quarta-feira, 15 de abril de 2020

Em Gana

Teve aquele senhor, seu Carlos. Estava disposto a ir longe, muito além dos seus colegas, ou da sociedade no geral, e por tabela, muito além da própria razão também. Era paciente do Rogério. Haja paciência eu diria, eu tinha era raiva. Mas ele não é o único. Já me comovi com histórias de final de vida, de arrependimento por ter vivido em vão. É o que mais acontece.
Mas quando a vida é em vão, tudo o que resta é a ignorância. Como se fosse um porto seguro, desses de navios mesmo, que navegam no mar revolto das finanças internacionais. Uma eterna ilusão. Depois eles vêm aqui no hospital encher o saco, em busca de remédio. Quando preciso dar injeção na bunda eu meio que me divirto. É o troco.
Pega esse remédio e enfia no rabo
Pois é, literalmente, o que faço neles.
Às vezes eu queria que fosse aqueles hospitais de 1910 ou por aí. Pra poder fumar lá dentro. Soprar na cara de alguns.
Porque não foi procurar teu deus? Ou teu banco? Ou os empreendedores de palco?
Porque não foi atrás das certezas infalíveis, dos cinco passos para o sucesso?
Agora quer que os filhos tenham piedade, que não abandonem. Assim como fizera, por causa de dinheiro. Por causa da saúde da economia.
A vida inteira tratou tudo como números, como recurso. Espera ser tratado com humanidade.

Com o tempo enche o saco, sabe? A gente vê tanta coisa, tanta merda. E fede. E não é o ralo. É um pouco mais abaixo. Isso quando não se tem que aturar olhares nojentos. Mas acho que fico com o nojo do que com a raiva. As situações de raiva incomodam bem mais.
Dá vontade de agredir.
Dá vontade de ir embora também. Ir pro meu apartamento, entrar no chuveiro de roupa, tentar responder a velha pergunta.
Confesso que também tenho medo. Tempos estranhos esses.
Me recuso a ser uma tola.
Mesmo por vezes vivendo um engano.

Um comentário:

  1. "A vida inteira tratou tudo como números, como recurso. Espera ser tratado com humanidade." Sensacional.


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