sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Obstáculos

Não há nada que separa o desejo da lembrança. Mas se trata de droga perigosa essa, mais que o cigarro, mais que a maconha, o álcool, até mesmo os prazeres sensoriais. É peça pregada.
Sonhei a noite passada que brincávamos de esconde-esconde pelas cascatas, éramos tão jovens. Éramos tão mais alegres, os pés sujos, as caras lavadas, pra pular a cerca do lugar onde não devíamos ter ido. Propriedade particular. Lembrança privada. Talvez sonho coletivo. Chegar em casa e levar um puxão de orelha do meu pai, nossos olhares se encontrando após, contendo o riso sapeca.
Acordei com uma vontade de repetir o feito, voltar no tempo uns dez, doze anos, pra antes da catequese obrigatória e o início das aflições. Trocar o uniforme por um biquíni, correr pelos campos de mãos dadas, fazer promessas idiotas de se casar no futuro, nutrindo um amor quase de verdade. Lembrei que nos esquecemos de fazer uma cápsula do tempo, enterrar debaixo de uma árvore pra desenterrar dez, doze anos depois. Melhor tentar conter a lágrima nostálgica. Nem mais deve estar em São Chico, nem mais deve existir cascata, deve estar em uma outra selva de pedra como eu, acordando de sonhos memoráveis com vontade de voltar atrás.
Mas não me olhe assim, guria. Tu sabe tão bem quanto eu, que a chance de eu estar certa é maior.
Igual, se rolasse algo, ia ser mais uma decepção ou então só mais uma aventura infrutífera de curta duração.
E ela já levantava me olhando com aquela cara alinesca de reprovação e indício do meu azedume já conhecido.
Queria ser como ela, no fim.
Queria ser uma boa amiga.

Nenhum comentário:

Postar um comentário