é sem gosto. Mesmo se eu colocar açúcar, a outra droga. Tudo isso para produzir uma sensação artificial de felicidade, extremamente passageira.
O sol deve estar forte, um calor de matar. E mata aos poucos, tipo fazer aniversário, se morre aos poucos cada dia, mas a realidade é forte demais, então precisamos de uma desculpa.
Queria eu não estar nessa onda, mas da última vez que enfrentei a realidade levei uma surra. Me lembrou uma vez que meu pai me bateu com um fio de energia elétrica. A surra do fio de energia passa. Já a realidade está ali constantemente, espreitando, esgueirando, esperando a máscara cair.
No dia que meu pai me deu uma surra eu tinha ficado muito braba. Me senti humilhada.
Hoje eu sinto saudades.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Heróis

Não tenho vergonha de confessar que ainda procuro todos aqueles heróis da minha infância.
Onde foram parar?
A sensação de nostalgia, a boa sensação de que existe algo de bom em algum lugar, e principalmente de que tudo vai dar certo no final. Que final?
No fundo eu não deveria gostar deles, afinal, eles serviram pra esconder muita coisa de mim, o choque de realidade aumenta quando tu percebe como o mundo vai se revelando. Em tons de cinza, geralmente escuros.
Meu pai foi o meu primeiro herói. E é um pulinho pra encontrar ele novamente, basta ir até São Chico. Só que assim como os outros, ele já deixou de ser um herói faz muito tempo. Mais precisamente quando eu tinha onze anos ou antes. Hoje ele é só o meu pai, uma pessoa normal, sem super poderes, mortal e frágil. Como todas as pessoas.
Queria muito voltar a ver o mundo como era antes. Ou isso seria querer voltar a ser estúpida e ignorante?
Há quem diga que os médicos e as enfermeiras são os heróis do mundo. Então por que tanta gente pede ajuda pra deus? O deus super-herói, super homem, cujo super poder é usar as pessoas para operar seus milagres. Ora, isso eu também posso fazer.
Não me sinto heroína, a menos que você esteja se referindo àquela droga. Já posso ter sido a heroína de alguém nesse sentido. É difícil de ver a própria toxicidade.
Dia após dia vamos fingindo que está tudo certo.
Noite após noite o amor vai ficando cinzento e aquele brilho no olhar vai se apagando sem que alguém dê importância. Como aquelas estrelas no céu que somem para todo o sempre sem que alguém note. Sempre sobra alguma outra.
Talvez esse seja o mal da coletividade. Sempre tem outra pessoa quando alguém morre, nos cegando quanto à beleza da especialidade de cada um. Basta ver o noticiário, que divide os grupos entre ricos e pobres. Como os pobres são maioria, geralmente são tratados com menos importância.
Esperar o que, de uma sociedade que diz que o policial é herói quando mata e o médico é herói quando salva.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Entre sorrisos e máscaras

