terça-feira, 19 de junho de 2012

Inominável

O mundo já coube num copo de conhaque. Era curioso pensar nisso, conforme os anos iam passando; aquele senhor já fora um homem solitário, antes e depois de ter perdido a esposa.
Hoje, suas criações preenchiam um longo corredor, protegendo-o do vazio daquelas velhas paredes, daquele velho vazio.
Era, de certa forma, divertido notar como suas criaturas se imaginavam criadoras, criativas. Teciam e pintavam, cantarolavam sofrimentos e angústias, fofocavam entre si, sobre si, sobre sol maior e sol menor.
Havia se projetado em todas aquelas pinturas, cada uma delas fora um pouco dele, e agora era como se vivessem além dele mesmo. Talvez realmente o fizessem; a moça solitária, a senhora na cozinha, o velho pintor, tantos outros. Suspiravam emoldurados, envoltos num universo suficientemente incompleto e tranquilo, a ponto de poderem nele existir em paz consigo mesmos.
Peixoto os conhecia a todos, mas será que algum deles já teria concebido a ideia de sua existência?
A verdade é que ele tinha sido o primeiro a chegar, mas quase ninguém sabia disso; apenas o velho Jacob, e talvez mais um ou outro que já tenha passado por aquele corredor.
Depois que abrira a porta, com o estojo de tintas na mão, tudo começara a acontecer.

Um turbilhão de pensamentos sempre lhe atravancava as artes quando começava a trabalhar em sua obra mais recente.
Assim passaram-se as décadas, e ele não conseguia expressar seu auto retrato.
Cada pincelada encontrava uma imagem já alterada, e cada instante se revelava um infinito espaço de mudanças.
E hoje, com o copo de conhaque a seu lado, tentava mais uma vez se aprisionar em uma moldura.
Tentava se ver livre da dor de conhecer a si mesmo na verdade imutável da vida.

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