sexta-feira, 29 de junho de 2012

Margem II

No final de sua vida, Marta vivia na irremediável solidão de quem conhece sua própria ignorância.
Vira algo que nenhuma outra jamais viu; um dia, sem aviso, sem nenhuma explicação, uma força maior lhe arrancou todas as crenças que tinha e a levou para outra margem, para um lugar onde reaprendera a enxergar todo seu mundo.
Aos poucos, fez as pazes com antigas inimigas, mas resistiu ao ímpeto coletivo de condenar o outro lado. Já estivera lá. Sabia que as outras não eram necessariamente más, apenas crentes num ideal fervoroso. Sabia que os incontestáveis conceitos do que era certo e o que era errado, de ambas as margens, eram igualmente aceitáveis, igualmente falhos.
Por um tempo, tentou expôr tal visão a suas novas companheiras, mas não teve sucesso. Como sempre, diziam que estavam certas, que a prova de que aquilo em que acreditavam era verdadeiro estava bem ali, e que o outro lado é que deveria ceder, aceitar o que era evidente.
Desistiu e se desanimou, quando percebeu que a maioria cuidava mais de suas pétalas do que de suas raízes. Era assim que seriam até o final de seus dias.
Tempos depois de sua mudança, já murcha e cabisbaixa, falava pouco mas refletia muito. Parada à sombra de uma laranjeira, chegou a uma singela conclusão sobre o mistério do seu pequeno universo: Não importando suas ideias e teorias, o rio corria exatamente para onde deve ir; não para a direita ou para esquerda, mas para a frente.

3 comentários:

  1. O solitário não muda o curso de um rio, mas muitos, se unidos, podem mudá-lo...

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