quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O Jardineiro


Seu Atalíbio não era habilidoso quando começou no ofício, mas como fazia por hobby não havia problema. Ele voltava da firma e ia cuidar do jardim da casa. Ele queria mudar de profissão, e lidar com as plantas era algo interessante pra ele no momento. Seu Atalíbio começou a pedir para fazer serviço na casa dos outros, de graça, pra ir aprendendo. Depois de um tempo, ele foi em uma floricultura que fazia jardinagem e pediu se podia trabalhar nos sábados com eles, para aprender. O dono da floricultura topou, e logo viu naquele senhor magrinho um colaborador interessante. Quando julgou que ele estivesse pronto, fez a proposta. Seu Atalíbio prontamente aceitou. Pediu as contas na firma, depois de 17 anos. Nem fez acordo, para alívio do antigo patrão. Não queria dinheiro.

A floricultura que empregou seu Atalíbio prestava serviços fixos de jardinagem em várias casas. Entre elas, a mansão do seu Gomes. Sujeito de posses, tinha uma empresa que lidava com importação e exportação, e os negócios iam muito bem pro seu Gomes. Acabaram se conhecendo e até ficaram amigos. Seu Gomes falava muito do filho dele, que era um guri inteligente, ambicioso, que ia assumir o negócio e tal. Seu Atalíbio disse que gostaria de conhecer o garoto. Tem pai que é cego. O guri era um poço de si mesmo, e trazia na cara um riso debochado. Debaixo da asa poderosa do pai, ele podia tudo.

Mas até que se acertaram os dois, e o velho jardineiro até ganhou a confiança do guri. O rapaz vinha contar das suas noitadas, de quantas ele comia, de que jeito. E falava do que mais gostava, os rachas. Adorava falar das suas performances com seu Audi, de como era louco aquilo e tudo mais.

Um dia seu Atalíbio, ouvindo aquela ladainha do rapaz, virou para ele e desferiu, com a tesoura, sete golpes ao todo. Dois no rosto, um no pescoço e os demais no tórax. Dizem os legistas que ele não atingiu nenhum órgão vital, mas a hemorragia no pescoço fora fatal para o jovem. Ele tinha 23 anos.

Seu Atalíbio foi preso sem resistência, foi réu confesso. Foi quase linchado pelos demais presentes na cena. Quando indagado pelo delegado dos seus motivos, seu Atalíbio disse as seguintes palavras: "Seu policial, o senhor lembra de um caso há quatro anos atrás, quando uma mulher e um rapaz foram mortos em um acidente causado por um jovem que apostava uma corrida? Eram minha velha e meu único filho. O rapaz que matou os dois foi liberado por fiança, e o julgamento segue rolando até hoje, E não vai dar em nada, porque o pai dele, o seu Gomes, paga os melhores advogados, e se precisar compra o juiz pra livrar o rabo do guri. Eu não tenho dinheiro, eu vou ser preso. Mas eu sei o que eu fiz, e o fiz porque eu quis. Queria que esse homem sentisse o mesmo que eu. Não tem dinheiro nesse mundo que possa trazer o guri dele de volta. E pra mim tanto faz ser preso ou não, eu já me sinto morto mesmo. Só que eu prefiro apodrecer no xilindró do que ficar o resto da minha vida com esse desaforo preso na garganta."

Seu Atalíbio foi condenado por homicídio qualificado.

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