quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Quando a sala do palácio se esvazia - Parte II

Continuação de Quando a sala do palácio se esvazia - Parte I

A briza que entrava pela janela do quarto do palácio de Hadd' Alid, naquele momento apenas fazia as minúsculas gotas de suor daquela meio-elfa se acentuarem no seu rosto... Após ouvir os passos em direção do quarto, rapidamente se escondeu debaixo da cama da filha de Alid.
Ouviu os passos passarem em frente ao quarto e se distanciarem. Foi quando sentiu um estranho arrepio, seguido de um cheiro forte como se tivesse algo apodrecendo no quarto naquele momento. Lentamente ela se esgueirou para o lado da cama e se pôs em pé, sem o menor ruído.

Seu coração batia forte e ela suava cada vez mais, uma reação estranha pois sempre conseguia se manter fria diante de qualquer tensão, inclusive esgueirar-se num palácio repleto de guardas. Ela olhava em volta no quarto e nada enxergava, aquele cheiro podre ficava cada vez mais forte.
Foi quando seu coração deu um salto. Ao olhar para o canto próximo à janela, percebeu a figura de uma criança sentada e apoiada com as costas na parede olhando-a. Não era uma criança normal, nem sequer parecia criança, ela só pôde julgar como tal, ao observar a baixa estatura e proporção do corpo. Parecia uma menina. Era muito feia, usava roupas surradas, sujas e rasgadas. Ela tinha os pés descalços e atrofiados, uma espécie de deformidade, possuía bolhas vermelhas por todo o corpo, a cabeça quase careca com alguns poucos fios de cabelo embaraçado e uma aparência doente...
Por alguma estranha razão aquela criança lhe parecia familiar. Elfa por um longo tempo ficou sem falar, o coração acelerado e ainda suava frio... Pôde ouvir por um breve momento a respiração penosa da criança que a olhava com uma mescla de tristeza e agonia.

- O que você está fazendo aqui? - perguntou a menina numa voz rouca e fraca.
Elfa ficou sem fala.
- Você ainda pode escolher... nem todos os caminhos se fecharam. - Continuou.
- Quem é você? - perguntou Elfa em tom de voz baixo e levemente assustado. Não era a primeira vez que ela via um estranho falar dela como se a conhecesse.
- Eu sou você... - Respondeu a menina.
Elfa teria dado risadas se a situação não fosse tão estranha. Chegou a esboçar um sorriso mas conteve-se a tempo.
- ...por dentro. - Ela continuou.
Em seguida fez menção de se levantar lentamente. Elfa começou a dar uns passos para trás em direção da porta com a mão próxima de sua adaga escondida.
- O que está fazendo? - Elfa sussurrou.
A menina, sem responder, se levantara e começava a andar em direção da Elfa, não era uma imagem saudável, ela se apoiava de um jeito estranho nos pés atrofiados e parecia sentir dor à cada passo. Elfa deu mais passos para trás, estava realmente com medo agora.

Aconteceu tudo muito rápido. Ao passo que a criança se aproximava, Elfa ouviu novamente passos em direção da porta. Ela fechou os olhos e sacou sua adaga empunhando com força. Quando a porta se abriu de maneira abrupta, seu movimento sem pensar foi veloz e havia pego de surpresa a bela moça que adentrava ao quarto. O golpe levou a lâmina da adaga fatalmente em direção ao pescoço da jovem cortando alguns fios do seu cabelo loiro no caminho, que caíam lentamente.
A expressão da jovem, de surpresa e susto, estava também estampada no rosto da meio-elfa. Ela caía para frente com muito sangue jorrando, manchando o belo vestido branco que usava. Elfa a segurou e se ajoelhou ali com a moça em seus braços, com uma mescla de surpresa e pavor na sua expressão. Havia se esquecido da criança naquele momento de tensão, mas ao observar na direção da janela viu que a menina havia desaparecido.

A jovem tentava falar alguma coisa mas tudo o que saía de sua boca eram ruídos de alguém engasgado e um pouco de sangue.
Aquilo não estava nos planos.
Elfa chegou a sussurrar um tímido "me desculpe", quando a moça ia perdendo as forças e a sua visão ficando longe, embaçando...
Quando ela morreu, Elfa gentilmente fechou os olhos dela com a mão livre.

Ela havia esquecido completamente a porta aberta e os ruídos que as duas estavam provocando. Largou a moça no chão e levantou-se quando ouviu novamente passos apressados vindos da entrada do palácio...
Hadd' Alid entrara no quarto, olhou para Elfa e depois para o corpo da filha no chão. Ajoelhou-se.
Ele não tinha palavras quando pegou a filha morta no colo, apenas rolaram lágrimas silenciosas pela sua cara enrugada.
Elfa não disse nada. Encarava a cena e aos poucos se movia de costas em direção à janela. Depois de alguns segundos ele olhou para ela, olhou as roupas, ensaguentadas assim como a adaga que ela empunhava.
- Você... você matou minha filha.
- Foi um acidente eu... - Começou Elfa.
- Cale-se! - Berrou Alid quase aos prantos, soluçando.
- O que você queria? Ouro? Jóias? Sua... Sua cadela! Sua cobra! Traiçoeira! - Bradava ele.
- Me desculpe! Gritou Elfa inesperadamente. Não era o seu feitio se desculpar.
- Você poderia levar todo o meu ouro, menos minha filha! - Dizia ele desesperado.
- Acho que você só deve se importar com o ouro... Mas saiba disso ladra... Chega um momento em que o ouro deixa de reluzir, as jóias param de brilhar e a sala do palácio, do luxo, se tornam uma prisão. Tudo o que resta é o amor de um pai por sua filha... E você tirou minha filha de mim. Uma miserável como você nunca vai ter amor.

Mais passos apressados e estridentes ressoavam no corredor. Quando Alid gritou:
- Guardas! Aqui! Peguem essa ladra!

Elfa não pensou duas vezes, abriu a janela e se esgueirou para fora do palácio no momento em que os guardas entravam no quarto. Já havia cometido erros demais para um dia só, permanecer ali seria um erro gravíssimo.
Na queda ela se ferira na perna ao cair de mal jeito em cima de caixas de madeira que estavam do lado de fora, já em uma das ruas da cidade. O quarto equivalia ao terceiro piso de uma casa normal, ela ainda teve sorte por ser leve e ágil, não teve muito tempo de medir a altura e calcular sua queda.

Uma hora depois ela já estava em um esconderijo nas docas. Ela se sentia mal, e não tinha relação com o corte ardido na sua perna, consequência de sua fuga. Pensava em tudo aquilo que havia ocorrido, da criança, da desnecessária morte da jovem... e o que aconteceria a seguir. Havia falhado no seu objetivo, sua reputação em Porto de Calim cairia. E ela sabia que levaria mais tempo para conseguir dormir àquela noite, com todas aquelas cenas martelando sua cabeça...

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