segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Ponta de agulha

O tempo se passou e a canção acabou.
Eu pensei que tinha algo mais a dizer.
Ei! Tem alguém aí pra me ver chorar? Não vêem que eu estou morrendo!?
Essa era a beleza melancólica de um hospital.
Todos os outros problemas das pessoas diminuem, e num piscar de olhos percebemos o quanto se briga só por causa de besteiras. Mas não adianta querer ser santo na hora da morte.
Depois da gritaria pediram pra mim e pra Aline sedar aquele senhor. Vi a expressão de seus olhos amolecerem e lentamente ele começar a "dormir". Vi que ela me olhava com uma expressão meio assustada. Só mexi os lábios esboçando aquele clássico meio-sorriso rápido de consolo fajuto e sem mostrar os dentes.
Era um recado silencioso àqueles que juravam de pés juntos terem controle sobre toda a sua vida. Sobre não confiarem em ninguém. Sobre serem independentes. Nunca serão. Pensei eu enquanto esvaziava a seringa do sedativo.
Desde pequena eu quis ser enfermeira. Acho que por não ter medo de agulha nem de sangue. Tinha mais medo de gente, normalmente. No hospital eu percebi o quão fácil era tirar a vida de alguém.
E me dei conta do quão esquisito é as pessoas não morrerem mais do que já morrem, uma vez que se briga por besteira e as brigas só aumentam. Quanto às besteiras, são pequenas, mas é o que mais tem.

Era só uma medicação para ajudar. Foi o que eu disse ao senhor.
Um velho de cara vermelha, provavelmente no fim dos seus dias.
Era normal as pessoas sentirem simpatia pelos velhos. Mas nunca se sabe o que eles fizeram em vida.
Podem ter sido as piores pessoas possíveis. Mas acho que não tem nada a ver. Sei lá.

Minha mãe diria que é absurdo alguém ter de morrer em uma cama de hospital com uma doença horrível, tendo passado a vida trabalhando duro. Ela diria que não era justo.
Essa discussão sempre me incomodou. Nunca pensei que justiça tivesse algo a ver.
Afinal, tem como se inserir em uma sociedade doente e exigir a sanidade no final?

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