quarta-feira, 22 de julho de 2020

A esquina sem eu

A cidade é um problema e já não ando minhas andanças. Quanto a isso, não há remédio. Ficar afastado é só o que se pode fazer. Uma esquina que um dia reencontrei em surpreendente acaso e lembrança, sem  que eu percebesse, deixou de ser logo ali. Mudamos: de minha casa agora chamo a outro lugar; o eu a quem me refiro agora é outro. Aquelas ruas ainda se cruzam ali, no mesmo lugar sob árvores e estrelas. Mas sozinhas, elas não significam nada.

Sinto falta do movimento, parar na esquina e atravessar as ruas somente com o olhar. Toda tragédia que cruza um caminho desperta uma exclamação: "justo agora que...". É isso. Nada acontece num momento que não interromperia coisa alguma. Estamos sempre no meio, sempre num processo de transformação.

A esquina é cínica. Diz oferecer opções, mas nos leva sempre aos mesmos lugares. O carro está em casa, mas eu também. Quanto a isso, expecta-se pelo tempo que resolva, este que é remédio e veneno, gelatina sem sabor. Que a erosão nos abra um caminho, e que ainda tenhamos pernas para andar por ele.

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