Eu já havia gostado da sensação de ajudar.
Um brilho misterioso que vai pulando, achando vários e diferentes lares em vários rostos, ou máscaras. A sensação até era boa, não nego.
Acontece que a repetição e o costume dão nascimento ao enfado. Ver sangue não era um problema pra mim, nunca foi. Não falo apenas do líquido vermelho que dá sustentação para a vida.
Um plantão depois do outro e tu nem se importa mais. Uma vida a mais ou a menos. Afim de se perguntar: Há fim?
Eu quase me arrependia de ter trocado o plantão de sexta com a Aline. A sexta feira, a feira santa, dos artigos raros e de celebridades falidas, produzidas. Onde se troca uma vida inteira de esperas por um momento ínfimo, impermanente, de alegria líquida e sem sentido. Da mesma forma que era irônico que eu gostasse da Aline, era irônico que eu também precisava desse momento de alegria líquida. No entanto eu sempre pensei que me diferenciava de alguns tantos de pessoas, por perceber que isso era uma roubada. Como dizia um amigo meu distante, não basta saber.
Era de se estranhar uma correria relativamente cedo da noite, pouco depois do início dos trabalhos do pessoal de folga, afogando tristezas nas mesas de bar. Mas aqui em Porto Alegre não era estranho. Falta de segurança pública, problema do qual desde que me conheço por gente as pessoas clamam e reclamam.
Mas naquela noite era um rapaz um pouco mais bem ajeitado, desses que deixam os pais em casa em preocupação enquanto que ele sai com o carro para a noite.
Mais novo que eu, com um buraco no ombro. Certamente um disparo.
Com ele vinha uma guria um tanto esquisita, tanto quanto imaginar em uma cena aqueles dois juntos.
Não que eu goste do sofrimento alheio, mas chegava a ser engraçado, parecia mãe drogada com um bebê de rosto sofrível como se nunca houvesse solução para nada.
Limitei-me a rir brevemente por dentro para em seguida me portar como manda os bons costumes e a direção geral do hospital. O que aconteceu?
Já me preparando para dar o devido atendimento. Aquela cara de lunática, cabelos cacheados bagunçados, me encarando enquanto eu pensava em perguntar de novo, caso ela estivesse viajando.
Baleado. Assalto. Perto do Opinião.
Não é o primeiro, não vai ser o último. Chamei o Paulo e o Quevedo para darmos o encaminhamento na sala de emergência.
Marcos Silva teria sido mais um nome nas manchetes ou nem isso. Provavelmente seria, ele não parecia da periferia para ser tratado apenas como mais um número.
Agora remendado e em observação.
Ou salvação, caso passassem aquelas senhoras que eu tanto odiava pra ficar rezando ou pedindo pra deus cuidar dos feridos. Bastava me pedir ajuda, e nem isso, pois já faço isso de rotina, sem que ninguém precise me pedir, é o meu trabalho. Mas acho que é melhor pedir ajuda pra um super-homem-deus-macho que não existe do que pra uma reles-simples-mortal guria-moça-mulher que está ali do teu lado. E ainda há quem diga que eu preciso respeitar a alheia, ainda que o respeito não seja recíproco. Eis aí uma das razões pelas quais os dias vão ficando cinzentos.
Vi na sala de espera aquela moça que tinha vindo com o rapaz ferido. Ela parecia alguém legal, se não legal, pelo menos autêntica. Ou era uma máscara nova que eu ainda não tinha visto. Interessante, portanto.
Parecia estar tendo um dia daqueles, aparente cabeça cheia e latejante.
Ofereci uma aspirina e recebi um sorriso. Daqueles que te deixam na obrigação de imitar.
E o meu sorriso ainda era uma imitação, era só pra dar sustento aos bons costumes, sustentar a máscara de cirurgias plásticas morais e implantes de felicidade.
Tipo a máscara do cara do comercial.
Eu não poderia mostrar o buraco atrás da máscara para qualquer um.

sábado, 21 de janeiro de 2017

Sótão

    Entre as coisas velhas, algumas guardadas em caixas há tantos anos, outras empilhadas em estantes; livros, tubos de tinta, blocos de papel, uma tesoura de jardinagem, infinitas forminhas velhas de fazer pão e biscoitos; um infinito oceano de solidão escorrendo no espaço vazio entre elas e ele.
    Na sala onde pendurava suas pinturas, Adolfo entrava em uma ilha, onde as ondas escuras não o alcançavam, e quase nada mais importava.
    A casa, um dia nova, ficou antiga, virou um antro de memórias, e outro dia teve que sair dali, carregado por forças incontestáveis. Mas sua própria velhice o acompanhou até a nova morada. Sentia, de vez em quando, um certo desconforto, piscava profundamente os olhos, desacostumado às luzes de seu novo lar.
    Encontrou um lugar especial para seu quadro próprio preferido, a moça do olhar indiferente, assim o chamaria se não soubesse dela o nome, e os minutos em que se punha a observá-la aumentavam dia-a-dia.
    A mudança foi boa; havia mais espaço, um lugar melhor para criar, compor, pintar, desesperar-se nos momentos onde não soubesse o que faria da vida a seguir. Nada muito difícil de deixar passar, essa sensação. Todas as coisas deveriam passar, de qualquer forma. E ele, como criatura humana que era, possuía uma capacidade limitada de estender-se mentalmente além dos limites aos quais já estava habituado, retraindo-se de arrependimento quando se esforçava demais para isso.
    Viveria feliz o resto dos seus dias, provavelmente. Tinha tudo do que precisava.
    Mas era difícil dormir, ali. Pois as luzes da galeria raramente se apagavam.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Máscara do buraco

