Por sobre o muro,
passa uma espiada envolta num disfarce que não a cobre totalmente:
aquela pessoa me despreza, bastando, para isso, os poucos motivos que
a dei. Não conhece meu nome, não sabe onde vivo, se vivo, não sabe
do que gosto nem do que ouço; me viu, e isso bastou.
Não me é
novidade. O cara vê a pessoa transformar a expressão num momento e
seguir adiante andando, como se tudo não tivesse acontecido. Senti
saudade disso, fazia mais de ano que não me deparava com isso, que
antes era tão comum. Atribuo esse tratamento, numa percepção
provavelmente grosseira, supostamente baseada no que sei, a minha
aparência que volta a ser ofensiva para alguns, esses que agem do
jeito que acabei de contar.
Quando cortei os
cabelos, me surpreendia quando esperava ser olhado com desgosto por
pessoas na rua e elas simplesmente não o faziam. Eu não fazia,
então, parte de nenhuma minoria enviesada, estava tudo bem para
eles.
Hoje pela manhã,
caminhando contente por uma calçada, encontrei de novo este velho
conhecido, aquele olhar neutro se transformando num esgar levemente
indignado com alguém que se apresenta por aí de maneira tão
ofensiva. Percebi isso e fiquei feliz, matei um pouco a saudade dessa
sensação. Segui pensando na importância desse momento, dessa
provocação cotidiana, sobre o que significa, num momento e num
local onde as pessoas simplesmente não conseguem suportar ser
ofendidas pelo que as outras falam, onde um comentário pode
facilmente eclodir em um processo, onde as pessoas caçam e pretendem
destruir, calar, suspender, invalidar, reprimir opiniões contrárias
as suas crenças, bem, me sinto feliz por poder ofender as pessoas
visualmente sem fazer esforço algum para isso. Me recolho na
confortável posição de ser assim e nada mais, andando desgrenhado
por onde quer que as calçadas me permitam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário