segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Por acaso

Não por coincidência, Peixoto deu a Adolfo seu próprio nome. Seria divertido: pintar um pintor com seu nome, um velhote como ele sabia que um dia seria. Quem sabe uma espiada no futuro, uma brincadeira com o que havia por vir, coisa de artista.
Pensou que, se continuasse pintando até alcançar a idade do Adolfo do quadro, precisaria de umas paredes bem enormes e o velho chalé não serviria mais; pelo menos não sem alguma reforma.
Tentou fugir do excesso de pretensões, pintou Adolfo como sentia que deveria e pronto. Era um pintor, portanto pintava. Não por acaso, gostou do resultado. Pendurou o quadro no quartinho onde ninguém dormia, contente, e saiu. No final de semana foi a um festival de rock and roll; divertiu-se. Ficou alguns dias sem pintar e na terça-feira seguinte, pela manhã, bem cedinho, resolveu dar mais uma olhada nas suas obras. A primeira delas era a mais antiga, já fazia dois anos que a pintara; o primeiro quadro do qual havia realmente gostado, o seu preferido; uma moça bonita que parecia não olha-lo diretamente, como se estivesse preocupada em não se distrair com alguma coisa. Tentou acompanhar o olhar dela, ver o que ela via, sabia que daria em nada e viu, do outro lado do quarto, Adolfo segurando o pincel, mirando Sofia. Olhou de um para outro, deu um passo atrás, e soube que não havia sido uma coincidência. Enciumado, saiu dali e foi até a padaria. Na volta, passou no mercadinho da esquina e comprou uma garrafa de conhaque barato, onde, até onde sabia, um dia se afogaria.

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