quinta-feira, 16 de abril de 2020

Camelo

Queria poder dizer que trago boas novas. A ciência salvando os incrédulos.
Só o que trago é um cigarro; sopro de volta, um fio de fumaça para cada instante restante nessa pausa.
Quando chove, há poucas opções, pouco lugar pra fumar. Não vou muito longe.
Mas tem muita gente lá dentro que vai menos longe ainda.
Que desagradável seria saber quando é a última vez que se vai passar por uma porta.
Acho que por isso a esperança é algo tão valorizado em geral, mesmo que não adiante de nada.
Quem entra não se permite pensar que não vai sair. Até sai, mas às vezes não é por conta própria.
É engraçado, porque parece que todo mundo vem parar no hospital por uma fatalidade, um acaso pelo qual não se pode culpar.
Mas a maioria vem por causa das escolhas que fez, e fez porque quis, achando que não ia dar em nada. Nunca dá em nada, é só com os outros. Até porque é muito fácil tomar uma decisão sem saber quais serão as consequências. Não é como decidir qual paciente vai poder respirar e qual vai ter que morrer em agonia.
Isso a gente decide. Depois de todas as cagadas, alguém tem que arcar. Família, escola, governo, saúde pública.
Trago.
Restam alguns segundos.
Fico olhando eles passar, tentando esticá-los.
Passou.

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