Finalmente entendia o que queria dizer aquela frase.
Se tirar a máscara fica só um buraco.
Pois, só se entende realmente, depois de sentir.
E era assim que me sentia. Avaliando o negrume do meu abrigo entre quatro paredes de pedra fria.
Corre-se desesperadamente atrás da verdade, para depois nunca mais voltar. Tantas são as catracas que se passa.
Mas olho no espelho e não vejo esse buraco. Não consigo tirar a máscara que tapa. A dor é insuportável. É um buraco de projetil na alma. Alto calibre, não que eu entenda alguma coisa sobre armas. Talvez da dor entendesse, de tanto ver pacientes baleados. Os vagabundos, segundo os jornais.
O café já não me ajudava, assim como os cigarros. Seguia bebendo e fumando de qualquer jeito. Não era de esperar que morreria a esperança, se alguma houvesse. Tinha a sensação que o buraco a havia sugado também.
Era como dar voltas no deserto do velho oeste, ao som de uma guitarra melancólica ou de um violino macabro, com urubus a sobrevoar esperando a sentença final delimitando o início de seus jantares.
O disparo era como um suspiro de respiração pesada. Uma falta de ar a cada impacto.
Passava reto entre os órgãos vitais, era apenas para doer, não pra matar.
Tentava imaginar o que seriam os problemas reais. Pra me alegrar um pouco mais, pois o meu certamente era de primeiro mundo.
Falo bem. Ainda assim era um problema. E eu precisava encontrar a solução, porque o tempo passa rápido demais.
Ria e o mundo irá rir com você.
Chore e chorará sozinho.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Dívida

Ah eu devia?
Acendi o cigarro como o padeiro que foi visitar Don Corleone no hospital, tremendo.
Why should I?
Aos gritos na minha cabeça. Devia estar animada? Por ser sexta-feira? Devo, tenho que, e outras expressões que parecem gozação, surreais demais pra mim.
A sexta feira das felicidades vendidas a preço de banana, se fosse a feira segunda, seria bem mais caro.
Com suas muitas estandes, desde deus até o diabo, com seus produtos à mostra. Compra quem quiser, compra baratinho, na promoção, no combo ou no box.
A moeda é uma vida inteira de esperas. Viver esperando a próxima boa nova, a próxima festa, o próximo carro novo, o próximo namorado.
Claro faça isso. Faça isso depois venha me falar como eu sou depressiva com essa sua máscara de sorriso estampado, do cara do comercial falido.
Banqueiro dos quereres, para me dizer o que devo. Não duvido de mais um sistema financeiro, tão sujo quanto a sua suposta novidade, atormentando almas.
Se quer carregar essa pedra, carregue-a longe de mim, por favor. Carregue-a você, se assim acha tão importante. Não venha me dizer o que eu tenho que, ou deva fazer ou qualquer coisa mais. Não venha querer me convencer desse papo furado.
Não me venha com "meu deus!", principalmente. Só se fica horrorizado diante do espelho das verdades. Não me olha com essa cara, escandalizada, não diga que prefere sinceridade. Eu sei que não é verdade.
Comecei a ficar tonta, acho que a minha pressão baixou.
Calma Júlia.
Fez menção de pegar no meu braço.
Calma nada. Pensei.
O empurrei pra longe. Cai fora cara. Falei.
Tu se estressa por pouca coisa. Aquilo iria ecoar bastante.
Refletido no espelho da verdade, de volta a rebater para as cavernas da mentira.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Onde vais?

Onde vais, esconder-se entre quatro paredes.
Esperar a quem do além não poderá retornar. Fica a saudade.
Vais a pé, de carro ou de alma. Se a vida já é um enfado, vais esconder-te. De si mesmo, das multidões.
Vais tentar sufocar o peso, não da fome nem da necessidade, mas da sensação de estar preso.
Correr atrás, de uma paz que dialoga diretamente com a felicidade. Cobra caro, claro está, seus milagres passageiros.
Onde vais? A tratar de imaginar personagens fictícios, se valer de alimentos como o fazem os lobos, sempre sozinhos. Encontrar ao fundo da garrafa, da xícara ou do copo, divagar é o que eu posso.
Alegra-te, o bom dos problemas é que ninguém tem nada com isso. Só você com você mesmo.
Vais imaginar que nada é real, que as palavras verdade e mentira se aplicariam como tal, na ilusão estampada.
Vais, encontra a paz.
Ou só estás a procurar?

