O tempo é
relativo: o dia tem 24 horas e mais de mil telejornais. Não me
interessa como se escreve telejornal. Não me interessa. O tempo é
uma farsa e o telejornal prevê o tempo. O tempo todo, prevê o ódio.
Prevejo um tempo
em que não seja possível deixar de odiar, o que eu preferiria
evitar. Somos rivais dos vizinhos, prega o comentário. Eles são
diferentes, nós somos iguais. O joio e o trigo só queriam se
enturmar, mas alguém pregou que isso não era permitido. Permitido
mesmo é proibir.
O telejornal ficou
pequeno e hoje é só mais um dos muitos veículos que servem para
nos impulsionar. Há tempos que não ando por algum lugar em que
consiga ficar muito tempo sem ver uma tela. As telas pulsam, pulsam
os pulsos dos ouvintes que queimam lentamente em ódio. Dois minutos
por hora, noventa batidas por minuto; e as doses aumentam. O
telejornal e as outras telas concordam sem dizer que sim; contam
histórias que só diferem no necessário. Por todo o lado, as telas
nos cercam – estão entre nós; evitam que cheguemos uns aos
outros, criando distâncias que não podemos saltar pelo peso do
ódio com que nos carregam.
Entre as torcidas,
uma grade suficientemente frágil isola as vontades de cada lado. Ela
os conta que devem estar separados daqueles outros, aqueles de lá,
que são adversários. E cada lado aprende essa lição em silêncio,
queimando dois minutos por vez até estourar em ódio. Quando
arrancam a grade de seu caminho, a motivação é destrutiva: em vez
de unirem-se aos que diferiam, querem aniquilá-los, torná-los nulos
e conseguir a unidade – mas não através da união. Foi assim que
aprenderam: temer o distinto, odiar o que se teme, destruir o que se
odeia. Sobre aprender, aprenderam muito pouco.
Bruxos e
necromantes fazem parte da ficção. Rogam pragas, sugam almas,
drenam vidas. Criaturas fantasiosas capazes de espalhar o mal
entre as pessoas. Telas e telejornais não são fictícios, estão aí
piscando de maneira odiosa, uma vez a cada dois minutos. Estão aí,
mobilizando-nos uns contra os outros, criando facções extremistas
em cada assunto que julguem que não deva ser ponderado
racionalmente. Aqueles, os do lado de lá,
dizem, eles estão errados, inimigos da verdade que são, e
devem ser calados. Gritem, meus aliados, gritem alto para que os
gritos dos outros não se ouçam, e se não for possível deixar de
ouvi-los, calem-nos a pontapés, tudo será justificado pela veracidade da nossa
causa.
As
telas e os telejornais agem de uma forma que me faz odiá-los
ardentemente; paro por dois minutos e percebo a armadilha. Recuo, me
livrando do ódio, até uma posição que me permita tentar entender.
Dois minutos depois, serei odiado por minha omissão, percebendo que
a grade que separa os dois lados, entre os quais decidi escolher nenhum, ela é uma
grade e não um muro exatamente para que eu não possa ficar sobre
ela. Porque odiar é preciso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário