quinta-feira, 1 de novembro de 2012

385

A cama era grande, a tarde era longa, o tempo corria lento.
Restavam-me ainda umas duas horas até que ela retornasse do trabalho.
Deitado, olhando para o globo espelhado que pendia do teto, eu podia ver um pequeno pedaço do meu rosto oscilando, quadro por quadro, a medida em que a esfera girava lenta com o balanço do vento.
Levantei-me e olhei para o rapaz que me encarava do outro lado do espelho da porta do armário, meu único companheiro até o final da tarde. Pude observar bem o seu rosto, que estava tranquilo, mas não feliz. Inquieto, ele fazia gestos estranhos que eu imitava. Seus lábios se moveram, não havia voz, mas eu ouvi o que ele disse.
Virei-me e corri o olhar pelo quarto. Deliciei-me com as cores, por mais que não gostasse delas. O armário, a janela, a estante, a parede, os livros, a porta. Deitei novamente, fechei os olhos e ouvi cada pequeno barulhinho, senti cada aroma.
E assim guardei a única coisa que sabia que continuaria comigo até meu fim, pois já naquele momento eu sabia que o resto estava condenado. Que era só uma questão de tempo até a embaralhada maluca acontecer. Até que o castelo caísse sobre si mesmo. Mas eu também sabia que, chegada a hora, eu ia tentar resistir.
As contagens já haviam parado, assim como as outras coisas bonitas que já se fizeram em outros tempos, todos encerrados por feridas que não se curam direito, e que se reabrem ao menor movimento descuidado.
Havia me apegado ao conforto que segura e cega, que fizera com que eu não quisesse abandonar o lar, mesmo ao som das sirenes que sinalizavam o iminente desastre a se aproximar, que criara falsas ilusões de que talvez eu não fosse afetado, e que se fizesse de conta que não vira, tudo seguiria sua rotina normal.
E caí assim, tolo e só, soterrado pelas fracas estruturas do castelo que construí as pressas.
E assim fui jogado novamente ao mundo, de olhar vago e coração vazio, apenas com meu baralho e a esperança de que haja algum outro lugar onde possa construir minha fortaleza, um lugar pra chamar de lar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário