quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Debaixo do Sol II

Eu não preciso de ninguém pra me dizer. Diz-se o que o outro deve fazer, nunca dizem a ele para fazer o que acha certo. Acho que não é sobre certo e errado.
O ônibus lotado de gentes. Já estou acostumada. Já uso menos maquiagem porque o sol tem o costume de me fazer quase derreter. Até o celular esquenta. Tento não encostar nas pessoas pra não grudar. Quando quero ouvir música tenho apenas um dos fones em um dos ouvidos, nunca se sabe quando vai ser o próximo assédio. O quando vai ser o momento de agir. Costume.
Vi aquele carteiro que parece o Geddy Lee passar perto da minha janela. Na minha frente tinha um cara com a camiseta do Messi. Que vontade de pedir um autógrafo, só pra quando ele virar fingir uma cara de surpresa ao ver que na verdade não é o Messi e sim mais uma pessoa normal, como eu, com a camiseta dele. Como se um jogador de futebol fosse diferente. É o que prega a sobremesa do jornal do almoço, antes do cafezinho. Dividir e conquistar. E não é nem nos conquistar como escravos, isso fazemos por nós mesmos, nos conquistam a atenção e a audiência, pra poder vender o tempo a um produto. Que depois compramos.
Entrou um daqueles caras, corrente de ouro, boné de aba reta. Me olhou com aquela cara de "quero te comer". Raiva. Vontade de colocar os dois fones. Me tele-fonar para outro lugar. Mas ainda era a primeira parada na Av. Ipiranga. Ainda era cedo, duas da tarde, o sol estava alto. Senti meu cabelo grudar na nuca e minha calça grudar na bunda. O pessoal nas ruas ainda abanava como se não se importassem.
O telefone vibrou. A tela da mensagem inesperada anunciando o meu estado de ânimo a seguir: Desânimo.
Desci na próxima parada. Compromisso desmarcado.
Não era esse o combinado. Aquela velha pontada de angústia na região do abdome.
Não deixe essas pessoas vazias interferirem nos seus pensamentos.
É só mais um dia que passa devagar, que custa a passar. A que custo?
Mais uma vez que fico tentando entender essa peça coletiva de faz-de-conta. Faz me rir.
Tirei o fone, guardei o celular na bolsa.
Vi uma barra de chocolate lá dentro. Não lembrava de ter comprado.
Normalmente chocolate era um alimento para a alma. Esse ali o Sol já havia dado cabo.
E eu sabia que o gosto ia ser ruim.

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