quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

 

Como não havia quem cuidasse das feridas das tropas, esse fardo obviamente caiu sobre mim. Encontrar o caminho seguro pela floresta, espreitar durante a noite para manter os inimigos longe - ou perto, conforme a conveniência. Até mesmo acalmar os homens de ânimos exaltados, quando a comida era pouca e as noites eram frias. Tudo que ninguém soubesse fazer sobrava para mim.

É o pagamento por querer liderar seu próprio bando, você poderia me dizer. Não estaria errado, claro. Mas a palavra querer talvez não seja a mais exata. Fui jogado nesta vida aventureira por uma catastrófica enxurrada, que praticamente destruiu minha vila natal. Foi quando descobri que meu lugar era aqui fora, onde as coisas podem mudar pela ação humana, e parti, sem um destino traçado.

Éramos poucos, meus companheiros ainda mais inexperientes do que eu. Procurávamos trabalho, aceitando qualquer coisa. Mas muitos se negaram a nos confiar qualquer ordem, diziam que não seríamos bons o bastante, numerosos o bastante.

Nessa terra rasgada pela guerra, brotam e se espalham os piores tipos de malfeitores. Aí nós encontramos a oportunidade de que precisávamos. Trabalho honesto, árduo e perigoso. Pois para cada saqueador acorrentado, outros tantos surgiam correndo atrás das caravanas, infernizando os pobres aldeões que tentam vender, na cidade, o fruto de seu suor e cumprir com suas obrigações. Sim, eles me lembram de casa, da minha velha família. E por isso eu luto com mais gana.

Mas se engana quem pensa que é só por isso que luto. Pois não há algo como cavalgar um cavalo bem treinado, vestir um colete quente e reforçado, batalhar em um torneio enquanto gritam seu nome na multidão. Sim, eu sei aproveitar as boas coisas da vida. E é também por isso que eu luto.

Hoje, está conosco uma moça que cuida dos prisioneiros; contratei um senhor que entende de geografia e sabe até ler mapas. Um capitão organiza nossa parede de escudos e já tenho o dinheiro separado para contratar um cirurgião de verdade. Cansei de costurar o couro dos homens, inclusive o meu próprio.

Me recordo que antigamente eu não sabia sequer o que falar antes de uma batalha. Apenas rangia os dentes e apertava o arco ou a lança até os dedos ficarem roxos. Por isso, a cada vez que me pego entretendo os vigias em torno da fogueira ou ouço a minha própria voz berrando aos homens o que fazer, conduzindo-os a mais uma vitória, percebo que finalmente entendi que o destino é uma besteira e que eu sei muito bem como abrir o meu caminho.

E onde os ventos estiverem espalhando o cheiro de medo e de morte, de glória e lucro, lá estarei eu, com meu estandarte tremulando.



por Joca Pastoril, senhor apenas de si, buscando seu lugar em um velho mundo

 

 


 


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