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Saudável

Este definitivamente não é um lugar de saúde. O Ministério da Saúde adverte.
Previna! Não advirta...
Ministérios e seus mistérios. Isso me lembrava alguma coisa, algo já visto ou lido em algum livro por aí, não vou lembrar agora. Faz tempo que não leio, a não ser bulas de letra miúda, formulários e livros sobre medicina. Um papo reto deveras desinteressante.
Um prédio branco acinzentado com algumas árvores na frente a fim de fingir que estamos de bem com a natureza.
As pessoas não vem aqui para ficarem mais saudáveis. Elas vem pra se livrar de um problema.
Doença é o problema em questão, normalmente encarado na contra-mão.
Já é também um molde de negócios. O ideal seria que viessem cada vez mais e se livrassem de problemas cada vez menos. Claro, tudo dito com palavras não escritas.
A mesma coisa que deixa o ouvido surdo para os gritos de sofrimento humano.
Às vezes tão escondido, mas normalmente muito evidente.
E como tudo, muito exagerado.
As maquinações e as maquiagens se encarregavam de dar óleo às perversas engrenagens que mantinha tudo funcionando. Um tapinha nas costas. Um cínico aperto de mãos.
Uma vez já tive impressão de minha vida ser de suma importância. Ajudadora das gentes, cuidadora dos enfermos. Protagonista de uma epopeia somente encontrada em livros. Uma heroína. Mas neste caso os livros foram todos queimados pela igreja. O conto acabara antes de se iniciar a jornada.
E era assim que eu me sentia. Quase como aquele personagem de jogos eletrônicos, só que eu não sou viciada em analgésicos. Sou viciada em coisas com o mesmo efeito, mas com nomes diferentes.
Seria tudo a mesma coisa?
Meu deus. Era uma exclamação coerente, não fosse a minha crença em tamanha ausência, inexistência.
Sinto as gentes se movendo em suas multidões, mas não me sinto parte integrante. Uma loner. Às vezes mais pra loser. Palavras estrangeiras que vem bem a calhar.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Debaixo do sol III

Acordei comigo. Sem nenhuma mensagem de nenhum amigo ou ente querido. Acordei sozinha, como já estava acostumada. O sol já havia se despedido além do horizonte quando sentei na cama para olhar através da janela. Se o sol já havia ido embora por que parece que ele ainda está fritando minha cabeça?
O velho sentimento cíclico que vai e vem, vem e vai. Fecho os olhos esfrego com força. Dormi demais. Perdi tempo. Acordei cansada. Desanimada. Só me resta escovar essa boca cheia de dentes retos, lavar esse corpo com dois braços duas pernas, uma cabeça e esse cabelo de incontáveis fragmentos capilares perfeitamente dispostos sobre meu couro cabeludo. Um corpo perfeitamente saudável, com tudo no lugar e funcionando, com uma pequena exceção talvez dos pulmões.
Porém um corpo aprisionado dentro de uma cabeça temporariamente paranoica. Um prédio com vários lares entre paredes e várias prisões diferentes, uma para cada lar. A cabeça inventa o que há de faltar. Como a falta é grande, ela inventa bastante coisa.
O banho de água fria se acabou tal como começou, de repente.
De repente eu faça um café e fique sentada esperando. Esperando o dia acabar.
É quase noite, o sol não deveria mais me incomodar.

