terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Sombra sonora

O dia segundo. A segunda feira. Feira de que, afinal?
Meus olhos estavam cansados, mas eu não tinha sono.
Cheguei sozinha no meu apartamento efetuando uma inspeção silenciosa no meu lar entre quatro paredes. Uma parte da selva lá de fora, aqui dentro. Pendurar o jaleco, abandonar o all star branco e as meias brancas, meus pés estavam pedindo por ar. Crachá largado em cima da escrivaninha, aquele meu rosto sempre a encarar reto pra frente naquela foto minha.
Deitar, encarar o teto. Eram quase sete. O dia era meu, minha folga depois do plantão de domingo. Falsa sensação de posse.
O sono não viria, era certo. Já a sonoridade estava escolhida à dedo, segundo a minha necessidade.
Eram os primeiros "plins" misteriosos, um som quase submarino. Verde e submarino. Impossível não me imaginar entre seres outros em vastos planos de existência. Viajar em diferentes direções ao mesmo tempo, e tempos diferentes. Caminhar lentamente ao lado da evolução da humanidade desde tempos imemoriais.
Se ver com estranhos na rua onde olhares separados se encontram, talvez não por acaso.
Diferentes emoções a cada instante. Meus olhos fecham-se, mas eu sigo sem dormir, havia tomado café demais.
A paisagem agora é outra. Era como voar devagar junto de pássaros que nunca vi. A cabeça balançando levemente seguindo a batida do coração, leve.
Mas há um certo desconforto, uma certa dessintonia. É como encarar sua própria alma em um preciso diagnóstico atrás de alguma imperfeição e se deparar em um oceano negro, espesso. É um céu azul quase roxo, escuro. Gritos e lamentos. Os pássaros são agora agressivos, depressivos.
É como estar no meio de uma tempestade em um deserto alienígena, em uma praia na ventania mais forte. Só é possível ouvir o ruído do vento e das ondas se chocando em violência.
Eu sei que há um fim, já lá estive várias vezes. As areias começam a se assentar debaixo de um céu estrelado, surreal. Há uma luz vermelha piscante em uma torre no horizonte.
Sonoridade orgânica, quase um assobio ao longe. Órgãos adentro. Muito distante começa a ecoar até que só ele reste. Talvez para nos lembrar a própria natureza do que se é. As cordas iniciam sua vibração, uma jornada inteira até o infinito. Exatamente quando minha pele começa a estremecer. Me arrepio.
Sinto uma leve ardência no meu nariz, como quando os olhos querem lacrimejar por causa de um xampu ou sabão.
Cada nota, cada vibração me toca. Era um convite à uma reunião transcendente, uma oferta irrecusável.
Surgia por detrás do cenário uma explosão. Um conjunto improvável, um arranjo interestelar. Uma supernova. Orgasmo musical iminente.
Depois era como em uma transa, apenas se repousa com aquele cansaço bom, mente lenta em calmaria. As emoções vão ressoando e se distanciando aos poucos, enquanto ecoam as últimas promessas temporais terminando em um ruído levemente angustiante.

Adormeci ao final da música.

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