Aquela rua onde vendia as rosquinhas, uma ladeira seca de terra e vento, escorregadia e boa pra deslizar na descida, ela não existe mais. No lugar onde ficava hoje tem um asfalto duro escuro separando casas altas renovadas, de portões fechados e jardins cuidados por profissionais. A gurizada que pedalava a bici e empurrava de volta pra subir a lomba hoje tá cada um num carro, janela fechada, ouvindo notícia. Sobem e descem com o mesmo esforço, movimentos mecânicos. Na calçada ninguém mais brinca.
A rosquinha foi deixada pra lá, ou talvez virou empreendimento. Será que é um baita negócio, que começou do nada e hoje vende em tonelada?
Embaixo de todas essas ruas tem terra enterrada. Embaixo dessa cidade muita coisa aconteceu e a gente nem sabe, só pode imaginar, desconfiar. E agora tá tudo tapado, exceto por algumas frestas. Quando chove nem precisa muito, alaga facinho apesar das obras e vá valão. Mas falta espaço pra terra respirar, lixiviar. A chuva lava tudo mas o asfalto fica; sujo. O portão fecha automático e na calçada as crianças passam apressadas indo trabalhar, cabeça baixa, passo apertado, procurando não pensar no passado.
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