Agora que dei um recado a uma amigo,
não tenho mais o que dizer. Mentira, tenho sim, só que ainda não
sei o que é, e a forma de extrair as ideias, não, não são ideias,
seriam, sei lá, pensamentos, sensações, percepções, tudo menos
algo que se saiba nomear, enfim, a forma de extrair essas coisas que
se diz num texto, ela ainda não é um processo documentado, como uma
receita de bolo ou um manual de operação do seu amigão de
plástico. Não. É algo como voar, existe todo um jeitinho para
isso. Tu pega o papel em branco, ou a tela, ou o quadro negro, enfim,
o que raios tu for usar pra escrever, tu encara aquele troço ali,
sem coisa alguma, e não olha nele, tu não pensa nele, tu só faz com
que ele deixe de estar em branco e, quando vê, tá ali, alguma coisa
escrita, sabe-se lá o que queira dizer, na verdade tudo que a gente
queria dizer era algo que explicasse o que a gente não consegue
dizer, que vem a ser muita coisa, a imensa maioria, e como bom mesmo
é ser minoria, a gente finge que sabe do que tá falando num
charlatanismo mútuo: eu finjo que demonstro, tu finge que percebe.
Conoto, discorro. De tudo um pouco; tudo menos algo que saiba se
explicar. Quem faz o manual de instruções da máquina de lavar
roupa, de lavar prego, qualquer máquina, que eu saiba não é ela
mesma. E quem é esse cara que diz como se deve usar alguma coisa, se
ele nem sabe usar a cabeça, a mão ou a orelha pra dizer o que ele
pensa, que não vem nem a ser pensamento, porque o que ele pensa ele
até entende, agora essa coisa que sai quando o cara resolve se
expressar, o que é isso?, expressão?, isso eu não sei, nem ele,
mas ele escreveu um manual, pelo menos não se atreveu a falar de si,
e eu, de que ouso falar aqui, ah, Joe, é só sobre o tempo, que tá
uma chuvinha boa demais, adoro essa época, o tempo passa e a chuva
também, mas explicação, essa não vem, e nem precisa. Eu devia ter
anotado o telefone do doutor.
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