sábado, 21 de janeiro de 2017

Sótão

    Entre as coisas velhas, algumas guardadas em caixas há tantos anos, outras empilhadas em estantes; livros, tubos de tinta, blocos de papel, uma tesoura de jardinagem, infinitas forminhas velhas de fazer pão e biscoitos; um infinito oceano de solidão escorrendo no espaço vazio entre elas e ele.
    Na sala onde pendurava suas pinturas, Adolfo entrava em uma ilha, onde as ondas escuras não o alcançavam, e quase nada mais importava.
    A casa, um dia nova, ficou antiga, virou um antro de memórias, e outro dia teve que sair dali, carregado por forças incontestáveis. Mas sua própria velhice o acompanhou até a nova morada. Sentia, de vez em quando, um certo desconforto, piscava profundamente os olhos, desacostumado às luzes de seu novo lar.
    Encontrou um lugar especial para seu quadro próprio preferido, a moça do olhar indiferente, assim o chamaria se não soubesse dela o nome, e os minutos em que se punha a observá-la aumentavam dia-a-dia.
    A mudança foi boa; havia mais espaço, um lugar melhor para criar, compor, pintar, desesperar-se nos momentos onde não soubesse o que faria da vida a seguir. Nada muito difícil de deixar passar, essa sensação. Todas as coisas deveriam passar, de qualquer forma. E ele, como criatura humana que era, possuía uma capacidade limitada de estender-se mentalmente além dos limites aos quais já estava habituado, retraindo-se de arrependimento quando se esforçava demais para isso.
    Viveria feliz o resto dos seus dias, provavelmente. Tinha tudo do que precisava.
    Mas era difícil dormir, ali. Pois as luzes da galeria raramente se apagavam.

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