Sombra sonora

O dia segundo. A segunda feira. Feira de que, afinal?
Meus olhos estavam cansados, mas eu não tinha sono.
Cheguei sozinha no meu apartamento efetuando uma inspeção silenciosa no meu lar entre quatro paredes. Uma parte da selva lá de fora, aqui dentro. Pendurar o jaleco, abandonar o all star branco e as meias brancas, meus pés estavam pedindo por ar. Crachá largado em cima da escrivaninha, aquele meu rosto sempre a encarar reto pra frente naquela foto minha.
Deitar, encarar o teto. Eram quase sete. O dia era meu, minha folga depois do plantão de domingo. Falsa sensação de posse.
O sono não viria, era certo. Já a sonoridade estava escolhida à dedo, segundo a minha necessidade.
Eram os primeiros "plins" misteriosos, um som quase submarino. Verde e submarino. Impossível não me imaginar entre seres outros em vastos planos de existência. Viajar em diferentes direções ao mesmo tempo, e tempos diferentes. Caminhar lentamente ao lado da evolução da humanidade desde tempos imemoriais.
Se ver com estranhos na rua onde olhares separados se encontram, talvez não por acaso.
Diferentes emoções a cada instante. Meus olhos fecham-se, mas eu sigo sem dormir, havia tomado café demais.
A paisagem agora é outra. Era como voar devagar junto de pássaros que nunca vi. A cabeça balançando levemente seguindo a batida do coração, leve.
Mas há um certo desconforto, uma certa dessintonia. É como encarar sua própria alma em um preciso diagnóstico atrás de alguma imperfeição e se deparar em um oceano negro, espesso. É um céu azul quase roxo, escuro. Gritos e lamentos. Os pássaros são agora agressivos, depressivos.
É como estar no meio de uma tempestade em um deserto alienígena, em uma praia na ventania mais forte. Só é possível ouvir o ruído do vento e das ondas se chocando em violência.
Eu sei que há um fim, já lá estive várias vezes. As areias começam a se assentar debaixo de um céu estrelado, surreal. Há uma luz vermelha piscante em uma torre no horizonte.
Sonoridade orgânica, quase um assobio ao longe. Órgãos adentro. Muito distante começa a ecoar até que só ele reste. Talvez para nos lembrar a própria natureza do que se é. As cordas iniciam sua vibração, uma jornada inteira até o infinito. Exatamente quando minha pele começa a estremecer. Me arrepio.
Sinto uma leve ardência no meu nariz, como quando os olhos querem lacrimejar por causa de um xampu ou sabão.
Cada nota, cada vibração me toca. Era um convite à uma reunião transcendente, uma oferta irrecusável.
Surgia por detrás do cenário uma explosão. Um conjunto improvável, um arranjo interestelar. Uma supernova. Orgasmo musical iminente.
Depois era como em uma transa, apenas se repousa com aquele cansaço bom, mente lenta em calmaria. As emoções vão ressoando e se distanciando aos poucos, enquanto ecoam as últimas promessas temporais terminando em um ruído levemente angustiante.

Adormeci ao final da música.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Baresia

