segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Baresia

Tá viajando Júlia?
De fato estava somente bebendo e observando. Absorvendo.
Absorvendo mais coisa do que gostaria ou deveria.
Viajava longe, pra evitar ter de estar ali com a minha plenitude desagradável.
Uma mesa de bar rodeada de amigos, conversas e fofocas. Bebida. Cigarro, só no lado de fora.
Fazia mais sentido no entanto, ir lá pra fora fumar sozinha, do que sentir a solidão ali no meio daquele monte de gente, daquela multidão. Amigos ou não.
Como era possível?
Mas era recorrente na cidade que não pára. No ronco cotidiano. Só que era mais fácil fingir certezas e felicidades, aparentemente.
Eu não podia simplesmente chegar em casa e sempre mentir pra mim mesma que está tudo bem. Tirar uma foto com flash para que minha maquiagem exibisse um brilho de felicidade que nem sempre ali estava. Que podemos esperar do mundo das aparências?
Agradeci o convite de bom grado. Só que não deveria ter aceitado assim tão rápido.
Pelo menos não precisei mendigar uma conversa, uma saída, bebida ou pitada. Como era costume acontecer nessas vidas agitadas. Implorar para que se aceite um convite, por menor que fosse. E eu não poderia nem reclamar talvez, pode ser só o universo atirando de volta toda a minha frieza.
Ainda preferia estar noutro lugar que não sei onde.
Vou lá fora fumar.
A falta de rodeios pôde até parecer rispidez, mas não era intencional, não dessa vez.
Me entrincheiro entre outra multidão, os outros do lado de fora. Em lugares não reservados, convites de última hora pensados.
No meu canto fico pensando cá com minhas fumaças, se não estava com medo da solidão. Ou era a loucura mensal, não permitindo a mim, mulher, escapar. O lembrete mensal de que eu deveria sofrer, sangrar e não morrer. Olhando assim até parecia mesmo um castigo divino. Uma ira de deus direcionada a quem ousasse querer ter uma vida sem tanto sofrimento. Afinal seríamos originárias do pecado original. Onde já se viu uma pessoa querer transar e ser feliz?
Percebi meus dentes quase mastigando o cigarro, tal era a acidez dos pensamentos.
Melhor raiva que tristeza. Pensei, na aspereza, em legítima defesa.
Estava começando a apreciar o frescor noturno, o segundo cigarro, quando percebi em uma mesa alguns bêbados voltarem sua atenção demasiada na minha direção. Até demorou.
Obriguei-me a apagar o cigarro na metade e escapar para dentro do bar.
Até ficaria caso tivesse bebido mais. Arrumar uma encrenca gratuita.
Mas nunca valia a pena. Não importava o tamanho da humilhação, os caras quase sempre pensavam que eu estava "dando mole".
Seria a coletividade o problema?
Sempre tive a impressão de que mesmo lá dentro, aqueles caras amigos meus, quando em bando, fariam a mesma coisa.
É uma agonia permanente.
Ter de escapar sabendo que um dia você falha, independente.
Alguma coisa acontece então. Eu não sei, também não faço questão. Que quando tu encontra um cara e fica um tempo com ele, se esquece de tudo isso. Uma cegueira como as outras.
Vale pensar sobre a sabedoria popular:
Antes só que mal acompanhada.

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