quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Os Dois Minutos de Ódio


O tempo é relativo: o dia tem 24 horas e mais de mil telejornais. Não me interessa como se escreve telejornal. Não me interessa. O tempo é uma farsa e o telejornal prevê o tempo. O tempo todo, prevê o ódio.
Prevejo um tempo em que não seja possível deixar de odiar, o que eu preferiria evitar. Somos rivais dos vizinhos, prega o comentário. Eles são diferentes, nós somos iguais. O joio e o trigo só queriam se enturmar, mas alguém pregou que isso não era permitido. Permitido mesmo é proibir.
O telejornal ficou pequeno e hoje é só mais um dos muitos veículos que servem para nos impulsionar. Há tempos que não ando por algum lugar em que consiga ficar muito tempo sem ver uma tela. As telas pulsam, pulsam os pulsos dos ouvintes que queimam lentamente em ódio. Dois minutos por hora, noventa batidas por minuto; e as doses aumentam. O telejornal e as outras telas concordam sem dizer que sim; contam histórias que só diferem no necessário. Por todo o lado, as telas nos cercam – estão entre nós; evitam que cheguemos uns aos outros, criando distâncias que não podemos saltar pelo peso do ódio com que nos carregam.
Entre as torcidas, uma grade suficientemente frágil isola as vontades de cada lado. Ela os conta que devem estar separados daqueles outros, aqueles de lá, que são adversários. E cada lado aprende essa lição em silêncio, queimando dois minutos por vez até estourar em ódio. Quando arrancam a grade de seu caminho, a motivação é destrutiva: em vez de unirem-se aos que diferiam, querem aniquilá-los, torná-los nulos e conseguir a unidade – mas não através da união. Foi assim que aprenderam: temer o distinto, odiar o que se teme, destruir o que se odeia. Sobre aprender, aprenderam muito pouco.
Bruxos e necromantes fazem parte da ficção. Rogam pragas, sugam almas, drenam vidas. Criaturas fantasiosas capazes de espalhar o mal entre as pessoas. Telas e telejornais não são fictícios, estão aí piscando de maneira odiosa, uma vez a cada dois minutos. Estão aí, mobilizando-nos uns contra os outros, criando facções extremistas em cada assunto que julguem que não deva ser ponderado racionalmente. Aqueles, os do lado de lá, dizem, eles estão errados, inimigos da verdade que são, e devem ser calados. Gritem, meus aliados, gritem alto para que os gritos dos outros não se ouçam, e se não for possível deixar de ouvi-los, calem-nos a pontapés, tudo será justificado pela veracidade da nossa causa.
As telas e os telejornais agem de uma forma que me faz odiá-los ardentemente; paro por dois minutos e percebo a armadilha. Recuo, me livrando do ódio, até uma posição que me permita tentar entender. Dois minutos depois, serei odiado por minha omissão, percebendo que a grade que separa os dois lados, entre os quais decidi escolher nenhum, ela é uma grade e não um muro exatamente para que eu não possa ficar sobre ela. Porque odiar é preciso.

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