Tá viajando Júlia?
De fato estava somente bebendo e observando. Absorvendo.
Absorvendo mais coisa do que gostaria ou deveria.
Viajava longe, pra evitar ter de estar ali com a minha plenitude desagradável.
Uma mesa de bar rodeada de amigos, conversas e fofocas. Bebida. Cigarro, só no lado de fora.
Fazia mais sentido no entanto, ir lá pra fora fumar sozinha, do que sentir a solidão ali no meio daquele monte de gente, daquela multidão. Amigos ou não.
Como era possível?
Mas era recorrente na cidade que não pára. No ronco cotidiano. Só que era mais fácil fingir certezas e felicidades, aparentemente.
Eu não podia simplesmente chegar em casa e sempre mentir pra mim mesma que está tudo bem. Tirar uma foto com flash para que minha maquiagem exibisse um brilho de felicidade que nem sempre ali estava. Que podemos esperar do mundo das aparências?
Agradeci o convite de bom grado. Só que não deveria ter aceitado assim tão rápido.
Pelo menos não precisei mendigar uma conversa, uma saída, bebida ou pitada. Como era costume acontecer nessas vidas agitadas. Implorar para que se aceite um convite, por menor que fosse. E eu não poderia nem reclamar talvez, pode ser só o universo atirando de volta toda a minha frieza.
Ainda preferia estar noutro lugar que não sei onde.
Vou lá fora fumar.
A falta de rodeios pôde até parecer rispidez, mas não era intencional, não dessa vez.
Me entrincheiro entre outra multidão, os outros do lado de fora. Em lugares não reservados, convites de última hora pensados.
No meu canto fico pensando cá com minhas fumaças, se não estava com medo da solidão. Ou era a loucura mensal, não permitindo a mim, mulher, escapar. O lembrete mensal de que eu deveria sofrer, sangrar e não morrer. Olhando assim até parecia mesmo um castigo divino. Uma ira de deus direcionada a quem ousasse querer ter uma vida sem tanto sofrimento. Afinal seríamos originárias do pecado original. Onde já se viu uma pessoa querer transar e ser feliz?
Percebi meus dentes quase mastigando o cigarro, tal era a acidez dos pensamentos.
Melhor raiva que tristeza. Pensei, na aspereza, em legítima defesa.
Estava começando a apreciar o frescor noturno, o segundo cigarro, quando percebi em uma mesa alguns bêbados voltarem sua atenção demasiada na minha direção. Até demorou.
Obriguei-me a apagar o cigarro na metade e escapar para dentro do bar.
Até ficaria caso tivesse bebido mais. Arrumar uma encrenca gratuita.
Mas nunca valia a pena. Não importava o tamanho da humilhação, os caras quase sempre pensavam que eu estava "dando mole".
Seria a coletividade o problema?
Sempre tive a impressão de que mesmo lá dentro, aqueles caras amigos meus, quando em bando, fariam a mesma coisa.
É uma agonia permanente.
Ter de escapar sabendo que um dia você falha, independente.
Alguma coisa acontece então. Eu não sei, também não faço questão. Que quando tu encontra um cara e fica um tempo com ele, se esquece de tudo isso. Uma cegueira como as outras.
Vale pensar sobre a sabedoria popular:
Antes só que mal acompanhada.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Seja você

Seja você quem for.
Pode sentir coisa mesma que eu? Pode ser que não.
Mas espero eu que sim.
Espero que possa sentir com toda sua alma, como nos tornamos deuses. Da mesma forma tornamo-nos demônios.
Espero que possa sentir o ruído incessante que, ao invés de incomodar, é calmante. É uma certeza breve que não se dá em palavras e por isso evita o conflito. Não deixa ninguém aflito.
Quero que possa sentir da mesma forma, como é o alívio da leveza, ainda que seja na duração de um estalo.
Que possa sorrir com a malícia alegre que nada tem de maldade ou de alegria, pois não é possível dar cabo da dualidade quando apenas se é.
Que a respiração seja leve. A intenção, iluminada.
Saiba que não bastando saber, o que basta é ter aquela certeza improvável, não argumentável, comumente inalcançável, exceto talvez por um momento brevíssimo, tal qual o instante que uma agulha atravessa uma pétala.
É importante também, que isto não se trata de convencer.
Não é um debate, salvo um debate consigo próprio.
Seja você quem for. Afinal, são tantas as máscaras cabíveis em um universo inteiro, difícil não se enganar e pensar que as máscaras são o que parecem ser, ao invés de serem apenas o que são: o universo e um só.
Seja você.

