quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Gosto adquirido

Não gosto que me vejam assim. Tenho vontade de procurar um gari e pedir sua máscara invisível, seu manto que bloqueia o espectro de luz visível a olho nu. Nua, é como me sinto. Frágil até. E detesto me sentir assim.
Espero que a solitária lágrima, provavelmente não a última, não tenha sido vista pelo pessoalzinho.
Acho que é por isso que deixei um pouco de lado aquele espírito juvenil de rebeldia que me tomava como possessão na adolescência e que agora é apenas um fantasma que me assombra de vez em quando. Tipo uma paralisia do sono. Acho que talvez o Rogério viu, ou a Aline. A Aline tudo bem, posso inventar qualquer coisa depois.
Como lidar com a sensação de genes se debatendo, genes meus que parecem ter saído do esgoto? Como lidar com a sensação de fazer parte da mesma sujeira que tanto torço o nariz para?
Talvez a resposta estivesse na solitária lágrima, o resumo de um breve momento de lucidez talvez. Sei que insensatez não foi. Aprendi que as lágrimas tendem a ser sinceras, e a sinceridade está no cerne da compreensão de um mundo aparentemente incompreensível.

Náusea. É como se eu tivesse 12 anos, tivesse que me ajoelhar na frente daquele homem de saia representando um ser invisível, também um homem, todo poderoso, sabido das coisas e pessoas do mundo. Dono delas aparentemente. Como quando eu tinha 14 anos e perguntei se deus tinha pinto, o início da rebeldia falida cegamente repreendida por aquelas velhas mal amadas.

Ainda assim, o problema era ter presenciado aquela cena. Ver um familiar, alguém que provavelmente em algum momento ficou responsável pela minha guarda quando eu não tinha condições nem de caminhar, falar coisas tão distantes da aparente conexão que tínhamos. E se eu fosse um deles?
Inevitável pensamento que me ocorreu no momento. Era o início de um sentimento já conhecido por mim mas há muito abandonado: O importar-se.
"Don't be afraid to care"
Disse a música quase que na sequência. Um lapso de compreensão que me direcionou à sensação de empatia por aquelas pessoas que só iriam sofrer. E que estão sofrendo.
A campanha de ódio da cidade em alerta havia funcionado bem. O sabor agridoce da sobremesa depois do jornal do almoço.
Tanto ele quanto eu, tínhamos ódio agora.

Se parece com os longos plantões que faço no hospital às vezes, bebendo café até perder o paladar. Mas o gosto adquirido sempre pedia por mais. O gene podre falando comigo.
Mas a minha preocupação verdadeira, era se eu realmente estava com medo de me importar.

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