Caí num poço por
toda uma vida. Caio enquanto tento compreender as paredes tão
distantes, que passam sem se mover, sem se deixar nada a mim. Mas oh,
repentinamente as encontro, a brisa que quase nunca interveio me
joga, lentamente, de um lado ao outro. Caio sem ruído e dou de cara
na pedra fria das paredes de um poço que não sei quando acaba.
Minha face se esfacela lentamente, meus cabelos vão caindo; aqui jaz
um fio branco.
Passaram-se
estações, uma após outra; as paredes mudaram sem minha
intervenção, sem pedir opinião. Deixei de minha pele uma trilha,
partes de mim que virarão poeira antes do resto, enquanto vou me
raspando incontrolavelmente neste túnel inexplicável.
Penso em como
seria ter a opção de voltar. Nadar até a superfície, descobrir
como foi que caí aqui, neste mundo feito de nós desatados.
Chovesse.
Se houvesse água neste poço e eu soubesse nadar, quem sabe
não
há
água
nem
deus
Quem sabe; eu poderia subir, sim, se este não fosse um buraco vazio
que alguém cavou sem motivo, se é que alguém cavou, se é que
poderia haver motivo para alguém que cava sem saber, buracos e
trincheiras, pátios e patíbulos, uma guilhotina sem fio barbeando
a esperança de uma mente que pensa, quem sabe se eu aprender a
nadar, se aprender a matar, quem sabe se eu aprender a voar, quem sabe se ele, ele quem,
não sei, se ele o que, se ele atirar uma corda e me puxar de volta,
pra cima, sim, pra cima, o que tu faria então, não sei, então o
que queres de lá, saber como vim parar aqui, mas não parei,
continuo caindo sem saber onde, como saberia se não estou em lugar
algum enquanto caio, sim, Joe, eu caio e como sei, porque debaixo de
meus pés nada há, nem botinas, nem salvação, nem tesouro, nem
miséria, só um destino de cair onde não sei se pararei, dando de
cara no caminho, devagar, ralando o nariz, perdendo a face, perdendo
o sorriso, empurrado por uma brisa que não sei de onde vem, ou será
uma mão, mas de quem, de deus, que deus, não tem, não tem mão nem
deus nem nada me levando para baixo, se é que vou para baixo, agora
me ocorre, nada há sob meus pés, e porque haveria, e não sei se
não caio de cabeça, a verdade, existe, não, mas a vejo, ora nem saber eu sei,
só acho que não saberia dizer se caio de pernas para o ar ou para o
chão
ah, Joe, sinto nos poucos cabelos que me restam, sim, sinto algo
tocar de leve minha cabeça, estou sentado de pernas estendidas,
escorado num pequeno muro de pedra, o sol não brilha, eu não
brilho, venta pouco um vento bom, é tarde mas há tempo, nuvens
cinzentas esbravejam: é chegada a hora de levantar. Ergo a cabeça e
encaro a jovem que sorri me perguntando onde estive, em que pensava.
Eu jamais saberia responder.
chove
(Sobre nós dois e o mundo, sobre todos nós um pouco de chuva deve cair)
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