O frio do mês de Júlia

Não que seja coisa de uma mulher qualquer da cidade por ali entre os vinte e os trinta, ficar se debatendo em ideias inquietas, não que eu ligue. Assim quem pensa é a sociedade. Na verdade, sendo mulher ou não, não seria cabível a ninguém se perder em reflexões sobre o que quer que seja, que dirá do que não nos escapa à visão diariamente.
Me dá um prazer maior em justamente fazer isso sabendo que há uma contrariedade geral, justificada ou não.
Questiono a que devo minha vida, vivida com potência de ser em pouca parte do tempo, se da vida ou da morte, porque ambas as opções me parecem corretas uma vez que ambas me tocam no sentido prático. Presencio ambas dia a dia, algumas em níveis maiores outras em menores, e ainda assim tentam me convencer de que a morte sempre supera a vida, argumento supostamente fatual e verídico. Incontestável.
Viveria e vivo da morte de muitos, condenados a condições sub-humanas, produzindo larga escala de itens de necessidade altamente questionável, sem dar atenção ao próprio sub-consciente protestante em natureza e naturalmente submetido.
Viveria da vida, se para viver não precisasse de tanta destruição?
Parece que mais se vive da morte do que da vida.
É o pensamento que pareço chegar, quase acreditando naquilo que tanto tentam me convencer. Ainda sem dar o braço a torcer. Os outros que me dão o braço, para levar uma pontada de agulha, ao mesmo tempo que vai por água abaixo a tese de muitos que já passaram por essa situação, de que estão no governo de suas ações e emoções. Confiando seu braço à uma injeção de uma garota que às vezes só quer ficar bonita no uniforme.
Mas não é assim que falo de mim, acho que quase nunca falo o que penso.
O equilíbrio sadio de uma sociedade doente depende da hipocrisia dos que se dizem autores da transição do seu próprio pensamento em palavras, e da falsidade dos que dizem não dizer a verdade fingindo uma preocupação diferente.
E não sou eu quem vai perturbar esse equilíbrio.
Vive-se de espera.
Enquanto conta-se os dias para as férias, mas nunca os dias para o fim da própria vida.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Há do verbo haver

Há fazeres.
Pois há braço e há maço.
O maço é a paga, quando há preço. Há líquota.
Mas não há brigo onde há vanço.
Há vassalador, um sentimento no cerne da questão.
Para o bem ou para o mal. Um do outro, há trás.
As palavras, todas chaves, enferrujadas de tanto abrir portas que não dão em nada.
Há briu portanto a do sucesso.
Há titudes e há gitos.
Há dor, ei!
Ainda assim parece que há dorno. Há dorno de coração.
Se há dorno, há deus também? Afinal o vale de lágrimas é só pra bonito. Para ver e há clamar.
Há final e há finidade.
Há o que temer quando em Golir.
Há bandonada por deus, que não há.
Em Golir há saltos. Não há vanço e não há brigo. Há traso.
Há tenção.
Já deixo prévio há viso.
Há guardo.
Há versão.
Sobre os fatos.
Contra quais não há argumentos.
Houve e há cidente.
Há sistência para os feridos? Há paratos médicos?
Apenas há deus. Ilusão tão há mada.
Caos da saúde pública.
Muito que há braçar. Houvera esperança?
Talvez depois de há çar.
Um há bate, de um há nimal, no final do ano há fim de tentar consertar tanto tempo sem estar nem aí pra nada.
Fingir que há mar num deserto de tristezas há temporais.
Há o moço. Ou janta? Há demais, diferença faz?
Há sombração.
Nos tempos medonhos há diante.
Há sim como há trás.

Post script

Constrói-me inteiro, para depois desmontar. Meu ego.
Resisto o quanto posso, mas na verdade não quero.
Uma coleção de retratos perfeitos, foi o que eu encontrei. De peças que não podem durar.
Preciosas demais. Do passado e do futuro.
O tempo passa muito rápido. Quando os quatro braços se fazem entrelaçar. Quando as duas bocas de falar, de tanto falar se tocam em silenciosa apreciação. Vejo um reflexo verde, vejo o que os seus olhos querem mostrar.
Há preço?
Não se pode comprar o que há de mais precioso. Se há preço, a moeda é outra. Alguma que desconheço. Se encontrei, não foi por acaso.
Ainda assim é a única coisa que preciso.
Um abrigo à prova de tempestades, embora acima delas haja sol.
Uma dama fantasia.
Uma miragem revelada verdadeira.
Alguém que jamais quero aprisionar.
Uma troca de olhares, não por acaso, um olhar elevado.
Me faz esquecer tudo menos o mais importante. Me doo de bom grado e me doo por inteiro. Pouco me importa eu, mas sim me importa você.
Uma exclamação que se quer exaltar.
O sorriso e a lágrima, ambos sinceros. E como é bom chorar de felicidade.
De potência de ser.
E estremecer alegremente ao som de duas palavras adocicadas com olhar esverdeado. Te gosto.
A garota mais linda.

domingo, 1 de janeiro de 2017

Primeiro de Janeiro

Como conviver com a existência do tempo?
Ocorre de amarrar-se aos momentos bons, esperando segurar-se a uma âncora; mas tendo nas mãos uma pipa.